Amores

Emergem como ser submarino que em densas profundidades se encontram. São os amores.

A tendência é que não tratem a si mesmos por este nome. Quem os trata assim sou eu, o receptor.

Porque de início eu os identifico lindos, emoldurados em fino ornamento de marfim associado com ouro e cravejado de diamantes. Ao fim, a identificação de beleza de minha parte segue intacta, todavia, percebe-os arredios, revoltos, revolucionários dentro da cidade linda que construí e propus morada.

Eu propus moradia a todos eles, mas não quiseram.

Não quiseram na medida que exigiam de mim a exclusividade. O combinado não sai caro. O contrato assinado cumprido deve ser. Digo que a exclusividade é laço que meu corpo não se adapta. Esses amores consentem, dizendo que tudo bem. Que respeitado serei, conquanto eu permaneça firme, disposto ali com eles.

O tempo é um contínuo e aberto desenho fabricado por um hábil e distinto artista. Por ser um desenho contínuo e aberto, o caráter das formas que são por este desenhista concebido é absolutamente cambiante, porque um desenho se entrelaça e se sobrepõe seguidamente no outro, fazendo vir à luz às vezes o angélico, às vezes o bestial.

As formas iniciais dos amores são agradáveis. Sim! Tudo é agradabilíssimo porque há doação da parte deles, não se importando com o contrato firmado.

Com o desenvolvimento dos fatos, há uma inclinação em romper com o combinado. As estruturas sólidas que produzi em meu ateliê, destinadas a suportar com firmeza e cuidado esta fina peça - o amor - são chacoalhadas por esses amores que não se conformam com as estruturas que com esmero fabriquei. Exigem outras. Aquelas novas não previstas em contrato, não previstas em nosso combinado. Digo que não.

Ser submarino que se encontra na superfície se agita, debate-se portanto. É água e gritos para tudo quanto é lado! São reclamações, jogos no sentido de ferir e impor-se, manhas e falsas ações. Nessas ocasiões, muitos se perdem. Eu? Vacilo um pouco... tenho a face e roupas molhadas pelas suas agitações no mar límpido e cristalino o qual esses amores emergiram e agora, zangam-se.

Os amores são seres marinhos sazonais. Fenômenos que se mostram na superfície de meu Atlântico, ou melhor, de meu Pacífico, mas que sei passageiros.

Porque não é da natureza desses seres o navegar tranquilo para sempre nas profundidades rasas de minha lagoa... não, definitivamente. Ao fim e ao cabo, redundam à vasta profundidade de suas vidas complexas, a fim de se reinstalarem naquela paisagem marinha de algas e corais familiares.

A fim de esquecerem uma vida de superfície vivida próxima à faixa de areia da praia bonita e ensolarada que brota de meu peito.