Conselhos

“Conselhos”

Meu avô me aconselhava a respeitar sempre os mais velhos. Minha avó pedia para eu comer devagar e fechar as pernas. Meu pai me proibia de roubar frutas no quintal do vizinho. Uma tia-avó, bem velhinha, mandava eu não maltratar os animais e nunca esquecer do Pai Nosso, à noite. Quando eu entrava na igreja, um silêncio constrangedor me impedia de mentir. Minha mãe dizia para eu chorar muito, sempre que tivesse vontade, mas era para eu tratar de economizar a água da casa.

Mesmo ouvindo todas essas vozes sussurrando insistentes em meu ouvido, não me privei de, às vezes, passear no jardim e comer frutas proibidas. Ganhei um tapa na boca, me engasguei com uma espinha de sardinha. Enfiei três sapos vivos no espeto. Deixei passar a vontade de chorar, depois gemi baixinho. Pai Nosso que estais no céu, amém. Estava com tanto sono; o resto Deus já sabia.

Meu avô, minha vó, meu pai, minha tia, minha mãe, e até uma velha vizinha davam-me conselhos. Fazer arte era, na minha lógica de criança, a melhor maneira de não os esquecer. Mas o que eu gostava mesmo era daquelas gostosas reuniões em família, à noite, quando todos jogavam.

Entre cartas, avós, copos, pais, primas, prêmios, desafios, primos, copas, tias, tios e espadas, eu exercia meu ódio, meu ócio, minha paciência e ousadia. Esses momentos não eram exatamente pacíficos, mas trapacear nunca era permitido.

Aos poucos, eu ia aprendendo que cada carta representava um risco. Havia pactos, códigos, uns cochichos que eu mal decifrava, mas achava que entendia. Como era bom jogar baralho sobre uma mesa transparente, de vidro, onde se podia ver todos os pés! Às vezes, os melhores parceiros eram os mais distraídos. Impasse: momento em que um conselho bem dado deveria ser totalmente esquecido.

Meu avô intrigava-se com o Ás que não vinha. Meu tio concentrava-se nos pequenos desenhos da coroa do Rei exposto sobre a mesa. Minha mãe trazia chá e pipocas, fazendo um ou outro comentário que me descontraía. Imaginem, um castelo, a vida sem Rainha. Numa dança de olhos, a partida se decidia.

Sim, nas lembranças dessas pequenas batalhas travadas entre amigos estão as melhores lições recebidas. Mas de todos os conselhos que me deram, ao longo de minha vida, é o eco da voz de minha mãe que se mescla ao som da água que eu desperdiço, sem remorso, agora, nessa pia.