Dilúculo

Amanhece outra vez. Mas o dia traz o céu azul desbotado, e esconde o vigor das manhãs. O sol tímido, parece demorar a aquecer, e como quem boceja e se espreguiça, vai deslizando pelo telhado, se esticando fraquinho, sem fazer alardes. De tão fraquinha a luz, o pouco calor não acorda de vez todos os passarinhos, e se ouve na manhã desalenta apenas um piar aqui, outro lá. Talvez, filhotes de pardal famintos chamando os pais. Domiram mais? O sol parece não querer brilhar.

O céu empaledecido traz a manhã silenciosa, melancólica. A moça abre bem a janela, e o gato que dorme, aos seus pés na cama se refastela, boceja, lambe os bigodes, aperta os olhos, pisca e depois fecha, reabre-os outra vez quando as suas orelhas detectam um pardal no telhado baixo que ampara por fora a janela, impedindo que a chuva adentre o quarto.

O gato, assim como a luz do sol também se estica, desliza as patas, lambe-as espreguiça-se, levanta com cuidado, e com destreza pula à janela e se pernite alongar em seu peitoral, ouve desatento o canto do pardal. A manhã preguiçosa lhe acalma o instito de buscar passarinho.

A moça lê um livro, Clarissa de Érico Verissimo, se transporta no tempo, na história, para a vida da personagem principal. E sente que mesmo outra cena, outra paisagem se asemelha à sua. Uma manhã melancólica, um sol tímido, um céu desbotando azul, pincelam poesia.

Há silêncio, o pardal já não pia. Não se ouve o vento, a cortina não se move. Na janela o gato é calmaria.

A moça tenta escutar algum som, as galinhas do vizinho, o galo que não cantou, talvez por isso este sol macio. Não se ouve cacarejar algum, decerto no quintal da vizinha, delicadamente, as galinhas ciscam o vazio. Que comem? Não há minhocas , muito menos milho. Talvez se alimentem de um fio de luz tocando os grãos de areia, de fantasia.

O gato dormita, o livro fechado. O silêncio grita.

A manhã preguiçosa se enche de doçura, de sonho, de preguiça. A moça fecha os olhos, esquece o mundo e outra vez cochila.

Paula Belmino