SER OUTROS PARA SER

SER OUTROS PARA SER

Quando se integra à solidão o que há de ser realizado passa a ter sentido. Procuremos dentro de nós a luz que nos guie para que o começo seja mais do que uma moeda de troca em busca da justiça. Não cabe a nós buscá-la, porque ela vem quando menos se espera. Eu não quero censurar quem tanto almeja sair da prisão de suas tarefas para se recompor com algo efêmero. Se o corpo é prisão, a alma se confina, mas com frequência liberta-se das amarras por meio da poesia.

É a inquietude, o desconforto, que me movem. A maior fragrância que dissolve o meu estacionamento é o fato de querer sempre mais, porque não sou perfeito, estou sendo feito e eu penso; atravesso este deserto sendo ilimitadamente eu, mas inimaginavelmente outros. Estar em harmonia consiste em ter esses muitos outros em sintonia.

Coabita em mim a carência do outro e a ausência de mim. Por rejeição ou escolha velo a solidão expondo-me à força e à palavra. Em porões caço a profundidade tal como a luz numa escuridão. Há uma fresta. É uma festa. E só me resta aproveitar esse momento de aparente renúncia para beber esta solução pessoal. É um sacrifício regado a sangue.

Não é por duas pessoas estarem juntas que estarão acompanhadas. Uma delas pode ser a marionete cujo controle esteja sob as mãos daquele que rouba sua subjetividade, governando-a, sequestrando-a e fazendo-a perder seus horizontes. Seu barco naufraga e o controlado se afoga no anonimato. Desconhecido de si mesmo, estranha qualquer caminho. Sua bússola interior está quebrada. Não se pertenceu e não sabe a quem seguir.

Talvez seja a sina do poeta caminhar contra si, contornando seus contrários, sendo seu fardo e seu alívio, ser ambíguo, múltiplo, mas sempre se esforçando para alcançar a universalidade e a unicidade. Dentro de uma moldura está a “insustentável leveza de ser”. É um estranho no ninho que choca um ovo que não sabe qual tipo de criatura foi gerada. Tudo é sumamente diferente. Tudo é metáfora, abstração e retração.

Seres de muitas personas, os poetas retiram uma máscara a cada poema e num dia, sem rosto, saberão que suas carnes feneceram, seus ossos se fragilizaram, mas seu verbo está aos quatro ventos, em tempestades ou em calmarias.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 27/05/2021
Código do texto: T7265314
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