VESTÍGIOS

Você me segura, se eu tropeçar? Segura-me em seus braços quando eu estiver cansado? Só quero uma garantia. Preciso disso para continuar. Não sou tão forte quanto pensam. Sou, na verdade, um fraco. Tenho chorado muito ultimamente. Olhando pelo vidro da janela, a chuva em seu começo, lembro-me palavras suas, palavras nossas, quando ficávamos horas abraçados no sofá, olhando uma chuva parecida com esta. Eu te amava tanto, mas nunca disse com palavras, talvez nem com gestos ou atitudes. Sou um pobre menino pensando em você que foi embora e nunca mais deu notícia. Notícia ou notícias? Tanto faz, só queria saber alguma coisa de você. Consulto o celular a todo momento, na inútil busca por uma mensagem sua, qualquer coisa, mesmo sem sentimento. Alguém, por favor, me salva. O prédio é tão alto e eu estou num dos últimos andares, não sei exatamente a altura, mas sei que uma queda daqui não deixaria muita coisa para aproveitar. O pensamento é sombrio, mas é tão verdadeiro quanto qualquer outra ideia que eu já tive. Quero uma única coisa, caso não a tenha, farei o necessário para esquecer. É o meu jeito de fugir, não consigo pensar em outra coisa. Vocês já viram o tamanho do horizonte? Não poderíamos mensurar, caso tentássemos. Aliás, o horizonte não existe de fato. Você também não existe, é apenas uma invenção minha. A pior de todas. Nunca me senti tão perdido. Nem tão só. Nunca me vi tão abandonado. Se alguém me procura e não é você, não é ninguém. Você me segura se eu tropeçar? Se eu me esborrachar no meio da calçada? Quanta falta vai sentir de mim, caso sinta? Não faz sentido o meu pensamento, nenhum pensamento faz sentido. Ninguém é bom o suficiente nesse jogo do amor. Você me ligaria se soubesse meu número de telefone? Quando nos conhecemos você ainda não tinha a idade certa, era jovem demais. Quando você partiu já sabia de tudo, sabia até mais do que eu mesmo. Sabia governar seu próprio mundo. Sabia iluminar as ruas quando passava por elas durante a madrugada. Antes de te conhecer eu tinha tudo, tinha o mundo em minhas mãos, mas o que eu tinha de mais importante era a liberdade de não pensar muito numa mesma coisa. Hoje só penso em você e é o evento mais cansativo que existe. Pensar o tempo todo numa pessoa que está ninguém sabe onde. Dei uma olhada pelo quarto e percebi que todos os vestígios se mantêm. Peças de roupa, resto de perfume, uma escova de dentes, um batom esquecido onde eu possa ver a todo momento e cacos de lembranças aqui e ali, à vista o tempo todo. Culpa minha, sei. Já deveria ter guardado tudo ou jogado fora, doado o que pudesse e queimado o que não. Talvez com tudo aqui, perto dos meus olhos, eu possa reconstruir o passado e trazê-lo ao futuro, torná-lo real novamente. É o meu plano agora. Praticamente impossível.

João Barros
Enviado por João Barros em 29/05/2021
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