CANÁRIO MORTO

Emudeceste para sempre. Cristalizou-se na tua garganta, no ultimo

hausto de agonia, o trino mais lindo, o canto mais belo, a queixa mais

dorida. Deixaste, como herança, o silêncio que doi e se alonga sem

remédio. Tua alma alada, presa na gaiola, onde aos teus sonhos de

infinito se desvaneciam, diluidos em sons e amavios da tua arte, voa

agora, cega de azul, bêbeda de vento...

A morte deu-te a liberdade que enchia de miragens, inquietudes e

anseios a tua vida. Mas deixaste o teu corpo ressequido, recoberto de

plumas macias e douradas...

Vendo-te, sinto a tristeza imensa que envolve as coisas que deixaram

de existir.

Teu bico côr-de-rosa, que se entreabe sôfrego, para espalhar as

melodias quentes do teu canto, jaz fechado e mudo...

Sinto-me adejando ao redor do pequeno mundo que foi teu, sofrendo

a saudade das vozes que te falaram, das mãos que te cuidaram, da

água que corria das folhagens que adornavam o cantinho do muro

em que vivias. Tua alma, cândida e pura, amava os teus verdugos.

Não conhecias o ódio a ingratidão e a vingança. Possuias a beleza

do sorriso das crianças, a mansidão das ovelhas apacentadas, as

côres do arco-iris e a alegria das manhãs de sol.

Eras artista, músico e poeta.