Cience or not Cience, this is the question
Desde ontem, disse o velho, antes de sair, tenho notado, com lágrimas nos olhos, a anedota que fazem com o sofrimento alheio. Estou velho, vivi muito, vi muita coisa. Mas, esses olhos cansados, essas pernas fracas, pernas que já andaram por esse imenso Brasil, desse país de gente generosa, gente amiga, com lágrimas nos olhos, sem entender, e, ao mesmo tempo, tentando entender, confesso que nunca vi tanta iniquidade, tanta vilania, tanta bizarrice.
Minha tristeza, não fosse a catástrofe da pandemia e as mortes que já causou, por si só, um fato a lamentar, minha tristeza tem origem conhecida. Não tenho capacidade técnica pra discutir a plausibilidade da necessidade de se fazer chegar mais rápido a vacina. Todavia, tenho capacidade cognitiva, e mais que isso, tenho discernimento para entender o que é agir com humanidade e o que é seu oposto. Sou velho, estou chegando ao fim da minha jornada, porém, reforço, nunca, nessa minha trajetória, havia testemunhado tamanha atrocidade. Criar obstáculos na oferta de recursos profiláticos que, já se sabe, e com anuência da comunidade científica mundial, somados aos esforços de cientistas na busca de uma vacina, não só é desumano, como contrário ao que se espera de pessoas instituídas de poder Estatal.
Tão logo a pandemia se fez conhecida, seu alcance e sua capacidade de contágio se mostraram especialmente fatais. Surgiram dois tipos de pessoas. As mais simples, ou seja, sem posição de mando, de poder, passaram a ter acesso às informações pelo noticiário. Desse grupo, em si, composto das mais variadas posições e visões de mundo, surgiu dois sub grupos: um, que, a despeito de não possuir conhecimento técnico/científico, procurou se pautar pelas informações exaradas de especialistas (cientistas, médicos, infectologistas, virologistas...), de pessoas familiarizadas com o mundo dos micro-organismos, pessoas, muitas das quais, com dedicação exclusiva ao tema. Noutras palavras, embora, formado por pessoas leigas no assunto, esse grupo procurou se informar a respeito da pandemia, seu alcance, formas de contágio, formas de se proteger, ou seja, procurou seguir as orientações elencadas como eficazes para evitar a contaminação.
É o grupo majoritário, que luta para que a ciência, com seus métodos e etapas de testes, tenha a atenção que merece, embora, haja, no plano supra sociedade, a narrativa de que nada do que se diz da pandemia, é sério. Há, na ponta oposta da argumentação técnica e científica, a opinião de que há um complô mundial, de países de esquerda, que querem difundir o medo para, uma vez alcançado o objetivo, esses países tomem o controle da população e dos governos contrários. É a opinião de que, ancorados na pandemia (fala-se, inclusive, que o vírus seria parte da estratégia de dominação mundial), os países do complô, teriam condições de, inclusive, terem a cura da doença. Que só não divulgam porque, ao serem os únicos com condições de acabar com a pandemia, mantém o resto do mundo dependente de seus recursos médico/científicos.
O grupo oposto, ou seja, o grupo que se coloca como vítima de uma conspiração mundial, se fecha num círculo em que - a despeito de também não possuir conhecimento técnico/científico – à propensão para ouvir especialistas -, se dedica, e somente assim se mantém, a negar as evidências trazidas pela ciência. Esse grupo, essencialmente formado por gente avessa ao mundo dos métodos e preposições valorosos à ciência, tem sido conhecido pelo nome de negacionistas. E tem que ser assim, afinal, que nome se daria a um grupo que nega tudo, que nega a possibilidade do argumento, que nega a chance de, nessa troca que somente o embate de ideias pode oferecer como aprendizado, aprender e apreender novos argumentos. É um grupo que não admite, não aceita, outra opinião que se confronta com a sua. É um grupo composto de pessoas relativamente com algum grau de formação. De pessoas que, ao contrário de outro estrato social, que precisa sair à luta pelo sustento da família, em sua maioria, não teve e não tem acesso às informações, nem mesmo, em boa parte, de pessoas sem nenhuma educação formal. O termo negacionista, por justiça, não se aplica a essas pessoas. Assim, e satisfeitos por terem, entre seus membros, além, do representante máximo, contam também, para desgosto da comunidade científica mundial, com a presença de membros nas academias, nos conselhos deliberativos estatais. São esses membros que, ao contar com o apoio do chefe estatal, passam a ter acesso e visibilidade que uma parte da mídia, compromissada com interesses mercadológicos, e somente isso, lhes garante espaço e audiência.
Estou cansado e desiludido com a espécie humana, disse, mais uma vez o velho. Para minha tristeza, confesso, com lágrimas nos olhos, que de tudo que já vi e vivi, nunca, mesmo que de passagem, pensei, ainda que sem me debruçar seriamente, que viveria para ver no abismo em que nos encontramos. Nunca pensei, mesmo depois de tanta privação que passei, depois de tanto desamor, depois de tanta perda próxima, muito próxima, eu vivesse para ver tanta gente se fundamentar em crendices, em anedotas curandeiras, sim, anedotas curandeiras porque nulas de comprovação científica. Olhemos o tal kit. Trata-se de um punhado de medicamentos sem eficácia nenhuma para se tratar a doença. Chega ser, para desgosto da comunidade científica, um verdadeiro acinte, um descalabro mesmo, falar em tratamento precoce quando, já se sabe, não existe tratamento precoce. Parafraseio o nobre Oswald: Cience or not Cience , this is the question.
Estou cansado e velho. Preciso dormir, disse o velho, antes de tomar o último gole do seu café e dar sua última tragada.