Alienado de Si
Alienado de si. Vos apresento o homem moderno. O homem fábrico, o homem que domina a natureza, que a transforma, que, com sua genialidade, se fez, para além de uma concepção criacionista, senhor do seu mundo. Todavia, desapossado de si, essa pobre criança, como se perdida no universo de suas diabruras, não se consegue realizar na própria obra. Na obra, produto do fazer humano, que, tão logo o homem se viu dotado de sua razão, ao construir o mundo, segundo sua própria imagem, sem analogia com o divino, o homem se perdeu na própria coisa que construiu. A coisa, como o resultado do trabalho do homem, a coisa, ao se inserir, - e se inscrever de existência própria - a coisa (o produto) afronta o criador, o homem.
Dessa luta em que a coisa, como se amalgamasse no próprio homem, e dele, sem resistência, sem ser capaz de lutar para se libertar, ele, o homem, criador da coisa que, agora, como que dotada de vida própria, como que, se um ser à parte fosse, a coisa, o produto criado pelas mãos do homem, a coisa, como uma entidade, quase divina, a coisa, o produto, que o homem, em toda sua criatividade, consciência e plenitude, fez da coisa sua criação acabada da natureza. E a natureza, transformada pelas mãos do homem, sem que ele se desse conta, como que sugado, como que transmutado na coisa que das mãos dele saiu, o homem, como a criança descoberta em suas estripulias, o homem, defrontado pela coisa/produto, o homem, se desapossa de si e se aliena.
E desapossado, sem se reconhecer criador da coisa que, agora, como um ser fantasmagórico, como um membro com consciência e vontade alheias às vontades do criador, a coisa, como se de coisa inanimada, passasse a ter vida e saísse, por aí, como criaturas mágicas nos bosques das fábulas dos irmãos Grimm, a coisa, produto/trabalho/mercadoria, pulula, alegre e sorridente, e dança defronte ao homem e o desafia.
O Homem, estranhado de si porque não se reconhece na coisa/trabalho que produziu, o homem, se aliena. Se aliena porque, ao não se reconhecer na coisa/produto/trabalho que produziu, se objetiva e, ele próprio, se torna coisa no ato mesmo da coisa que produziu. Assim, desapossado, o homem se reduz, na sua alienação e, dessa maneira, só lhe resta, agora, não mais como o criador, mas transmutado na própria coisa/produto, só lhe resta sua força de trabalho.
Desapossado do produto do seu trabalho, como um estranho frente à coisa, transformada em mercadoria, só restou para homem, ele próprio, irreconhecível no produto do seu trabalho, sua força de trabalho. Ele, e sua força de trabalho, agora, são mercadorias. São coisas intercambiáveis, coisas/mercadorias dotadas de valor de uso e de troca, são entidades, quase divinas porque, assim como as entidades divinas, exercem fascínio. Fascínio que atiçam desejos, desejos quase libidinosos, tão impulsivos, como se não realizá-los, significasse o fracasso do macho alfa no harém de donzelas indefesas. São coisas/mercadorias dispostas ao capitalista, dispostas ao dono dos meios de produção que, sem nenhuma relação com o produto e o homem que produz, é apenas, e nada mais, o sanguessuga do Homem. Eu vos apresento o homem moderno. O homem fábrico, o homem vampiro.