Ressurreição
Eu não irei voltar! Não volto ao refúgio carnal que de seu asilo trancafiou-me. Quase um século de volúpia contra meu prazer, cativando a soberba do ego; décadas de ignomínia sob o solo dos ratos beirando minha masmorra. Bastardos do rei, poderoso rei, vilipendiou-me nas frestas da esperança, quando vosso austero coração derretia conforme o batimento de teu filho queimava na peremptória piedade não atendida. Afogado pelo sangue opressivo que cachoava, infelizmente, meu funesto corpo; o mar vermelho de minhas entranhas banha o sol como a vertigem de marte. O céu, sujo céu, que de seu belo eclesiástico e celeste tom, dava vazão à minha atômica misantropia por cada molécula presente na existência. Como eu sacrilégio o viver, não há amor, muito menos carisma em levantar mais um dia. A fatigada e vil dona morte deveria ceifar minha garganta, espalhar minhas folhas de kalanchoe sobre o vento último da solidão; sobrepujar-me a impotência soberana do fim. Gostaria de ser o fantasmagórico assombro que perturba os moradores de alguma região. Velar o espírito podre dos esotéricos ocultistas, sucumbi-los. A morada da importância balsa a força que tenho em saber que posso matar e morrer ao mesmo tempo; dualidade cartesiana imoral. A bandeira de minha nação é meu próprio crânio, meu brasão é meu corpo putrefato, minha honraria é ter deixado a vida de tantos honrados. Sou aquele que peca sem olhar a quem, sou o renegado ignóbil homem que dança na lama preta de um ritual. Nas trevas habito meu mundo, a desgraça teve que ser assim, o caixão teve que ser minha mansão e meu velório teve de ser meu baile de gala que tanto desejei.