A velha morta e má

As velhas endinheiradas orbitavam sobre o corpo da irmã menos nutrida.

Seus óculos escuros omitiam as geleiras quase tão pálidas quanto a própria morta, quase tão frios quanto a sua pele.

Sobre a desgastada massa amorfa ainda pairavam as sutis emanações de sua aura de inclemente árbitra e cruel anfitriã dos impudicos todos que a cercaram em vida.

O banquete frígido e falso era servido a expectadores igualmente distanciados pela negligência e indiferença.

A morta poderia levantar-se e protestar em defesa própria, reivindicando algum amor, alguma afeição, mas petrificada pelo próprio pecado não era capaz de emitir palavra alguma que lhe justificasse as crueldades e asperezas que a indignificavam a história.

As irmãs, embora preparadas, não conseguiam chorar, falseavam na superfície da aparência sentida e dolorida, enquanto no âmago eram alívio e festejo.

A mulher, moralista e má, não deixava haveres, nem deveres, nem trabalhos, nem indulgência. Partia na indigência completa dos anônimos que só se celebram por dever e compaixão, sem pranto nem saudade.

Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 13/05/2021
Código do texto: T7254918
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