Mulher Valente

Eis que tocou o sinal. Douta senhora, magnânima em sua reconhecida história de lutas, sem medir esforços, fê-la, admirada e respeitada. A despeito de, em contra posição a tudo que se dizia ser o papel destinado às mulheres, a coragem ser-lhe companheira. Em que braços, dentre tantos estendidos, sem palavras suplicantes, fez-se ela a guardiã de secretos segredos. E eis que, sob as mais desafiantes ofertas, todas, sem meias palavras, o contrário, todas chegavam diretas e a queima roupa. E ela, inquieta por criação, e, inquebrantável, por princípio, não cedeu.

Não era de ceder. Não barganhava, não negociava nenhuma de suas, já, conhecidas posições. Posições que, para alguns, avessos às convicções alicerçadas sobre sólidas bases, soavam desnecessárias e passíveis de flexibilização; não para ela. É verdade, tinha admiradores, mas, também, muitos desafetos. Aos primeiros, respondia, para, homenageá-los, com mais compromissos e irretocável dedicação. Aos detratores, - imiscuídos e sorrateiros, como ratos nos esgotos ou porcos chafurdando nos lixões - a defesa de suas convicções, lhes atingia como lança certeira. Dessa maneira, amada por uns, odiada, por outro tanto, a forte mulher, bravia como loba, se impunha sem armas, sem arrogância.

Dessa maneira, estranha para os machos que só sabem das armas e ofensas, era compreensível que a amável mulher lhes parecesse frágil. E ela, conhecedora da alma masculina - era a sexta, única mulher, numa família composta de cinco machos (referência ensinada pelo pai). Dessa maneira, o mundo masculino, reforçado e incentivado pela força física, não lhe soava novo, tampouco, intransponível. E ela, sabedora de suas convicções, adentrava naquele recinto – testesterônico, másculo e exagerado nos arroubos definidores da virilidade alfa. Sem embargos de suas opiniões, e sem nenhum sinal de receio ou medo; entrava. Todos os homens, nos primeiros dias, todos, oriundos de famílias seculares, olhavam-na com olhares desdenhosos, alguns, até, com certa repugnância. E ela, impassível e determinada ao que se propôs, sem ceder um nada de suas prerrogativas , fora eleita e honraria seus eleitores; sabia das dificuldades, sabia dos percalços, sabia das artimanhas que o novo campo de batalha se lhe apresentava; não retrocederia, não era de retroceder.

Tomada dessa certeza, e, exatamente, por isso, admirada e odiada, seus eleitores, ao contrário dos detratores, tinham por ela, sem exageros ou ufanismos descontrolados, verdadeira lealdade. Relação conquistada desde que, ainda uma jovem lutadora dos interesses coletivos, se postou defronte a um trator enviado para derrubar casas numa área disputada judicialmente. Esse fato, o mais lembrado, dentre outros relacionados às denuncias de abusos e violências dirigidas a comunidade, fez daquela moça, ainda se abrindo para o mundo, uma liderança respeitada.

Assim, como uma rara obra que se descobre, ao acaso, numa escavação secular, e que se sabe, um ambiente que predominava a vilania, a traição e a sorrateira presença dos oportunistas, aquele moça, muito jovem, se defrontou, ao ser eleita, com um mundo determinado pelo patriarcado. Um mundo onde o sexo feminino só tinha função reprodutora, ou, quando em eventos cerimoniosos, como acompanhante do viril e provedor marido, no papel da casta e recatada esposa. A jovem eleita sabia, embora jovem, não era inocente. Sabia que entrar naquele ambiente, mais que suas convicções, seria fundamental se impor e não se deixar emular por colocações indecorosas, que certamente viriam. Estava num mundo guiado por homens, educado por homens e para homens.

Dotada da coragem, como se brindada pelas bênçãos de Atena, a deusa guerreira e da sabedoria, a recém chegada naquele mundo, em tudo, para tudo e por tudo, construído sob medida e estruturado para prazeres imediatos, a recém eleita, no ato da posse, se fez ouvida. Todos, que ali estava, sem que alguém lhes dissesse, sabiam, os tempos seriam outros. Como um ser estranho, em terras estranhas, assim que se apresentou, teve sobre sua presença, olhares como que dirigidos a uma leprosa. A força de suas palavras lhes atingia como se Ártemis tivesse lançado suas flechas. Porém, sabedora que ali, e dali, não viriam gentilezas, ela, emulada na mais bela altivez, como, uma soberana, não por arrogância, mas por sua majestosa presença, todos, homens e suas mulheres, não conseguiam ignorar sua presença.

E eis que, de sobejo, sem se deixar-se encantar pelas doces palavras do Presidente da Casa Legislativa, a jovem moça, para alguns, acostumados aos arranjos institucionais, a jovem moça, tão logo o ano legislativo tivesse início, seria tragada, se não, engolida e regurgitada, como exemplo do que significa se contrapor aos seculares ditames da provincial e tradicional politica local, eis que, a jovem moça, se fez ouvida.

Fato é, quer gostem ou não, os livros trazem sua história. Os livros - ao contrário dos seus detratores que, como ratos que abandonam o ninho ao primeiro sinal de fogo, ou os porcos a chafurdarem nos lixões – relatam sua história como a história dos povos oprimidos.

Não se nega, porém, que ainda hoje, há um movimento que tenta, ao gosto dos derrotados, reescrever sua história como um tempo de trevas, de corrupção, de enganação. Porém, são tão beócios, tão néscios, que ignoram o velho ditado: se não pode com a formiga, não atiça o formigueiro.