A MORTE VIVA

A MORTE VIVA

Não sei de qual luz carecemos. A luz do sol quando bem posta faz sombra, mas essa penumbra desconhecida assola nossa vivência. Precisamos duma fonte para libertar o lado andrógino dos nossos sentimentos. Não será nem a lua nem o sol o satélite-guia das nossas intimidades. Privacidade é quando temos uma estrela para eclodir na hora em que quisermos ou será isso um luxo?

Apenas o meu coração é camaleão? O mundo visto com muitas vestes. Nunca vi um caixão para pôr um único órgão. A morte de uma criança é uma dor velha que não se conforma. Dessas que morrem com saúde. Só o pobre morre. A lista de famílias miseráveis é imedível. A cama mais pequenina. A fome toma o espaço - já dizia o poeta que barriga seca não dá sono.

Uma menina apresentou-se grávida. Mal tinha idade para ser filha e já estava prenha. Nascera escorregando pelo colo de sua mãe. E, mesmo assim, disseram que ao nascer não chorou; cantou. O seio cresceu junto ao receio.

Há milhões de anos nus eu possuía um certo pudor com o silêncio e hoje pareço sentir orgulho. Fui me vestindo com esses anos. Com o meu baço discordei do ódio alheio e com meus braços desabracei os amores que não tive. Meu maxilar foi travado porque não houve a sucção da minha boca no seio de minha mãe. Mas, o que realmente eu queria era amamentar-me de mim. Faço um esforço enorme para me alimentar e estou ainda sem saber se ir ao pote me dará enjoo ou mais sede. Luto contra meu luto de mim. A sina do mundo é ser violento e cego, mas para isso é necessário o desejo constante de esquecer. Fiz barcos sem velas. Tive monstros ocultos. Tenho cultos informais. Sem dormir, sonho; e sem sonhar, durmo. Todo esquecimento é morte.

Por que você nunca me enviou aquela carta?

- que é isto?

- isto o quê?

- Sou eu sem ti, senti, não senti sem ti

- ficaste mais belo no chão – alguém me disse...

Tombei com frutos o nó que sentia. Era o anúncio de uma semente, espero, esperança.

Peguei a estrada ondulada dos teus cachos e fui-me retratar com o horizonte. Era uma forma de te esquecer. Adeus, Dordalma.

O sol estava a um palmo do mar, fez poça d’ouro que veio se estender até a enseada. Espraio-me num montante de passado – vale relembrar? Círculos são figuras que me lembram o passado. Mais do que isto, é um retorno infindável. Preciso me enquadrar. Estou à beira da soleira do céu.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 02/06/2021
Código do texto: T7270015
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