Cinquenta anos

Cinquenta anos...

Um bolo, com cinquenta velas. Apagá-las uma a uma e para cada uma delas, um desejo pensado, sonhado, tão desejado...

Não... Não tenho tantos desejos assim... Meus anos superam meus desejos. Com muito esforço talvez lembrar-me-ei de desejos que correspondam a 20% da idade, porém, demandará muito esforço.

Um sopro, uma vela que se apaga, um desejo feito desde as entranhas mais profundas do coração, desde as sinapses mais ocultas do cérebro, desde os sentimentos mais sinceros... Uma vela que se apaga para que tal desejo se concretize... Paradoxal... Acabar com uma luz para que algo se realize. Matar algo para que outro algo passe a existir...

Não tenho tantos desejos, nem preciso tê-los. Desejos muitas das vezes são supérfluos, desnecessários, egoístas. Entretanto, aprendemos que "- É meu aniversário!", então me permito desejar, permito-me desejar pois mereço, permito-me desejar... São permissões muitas das vezes para satisfazer aos vícios, não ao Espírito...

Apesar desta ciência, resta ainda um desejo, um único desejo, do qual não pude livrar-me, do qual não quero livrar-me, embora poeticamente diria "não posso livrar-me..." É um desejo que ainda me faz brilhar os olhos, faz-me sorrir mesmo sem ter motivos outros para tanto, desencadeia um ritmo cardíaco mais célere, enfim...

Quando se chega aos cinquenta anos, fica muito claro que mais da metade da vida se foi, então, enquanto os olhos miram o porvir, as lembranças buscam o pretérito. Enquanto os olhos permitem sonhos, novos ou antigos, as lembranças debruçam-se nos fatos. Enquanto olhos cultivam o ainda imaterial, lembranças fazem inventários e reflexões... Pensei então nos dias em que eu gostaria de voltar para fazer diferente do que fizera. Foram muitos os dias, provavelmente mais que as cinquenta velas que dançam ao sabor de uma rala corrente de ar. Para a maioria das ações, encontrei desculpas pertinentes para o equívoco, para a maioria delas o arrependimento teve a oportunidade de encontrar-se com os fatos, para a maioria delas restou a sensação de que aprendi a lição. Contudo, houve um dia, um único dia que me fez chorar, que me trouxe uma grande tristeza e que o arrependimento foi transformado em grande culpa. Não encontrei desculpas, atenuantes, sobretudo por eu tanto desejar que tudo o que houve a partir daquele momento fosse diferente... Mas não foi.

Nada acontece por acaso... Acontecem coisas que podem parecer casuais, ou uma fatalidade, contudo, eram as coisas que deveriam ter acontecido, eram as coisas melhores para o futuro, mas a ignorância não permite entender isto... O olhar miúdo vê apenas uma microscópica parte do todo, descontextualizada e em seus desejos viciosos, insiste no que pensa ser o melhor...

Ainda assim, se pudesse voltar naquele dia, se pudesse, com meu corpo estar ali novamente presente, se pudesse com meus olhos mais uma vez olhar, se fosse capaz de dizer outras palavras, se minhas mãos pudessem significar outras expressões, eu voltaria, e faria diferente, muito diferente, na grande expectativa de um futuro diferente do presente... Mas não posso...

Talvez por isso que, ao soprar uma vela, pouco importa o desejo. Não é possível ter tudo que se quer, e nem tudo que se quer é o que se merece, ou o que se precisa, ou o que é permitido. Pouco importa uma vela que se apaga como barganha por um desejo. A vela continuará uma vela, agora sem sua luz, mas apta a cumprir seu dever se novamente conocada e o desejo permanecerá escravo do destino, da fatalidade ou do acaso, como preferir.

Ao completar cinquenta anos, meus olhos miram ainda um desejo, tal como minha memória ainda mantém vivo um dia para o qual, se pudesse, escreveria um novo enredo. Quanto ao desejo, ele é incerto, imprevisível, quanto ao passado, imutável. Valerá então apagar uma vela, ou apagar todas as cinquenta? Valerá fazer um grande pedido, ou quem sabe trocá-lo por dez pedidos medianos ou talvez por cinquenta pequenos?

Não... Descobri que meu único desejo não pode ser satisfeito, afinal não é possível voltar ao passado. A partir daquele momento uma história começou a ser escrita, aquele momento criou suas consequências e não me é permitido voltar até lá para criar uma nova história... Sou escravo da minha decisão e não posso me libertar.

Soprar as velas... Cada uma que se apaga significa um ano de vida vivida, ou um ano a menos de vida. Cada uma delas significa um sonho que ainda pode viver ou um desejo que permanecerá apenas no mundo dos sonhos.

Anderson M Reinaldi
Enviado por Anderson M Reinaldi em 07/07/2021
Reeditado em 11/07/2021
Código do texto: T7294900
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