Já não tenho!
Já não tenho o viço da juventude,
O equilíbrio da maturidade,
O brilho das estrelas no céu,
O frescor das manhãs de inverno,
A maciez das plumagens dos pássaros,
O colorido das flores na primavera
O brilho incandescente do sol de verão,
O encanto da inocência pueril,
O sabor do néctar das flores sorvido pelas abelhas,
A beleza do despontar do sol no horizonte,
A magia das águas invadindo a natureza.
Já não tenho tanta coisa em mim...
Muito de mim desfalece pelo correr das etapas da vida, que se esvai com os anos.
Porque a vida passa, o tempo leva.
Agora é tempo de pensar o que sou.
Quem eu sou.
Sou como a folha perdendo a clorofila no outono,
Como o girassol perdendo suas pétalas pela passagem da estação,
Como garrafa de vinho vazia na adega,
Como o perfume sem essências em frascos ornados
Como banquete degustado e esquecido,
Como sapato roto em pés peregrinos,
Como vestes rasgadas em corpo maltrapilho,
Como lâmpada apagada em quarto vazio.
Como som que não chega ao ouvido do surdo,
Como música sem partitura no livro da vida.
Já dei tudo de mim... Já me esvazeiei de mim.
A minha voz e o meu silêncio,
A minha indignação e minha serenidade,
A minha tristeza e a minha alegria,
O meu fracasso e a minha vitória,
O meu sonho e a minha desilusão.
A ligeireza e a lentidão dos meus passos.
A minha intrepidez e a minha ponderação.
A minha sensatez e a minha insanidade,
A minha fé e o meu ceticismo,
A minha prontidão para servir.
O que resta agora?
O que há além do final do túnel?
O que há acima das nuvens e do céu?
Sacudir a poeira que ainda há sobre mim,
Seguir e viver até o dia que Deus quiser.
Maria Luiza D’Errico Nieto, em profunda inquietação.