Maria do Mercado
Do meu livro: Como morrem as Marias (no prelo)
No mercado municipal da cidade os perfumes da roça se misturam. O cheiro do alho amassado faz simbiose com o arroma de couro curtido dos chapeus de boiadeiro, a carne de sol pendurada no açougue azulejado se mistura ao peixe fresco, a cúrcuma, a noz moscada e o cheiro verde temperam o ar por onde paira a fragrância inconfundível de pequi.
Maria tem cheiro de cajá maduro. Sua banca está repleta de abóboras, lichias, couve-flor, abacate, melancia e outras delícias que ela planta, colhe e vende toda semana no mercadão da cidade.
A vida de Maria não tem sido fácil. O sol envelheceu precocemente a sua pele, a prole lhe requisitou um labor árduo, os meandros da vida lhe trouxeram a uma realidade difícil e pouco proveitosa. Mas ela sabe saborear as mangas de cada dia. Ela chupa a vida sentindo o caldo escorrendo até os cotovelos, e degusta o sabor amarelo de seus dias percebendo as moscas que lhe rodeiam querendo um pouco do seu banquete frugal.
E ela sorri com fiapos, fala entredentes, sorri amarelo e sem graça, mas não deixa de sorrir apesar de.
Maria é uma lutadora. Conhece a realidade boia-fria, memória-pouca, história-muita.
Ela topa fazer de tudo, não é mulher para perder a dignidade, independente de qual for o serviço, ela faz como se fosse a última tarefa do mundo, como se não houvesse outro jeito, como se seu leque estivesse sempre fechado para o calor senegalês que lhe queima a cuca.
Não se enxerga em outra coisa senão no mercado todo sábado. O sábado é, para ela, a oportunidade de ser leve, é como o shopping do rico, a disneylândia do milionário. No mercado ela só quer ser empresária, vender suas cebolas e sorrir amarelo-manga a toda a gente.
Domingo é dia de missa, lá mesmo na comunidade. É dia bom também, mas nenhum dia é como o sétimo! O dia do Senhor! O dia do descanso que para ela é dia de se divertir vendendo o que seus dedos semearam.
Maria se regozija com o pouco, com o que ganha, com o que consegue vender. E de tanto distribuir sorrisos captura para si as melhores energias do lugar. Ela é uma poesia rústica e nobre. É um lamento que não se queixa, não se quebra, nem se dobra.
Mas quando chega o dia de morrer, ela sofre. Não queria sair de cena assim tão brevemente, sente que não era hora, não na sexta-feira, antes da feira, antes do sorriso amarelo, antes de chupar a manga das horas. Enquanto colhe as hortaliças é transpassada pela dor injusta que fere os justos. Seu coração era tão grande que explodiu em seu peito.
Amanhã a banca de Maria estará vazia da poesia tanta de seus legumes coloridos, de sua vida amarelo-manga, de seu sorriso que capturava energias positivas.