Devaneio

Contra todas as expectativas, ela nascia. Linda, nua e só. Como toda mulher.

Vivia numa caixa. Assim, como quem acabara de nascer. Nua e em lágrimas. A caixa, sua casa, assim como sua vida, fedia.

Não era de papel a caixa onde morava. Era um concreto erguido em três cômodos. Cada cômodo com sua mulher, cada mulher com seu destino. Lindas e nuas, como uma só. Não lembrava seu nome, nem como havia crescido. Quem se lembra desses detalhes quando a vida te deixa nua e fria desde a saída do ventre?

Como todas as mulheres daquela caixa, vivia nua, linda, fria e só. As cinco já de pé e desperta, fazem suas funções de mulher. Quem a ensinou ser mulher, tanto faz. Não precisa saber, basta executar.

São três mulheres nuas, frias e distantes. De si e de sonhos.

Se já sonharam, nem se lembram.

Se já amaram, não sabem.

Suas funções, nesta caixa, são suas identidades. Cada uma em seu cômodo, em seu âmago.

Contra todas as expectativas, ela sonhou. No princípio não entendeu o que eram aqueles lampejos de imagens soltas, cores absurdas e quentes, quando dormia. Ela sonhou... Foi lindo. Ela se viu fora da caixa. Estava livre.

Quando acordou, contou para as outras e, como esperado, depois de uma vida na caixa, não acreditavam em sonhos. A vida na caixa é dura. Não se pode sonhar. Não se vive; cumprem-se metas e destinos.

A primeira a sonhar foi ela e logo percebeu que era possível sonhar de olhos abertos. E ela gostou e se aventurou em terras, planetas e desejos. Ela então desejou.

Contra todas as expectativas, dentro da caixa, nua e fria. Sozinha ela desejou não ter um destino pronto. E começou a sair, cavar a caixa.

Ela percebeu que as paredes eram sólidas demais. Como se fosse um plano terrível para mantê-la presa.

O que não imaginavam era que ela aprendera a fugir. Ela sonhava. E em seus sonhos ela tinha memórias. Não estava só, nem fria e nem nua. Em seus sonhos, ela não tinha deveres sem sentido. Em seus sonhos sua vida era só sua.