RESIDENTES SEM LAR
RESIDENTES SEM LAR
Os da casa não suspeitavam de nada. Entravam e saíam sem notar que a abertura que tinham uns com os outros não passava de um espelho quebrado. Todos os dias se esbarravam no além-túmulo. O tempo não modificou para melhor como acreditavam, segundo uma tola sabedoria tola do povo.
E agora, revirando as gavetas, percebem que há passados cristalizados por um amontoado de mortes diárias. Quem nos consolará? As moscas já tomaram conta, a língua já se decompôs. Haverá vaga para um verbo que se fez carne? Que carne é essa? Cadê o sangue, o pulso, a veia? Esse fantasma não passa!
Todos os dias, sofrendo de asma, saturando o receio, aspirando o medo e conferindo selo a quem não merece um sorriso. Todos os dias olhando aquela face que bloqueia o crescimento. Ser tão veredas e ser tão da cúpula. Será preciso abdicar de tantas formas para sermos universais?
Qualquer liberdade já nos confere um juízo. Foram as ilusões que angustiaram nosso sentido tornando cada momento de glória um espaço de podridão. Por acaso, queres caminhar comigo?
Venho de algum país sem nome. Venho de pais de infinitos sonhos e com deveras fugas. E nessas palavras de todos os timbres escrevo o que não consigo entender. Que saia da minha tenda tudo que nela não couber. Voarei aos gritos. A conta e a contragotas vou fluindo e sentindo a incoerência que não me pertence por ser de direito. Até quando vai querer ser amada? Até quando vai amar? Até quando vai se derramar?
Ninguém vivo sabe responder. O que poderia fazer se soubesse a resposta? Se perderam as chaves dos baús e os troféus estão empoeirados na estante. Quero tocar com os olhos e ver com as mãos. E, em meio a tudo isso, não troco a minha inquietude por uma acomodação. Quero do mais profundo mistério a sua mais extrema sugestão.
Talvez com a desilusão de quem já perdeu até a perda possamos encontrar o desejo mais oculto dos nossos instintos e descobrirmos que nessa casa há mais segredos que possa imaginar a nossa vã filosofia. Mas, já não há mais como voltar e ninguém quer caminhar junto. Ainda tenho que acorrentar os meus impulsos para manter as aparências, mostrar-se são mesmo não estando a salvo. E tudo vem ao meu encontro.
O desafio de distinguir as vozes que vêm dos quatro cantos do mundo e aprender a qual delas dar ouvidos. Quero sair desta casa e encontrar um lar. Quero colo. Fui em busca doutros alicerces e edifiquei outros fantasmas. Já anunciei distâncias e aproximações. É tempo de repousar estas paredes e receber a dor. A dor da liberdade. O casulo se rompe. O que há de ser? Alguém constatou a felicidade. Vou sentir o sangue fervendo no alto da montanha ou em um vale sorvido pelo mar, mas não importa. Estarei onde quiser estar.
Vou me lembrar de que posso olhar para longe. Rumores? Silêncio, até lembrança.