... geometria do silêncio
Dei-te a minha mesa
O meu lençol de linho bordado a ponto sombra
O meu colo manso de virginal princesa
Dei-te
o sonho que sonhei contigo às horas tantas.
Dei-me ao sonho … inteira.
Fantasmei um diário imaginário e dele fiz corolário maior.
Olhei agora a face da noite. Está escurecida. Está parada, desenhada na geometria do silêncio, diria eu que empobrecida. Silenciada.
De que linhas, de que formas, se desenham os silêncios?
Não sei e, contudo, reconheço-o na sinalética apagada, em cada degrau de escada em que tropeço, no espaço rectilíneo de cada ângulo homicida traçado na alvura lata do plano.
O encontro é desmedido.
Sem roteiro, aplanada no véu da flecha, ondulo num espanto boquiaberto de erva incerta.
O abismo responde-me impregnado num odor de poros, de teias de silêncio.
Sangram as palmas dos pés, os montes descem mais baixos que o convés.
Do cimo, o moinho esquivado resvala em velas desfraldadas, rumina no pó da pedra, na semente jazente e tão esmagada.
Atento ao canto geométrico das velas triangulares. Cantam a morte do próprio vento.
O silêncio trespassa-me a boca oferta, pelo eco da palavra. A tua palavra, rebelde, insurrecta e manifestamente muda. Grave! Aguda a dor.
Os cheiros.
Os pinheiros da orla marítima, a resina pegajosa que se eleva e que me grita nas asas que já não voam, presas à flor do sal. Aos deuses, o sacrifício egrégio, animal.
O meu lençol de linho bordado a ponto sombra, no silêncio…
Um corpo, uma harpa tangida na noite escura, os ombros cansados dos cabides onde dependuraste o que te restava do mutismo. Geometricamente.
O sonho que sonhei contigo às horas tantas.
Tridimensional, questiono o verbo e a palavra, avanço na noite, no perímetro da lua cor d’abóbora, a lua de fogo, que não mais é que logro, e logo, logo, sobre dois planos se espinha de novo o cinza do silêncio.
Dei-me ao sono … fantasmei um diário de corpos ardentes, de flores suspensas no bico das aves, de telas desenhadas à bidimensionalidade das coisas por musas tridimensionais, em aparos esguios de orquídeas de sangue.
A geometria do silêncio.
De que linhas, de que formas, se desenham os silêncios? A técnica é épura, a geometria é descritiva. Revejo – me nas coordenadas dos pontos, nos pespontos entre as abcissas e nos afastamentos...
Em silêncio.