A bailarina
Ela era bailarina e dançava, secretamente
doava aos ponteiros do relógio, suas pontas como eixo
e vasculhava seus livros de memórias
a cada curva de uma lembrança
eram olhos, boca, face a saltar em pleno ar
um giro, mais um giro a se alargar
e lá vai ela em pleno voo
viu cada par pintado feito tela
em movimentos que jamais contaram
e dançou com eles, todos eles
em sua dança de confirmação
estavam lá todos os braços
todas as mãos, todo peito a lhe recolher
em todos os saltos, em todos os nãos
e num instante para ajustar os laços
polir as pontas, refazer as bandagens
ouviu dos lábios o que sempre inquiriu
já era em par aquela dança
lá ao longe quando no palco
sombrearam as cortinas em seu se fechar
aos olhos do mundo que encenava a plateia
e nos bastidores luzes contornando
aquele espelho que testemunhou
o figurino a desfazer-se
e por a mostra o que nela era
o único espetáculo que jamais findou
palavra recolhida, ajustes bem feitos
agora ela volta ao seu calar
daquela dança que é teu descanso
e em colo terno vem lhe abraçar!
Kátia de Souza - 20/06/2021
Na imagem: fotografia de Tim Walker