A QUIMERA DOS ANJOS

A QUIMERA DOS ANJOS

Abrir um sorriso para morrer é contraditório a quê? A quem? Nascemos chorando. Ninguém estará mais à espera de um parto, talvez de um partir e, provavelmente, a espera maior será a minha. Ninguém passa pela vida sem desejar a morte. Ninguém chega à morte sem querer a vida – por mais que tenha dor. O sofrimento é a purgação de toda alegria. A espera dói e opera. Faz uma ópera desconsertada. O renascimento ocorre no agora. Uma descrente me fez crer melhor. Sendo retratado noutras pessoas enquanto procurava por minha imagem. Dou um Deus por outro. Essa concepção de um Deus que mata é assassina. Olhos nus. Atadas mãos.

Perdi o romance para a pragmática. Necessito da prática mais que da paixão. Nos dias desapaixonados eu vivia mais seco. Agora, me afogo – hei de aprender a nadar. Sou além do que vejo. Somos. Sinto sua falta mesmo estando contigo. Sinto um vazio no momento em que mais deveria me sentir pleno. Disseram-me ser a finitude. A sensação de passagem. As ficções têm um valor maior que a realidade. Mas, a realidade não é relativa?

O cair da tarde é mais real que o cair nos seus braços. Esses “caíres” juntos são a própria realização. Quanto vale a manhã de um coração que mais apanha do que bate? Sou das sombras e elas só existem onde houver luz. Eu já escarrei em bocas que beijei. Apedrejei mãos que me afagaram. Ressuscitei quimeras. Dormi com a ingratidão e acordei com um morcego. Consciente das minhas mazelas, fui só eu. Sou a fera que riscou os fósforos da petulância. Cuspo no meu sexo. O que resta de mim é um eu. Quis ser a gênese das coisas; atingi a unicidade. O singular é tão forte quanto o plural, pois aquele se encontra condensado.

A agonia augusta tomou conta de mim. Cuidou e apossou. Tornou-se poça. “Quem foi que viu a minha dor chorando?” Profundissimamente hipocondríaco, prostrei-me diante do tamarindo. Relógios apareceram por toda parte para anunciar o meu desnascimento.

Fugi do Lyceu. Fui ao Rio. Busquei Minas. Paraíba não me quis. Tive o Direito de ser um esqueleto vivo. Professei a língua dos anjos. Minha mágoa é científica. Pratico o reconhecimento diário da minha face plácida que seduz o verme da mais densa terra. O “Eu” se estabeleceu porque, na verdade, constitui-se de um nós fortissimamente marcado. O “Eu” é o eco de nós. Todos serão a putrefata carne um dia. Desejo de deglutir, mastigar, devorar, ingerir, sorver até não sobrar um único átomo. Que fique o fato. De que...

Pneumologicamente me abortei. Ser resto de si mesmo dói tanto quanto ser parido em posição horizontal. Perdi o norte, ganhei o sudeste, abandonei o nordeste. E, embora nada me reste, sou um poeta que veste os ossos de um verme. A morte é uma obra-prima. E eu? Uma família póstuma. Gozo o cosmo. O amor eclodiu na sua precariedade. Digo adeus.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 26/05/2021
Código do texto: T7264469
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