PEDAÇOS DE MIM
Fragmentei-me ao longo da vida.
Meus pedaços, já na infância dependente, foram se perdendo por entre os dedos do tempo e nos desvãos das casas onde cresci.
Cedo caiu o corpo de minha alma por entre os espaços inseguros dos braços paternos,
e como neles, os cacos de mim extraviaram-se irremediavelmente no passar dos anos;
as fraturas são as ignorâncias de minha vida sem equilíbrio.
Frações de mim foram pisados pela indiferença e descaso, e restam tão miúdos quanto pó, que se os tento recolher, o vento de meu afobamento afasta-os de minhas digitais e mantêm a angústia de meus olhos voltados ao passado.
Outros ficaram esquecidos em meus cantos escuros; estilhaços que firo a mim e a outros com arestas descuidadas.
Quantos, revolvendo a reminiscência incompleta, recolhi das memórias esquecidas na necessidade de continuar vivendo e nesse esforço fiz-me novos cortes, uns profundos outros rasos, para expor ao mundo o desgaste sobre-humano de minhas buscas.
Porções de minha alma ainda apresentam falhas irretocáveis e seus buracos são minhas emoções inseguras, e fazem os enganos de minha vida.
Faltante como mosaico de igreja abandonada, a luz do mundo e as águas das tempestades insinuam-se por minhas frestas, deixando dor num interior que não posso proteger.
Sigo, em busca cega e surda preencher vãos buscando-me em fragmentos alheios, mas quão tola e vã é minha procura: somos todos faltantes e fragmentados!
Quantos espaços ainda lhe faltam, vaso da incompletude de minh`alma, e por maiores zelos que faço recolhendo e colando em ti porções do passado, entregar-lhe-ei à morte mutilado,
e somente eu, eu, eu...
saberei os hercúleos esforços que empreendi por completar-lhe.