Rosa Ana faz terapia



Rosa Ana era uma jovem mulher triste, que vivia para o lar da hora que o dia amanhecia até à hora de se deitar. A casa, o esposo, os filhos, era só com o que se importava. Tudo fazia para deixar todos tranquilos e sempre bem protegidos.
Ela trabalhava fora, é verdade, mas a família era a sua prioridade. E enquanto estava ausente de corpo levava o seu lar na mente.

A vida de Rosa Ana era cuidar dos “seus”. Queria estar sempre presente na lembrança dos que amava... De tudo estar ciente para ajudar a resolver qualquer problema e, também por isso, trabalhava fora. Dar conforto aos seus era seu dilema.

Com o tempo o seu interesse, o seu amor e cuidado foram ficando exagerados e Rosa Ana não tinha mais vida própria. Vivia para cuidar dos outros. Achava que os outros era responsabilidade dela. E por ser parte dela, era a razão da sua vida. Ela já não vivia. Só existia.

A sua infância poética adormecera na adolescência. A juventude regrada na ética e na responsabilidade do casamento precoce fez Rosa Ana se distanciar do mundo. Seus sentimentos mais profundos eram dedicados aos seus entes queridos. E servir era um dos seus passa-tempos preferidos.

Mas sua dedicação excessiva não era bem vista por todos. Alguém reclamava de excesso de zelo. E exigia liberdade. E no fundo não a queria por perto.
Logo o ciúme estava desperto, e com ele a dor e a mágoa...
Mas ninguém percebia os seus olhos sofridos. E o seu coração, antes um guerreiro obstinado, foi ficando abatido.
Começou a falhar...
O frio da alma mudou-se para a planta dos pés e ali instalou-se. Suas mãos jovens e firmes passaram a tremer e suar frio. Seu espírito amofinou-se.
Mas ninguém via seu íntimo. Seu penar...
Logo disseram ser caso de médico e Rosa Ana foi se consultar.

Passou por especialistas e chegou ao cardiologista que, depois de ver-lhe todos os exames disse ao lhe auscultar: terás que fazer tratamento e de hoje em diante ficar atenta, nada de se preocupar. Seu coração está enfermo e do nada pode parar.

Rosa Ana ficou assustada! Como não ficar preocupada, se a vida que tinha era ingrata? De tudo que tinha conquistado era grata, mas só precisava de paz.
Mas a paz que ela carecia não estava em suas mãos. Cuidara tanto dos outros que se tornara dependente de afeição e colocara sua vida e sua tranquilidade nas mãos de quem não lhe tinha afeto de verdade.

Junto à taquicardia somou-se a ansiedade e Rosa Ana já não vivia. Dia e noite só chorava e temia a hora do fim. E foi por isso, e assim, que foi fazer terapia...
Fazia parte do tratamento que o médico recomendara.
Um acompanhamento criterioso que incluía medicamentos e sessões de análise psicológica. Pois seu sofrimento “sem lógica” a levara a um quadro agudo de estresse extremamente perigoso. Seu caso era grave...
O estresse abalara seu coração e nem mesmo a sua razão, exercitada com zelo e determinação, daria conta de devolver-lhe a saúde. Seu caso era urgente e era preciso cuidar o mais rápido possível. Ela teria que aprender a viver diferente e a cuidar também da sua mente...

Iniciou o tratamento.
Ia uma vez por semana ao consultório da psicóloga. No início só chorava...
Muito pouco estava desabafando... E nada de fato mudava. Das coisas que ficava ouvindo em poucas acreditava.

Até que um dia foi diferente. Enquanto fazia um esquema da mente para estudar seu problema, escreveu um texto incoerente, cheio de dor e anseios e se pôs a meditar. Lembrou-se que quando criança escrevia sobre tudo ao seu redor. Escrevia do que lhe doía na alma e afligia o coração. E ora doce, ora fel, o que sentia ia parar no papel...

Então olhou o seu texto e notou que o seu desengano com o mais triste pesar humano, daria um belo poema. Não era só mais um esquema mental. Era um texto sem igual...
Levou para a seção semanal e lá fez a leitura enquanto a psicóloga a olhava...
O texto falava de sua amargura, de suas dores e anseios, mas o semblante de Rosa Ana brilhava...
E quando a leitura chegou ao fim, a psicóloga olhou-a e disse: Escrever fará parte do seu tratamento!
Você vai começar a escrever as palavras que não consegue dizer.
Coloque todos os seus sentimentos em um caderno apropriado. Não leia. Deixe-o guardado. As folhas que escreveres serão por mim analisadas. E digo de antemão que se forem iguais a este serão belas obras-primas, e já que gosta das rimas, misture tudo com amor, descreva toda a sua dor, pois esta é sua sina e nos ajudará na missão.

Rosa Ana voltou para casa e começou a escrever. De tudo o que se lembrava ou que queria dizer... Só dava asas aos pensamentos e a eles o serviço da sua caneta...
E se faltava um pedaço, qualquer asserção idealista, ia colocando asteriscos... Escrevendo junto e ao redor, e se a garganta desse um nó, e as lágrimas nas faces descessem, dizia que era o cansaço que lhe magoava a vista.

Tudo que lhe vinha na alma ali no caderno deitava e percebia que aquilo lhe devolvia a calma. Assim, por vários momentos em que desabafou sofrimentos, angústias e loucas fantasias numa reles folha de caderno, descobriu que o que ela escrevia, ainda que não fosse num estilo moderno, eram verdadeiras poesias. E então se sentiu poeta...

Hoje quando sente medo, tristeza ou decepção, põe a caneta na mão e escreve tudo que sente. E logo alivia qualquer que seja a sua aflição.
Sua alma, antes calada e arredia, hoje faz terapia descrevendo cada emoção.
E quando escreve seus versos viaja pelo universo e revolve os cantos da terra...
Sonda o seu próprio anverso e em cada poema escrito, num traço bonito encerra a cura do seu coração.

Rosa Ana agora já sabe que a melhor terapia é escrever poesia!

Adriribeiro/ @adri.poesias
Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 17/07/2021
Código do texto: T7301495
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