conversa consigo mesmo

P.I: — Acho que você ainda tem problemas com aceitação, você disse pra ele que não, mas reparou o quanto você hesitou?

E.C: — Talvez. Não consigo mais saber o que estou sentindo.

P.I: — E alguma vez soube?

E.C: — Não sei, talvez esteja olhando pro passado de forma abstrata, aquela velha síndrome de "eu era feliz e não sabia", mas como posso ter sido feliz se não sabia?

P.I: — Exato, não valorizava aquelas coisas na época.

E.C: — Não.

P.I: — Então precisa mesmo mentir?

E.C: — Eu não sei, preciso?

P.I: — Liberdade é não precisar mentir, foi você quem disse.

E.C: — Eu disse muitas coisas...

P.I: — Não dizer tudo que pensa, mas pensar tudo que diz.

E.C: — É a minha lei.

P.I: — E o acontece quando você comete um crime contra sua própria constituição?

E.C: — Pena de morte, não está vendo?

P.I: — É justo.

E.C: — É justo!

[silêncio e olhar cabisbaixo.]

P.I: — Você deveria ter notado, ignorou os sinais, sabe onde isso leva e me prometeu que não deixaria acontecer de novo!

E.C: — Eu não vou deixar, cala boca, eu estou pensando.

P.I: — Pensa em voz alta.

E.C: — É que... E se é só aquele medo? Aquela sensação constante de que absolutamente todo mundo quer me machucar. Sabe, eu ainda sinto aquilo.

P.I: — Bom, desse jeito não vamos sair do lugar, somos duas forças equivalentes empurrando um objeto central em direções opostas.

E.C: — Estática.

P.I: — É, mas, você não deveria confiar no que está sentindo?

E.C: — Deveria mesmo? Em quantos medos eu teria confiado?

P.I: — Bom, mas pera lá, assim você esta colocado tudo numa caixa, as coisas são subjetivas, nunca binárias.

E.C: — Então como eu sei o que fazer? Como estabeleço um norte? Como prescrevo minhas leis? Não tenho no que acreditar e nenhuma certeza sequer.

P.I: — Pra que você quer certezas?

E.C: — Bom, eu não disse que quero...

P.I: — Então?

E.C: — [suspiro demorado seguido de silêncio.]

P.I: — Estática.

E.C: — Estática...

E.C: — Será que eu não estou comprimindo sentimentos até eles ficarem indistinguíveis?

P.I: —Pode ser, mas aí, tem sempre aquela sensação de estar falando de mais.

E.C: — Talvez falando de mais sobre as coisas erradas. De coisas maiores que minha existência, coisas que não são palpáveis. Talvez devesse falar mais de banalidades, talvez devesse ter os pés no chão.

P.I: —Tem certeza ? Lembre-se: Os outros são o inferno. Esta pensando em abrir mão de partes da tua essência por eles?

E.C: — [olhar reflexivo seguido de silêncio.] Mas o sentido da vida não é a conexão com os outros?

P.I: — E por acaso conexão envolve diminuir a si mesma pra caber em expectativas alheias? Além disso, liberdade é o sentido da vida também, desde quando há liberdade em se adequar pra conseguir amor? E que amor mais medíocre é esse que ama uma versão tão reduzida de você?

E.C: — Então eu continuo e apenas espero aquele que vai compreender e me amar exatamente pelo que sou?

P.I: — Não espera porra nenhuma, assim você vai acabar fazendo isso não por si mesma, mas pela espera de alguém que talvez jamais venha.

E.C: — Talvez jamais venha?

P.I: — É.

E.C: — Eu sinto que tem uma coisa que todos os outros não contam pra mim.

P.I: — O que?

E.C: — Bom, eu não sei. Penso que quero toda a verdade, mas quero mesmo? Ou isso é apenas o que todos nós dizemos?

P.I: — Você quer, mas a pergunta é, você suporta?

E.C: — Quero suportar.

P.I: — Mas suporta?

E.C: — E não quero que ninguém me poupe de sentir dor.

P.I: — Então é isso.

E.C: — É isso.

E.C: — Olha eu me lembrei!

P.I: — [Sorriso de canto.]

E.C: — Lembrei de um pouco do que desaprendi depois daquilo. Como uma criança que tem uma grande descoberta óbvia. Como recuperar a memória aos poucos de uma amnésia.

P.I: —Encontrou respostas?

E.C: — Não.

[conversa consigo mesmo].

Lilith_
Enviado por Lilith_ em 23/05/2021
Código do texto: T7262566
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