O VENTO DAS ESCOLHAS

À frente dos olhos, os cata-ventos giram suas pás grandiosas, gigantes na geração eólica. Mas o fato de gerar não garante a energia capaz de transmitir.

O coração sensível está puro, mas o vento bate angústias existenciais. Ainda sou desses paspalhos que morrem de amor pelo mistério do outro. O marejo de lágrimas é o meu queijo de tristezas. E o leite de que é feito já estava ácido.

Percebo Jesus Cristinho embalado no cesto, na estrebaria, e desejo o Amar geratriz chegando mais perto pra todos, no Natal. O sopro que rodopia os cata-ventos é o mesmo, mas só o alter-ego possui o mistério da palavra.

Alguém sussurra que o tempo é chegado. Ah! Agora entendo... A morte vinha na carruagem tresnoitada de viver: a cada mergulho existencial surge uma nova réstia amorosa.

E este calor que desce o braço até a mão (que escreve) é o mesmo sangue que amarga a boca. Ele chora algumas pequenas coisas e busca sentido para o viver.

O mundo corre estrada a fora e há um grande ponto de interrogação no ar. É através deste que o universo se define como objeto aos olhos de quem vê e não de quem apenas olha pelos vidros da janela suja, opaca, onde eu sou uma nódoa à espera do detergente.

E me purifico novamente pelas mãos da servente que nem sabe interpretar a linguagem desconexa e fútil que se identifica nas palavras.

O dia seguinte é o incontido universo da roda do tempo. E o cata-vento gira a roda como um bastardo peixe de desejos entre o sal-de-frutas que anima a fome de vida, no estômago.

O melhor do viver é deixar que o vento suje a cabeça e a cara deslavada. O restante do corpo é impudico e não fala. Ele, o senhor dos humores, tem medo de ser reconhecido pelo que é.

Sentir-se humano é saber-se preso ao universo dos medos e antever a fera logo na próxima esquina.

E eis que pressinto o seu hálito... O etéreo estava dentro de mim. Está agora apenas se revelando.

– Do livro CONFESSIONÁRIO / EU MENINO GRANDE. Porto Alegre: Alcance, 2008, p. 281.

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