O tiozão do churrasco

Aquele tiozão engraçado, que no encontro de família, era visto como o cara que faz todos rirem. O tiozão que mesmo falando coisas absurdas, tipo, da vizinha gostosa, da gorda velha ou do corno rico, era o tiozão da piada. Era o tiozão que, sem qualquer filtro ou senso de sensatez, dizia que seu filho é o menino que pega todo mundo. Que o garoto, um verdadeiro gavião, é o orgulho da família. Esse tiozão, em si, para si e por si, é a anedota esperada das festas do condomínio. É o cara que chega e quebra o tédio da conversa séria, quebra a rotina, enfadonha, da seção centrada em procedimentos burocráticos. Esse tiozão, por si só, é a quebra da melancolia encontrada nos poetas. Esse tiozão é o risco grosseiro nos traços que Van Gog empresta à Estrelada e faz essa pintura ser tão bela e singular há séculos. É mesmo tiozão que, incapaz de entender a magnificência de David, esculpido em pedra bruta que, Michelangelo, como todo gênio, pareceu dar vida a algo inanimado. E a Capela Sistina, do mesmo mestre, que coloca a aliança de Deus com o Homem, como a realização que só Arte pode expressar. O tiozão, lembrado como o cara que derrete a gelada vida dos compromissados com o comportamento educado, com não espirrar na cara dos outros, com evitar termos sexistas. Esse tiozão, como o herói que destrói o edifício das posturas civilizadas, ele, só ele, e, por ele, como uma dinamite, implode tudo e faz todos explodirem em gargalhadas. É o tiozão do riso solto, da piada escatológica, é o tiozão do churrasco flatulento. O mesmo tiozão que ignora a presença de senhoras e crianças, e solta seus arroubos machistas. É o tiozão que todos chamam com "chega aí!" E ele, tiozão que é, vai. Vai sorridente como a garota no seu primeiro desfile de moda. É o centro das atenções. É o ímã que magnetiza a atenção e o sorriso da plateia. O tiozão. O tiozão aguardado. O tiozão, que, como reconhecimento pelas piadas, pelo sorriso solto, o tiozão foi eleito líder. Líder da plateia que, da mesma maneira gosta do sorriso solto, das piadas escatológicas. Tiozão e plateia, como gêmeos siameses, se parecem. O tiozão se tornou líder. E como as hienas que se refastelam da carne podre, da carne morta, como os urubus, o tiozão, e suas hienas, saciam-se dos tristes dias que vivem os excluídos e suas famílias - excluídos porque não riem das piadas e não compactuam com sorriso solto.