FILHO DO ACASO (13 de maio)
Eu sou filho do acaso
No caso, nem sei quem sou
Tenho apenas quinze anos
Talvez nasci por engano
Sem figura de pai ou de avô
Desde muito pequeno ouvia
És livre, a Isabel te libertou.
Por que não tenho lágrima, doutor?
Minha lágrima é rio assoreado
De tanto sofrimento secou.
A culpa é minha? Como Assim?
Foi eu quem errou?
Seus discursos reticentes
Diz que gosta da gente
Gente da minha cor,
Mas esse papo furado, doutor,
Esse nunca me enganou.
Todos são iguais perante a lei,
Sim, tá bom, sei!
Se a lei não tivesse cor
Se a lei não tivesse um valor.
Ah, não me tire para otário!
O valor que falo não é de ética e moral
Falo de valor monetário.
A tal princesa me libertou
Da fétida e horrível senzala
Aqueles gritos de dor
Ecoam aqui nessa sala
Também nos meus pesadelos
A tantas da madrugada.
E ainda me chama de covarde?
Covardia, senhor, covardia
Foi a falta de oportunidade
A única que a nós sobrou.
E esse papo furado
Pare, a mim já deu!
Os discursos na televisão
De que o Brasil ama os seus.
Amor! Que palavra mais sem nexo
Se nesse amor não sou nem anexo.
A dor da fome me fez forte
A dança com a morte me “salvou”
Criou esse mostro terrível
Que você afirma que sou.
E o Estado desde cedo
Que deveria me proteger
Me apontou na cara o dedo
E sem dó me condenou.
Preto malandro,
Preto vagabundo,
Já tem cara de ladrão
Assim o Estado me taxou.
Sem casa e sem comida
O que fazia você na vida
Se estivesse em meu lugar?
Sem escola e sem esperança
Era morrer ou matar.
Eu era criança, doutor!
E onde o senhor estava?
No domingo indo à igreja
E na segunda, bem,
Assediando a empregada
A preta que lhe fazia tudo
Mas respeito seu, bem, nada!
E aquele papo furado
De homem honrado de família
Para enganar sua mulher
A sociedade e sua filha
Mas a mim nunca engava.
E pare já com esse discurso!
A algema me dói os pulsos
Dê logo essa “marretada”
Já estou acostumado
Desde criança algemado
Eu já nasci condenado
Pare com essa palhaçada!
Liberdade? Fim da escravidão?
Aqui no Brasil? Aqui não!
Da mesma forma cruel
Que assina esse papel
Fez a princesa Isabel
Com o ar de liberdade,
Eu já não aguento mais
Ponha-me atrás das grades
Liberdade aqui é discurso
Hipocrisia, falácia, falsidade.
JOEL MARINHO
Eu sou filho do acaso
No caso, nem sei quem sou
Tenho apenas quinze anos
Talvez nasci por engano
Sem figura de pai ou de avô
Desde muito pequeno ouvia
És livre, a Isabel te libertou.
Por que não tenho lágrima, doutor?
Minha lágrima é rio assoreado
De tanto sofrimento secou.
A culpa é minha? Como Assim?
Foi eu quem errou?
Seus discursos reticentes
Diz que gosta da gente
Gente da minha cor,
Mas esse papo furado, doutor,
Esse nunca me enganou.
Todos são iguais perante a lei,
Sim, tá bom, sei!
Se a lei não tivesse cor
Se a lei não tivesse um valor.
Ah, não me tire para otário!
O valor que falo não é de ética e moral
Falo de valor monetário.
A tal princesa me libertou
Da fétida e horrível senzala
Aqueles gritos de dor
Ecoam aqui nessa sala
Também nos meus pesadelos
A tantas da madrugada.
E ainda me chama de covarde?
Covardia, senhor, covardia
Foi a falta de oportunidade
A única que a nós sobrou.
E esse papo furado
Pare, a mim já deu!
Os discursos na televisão
De que o Brasil ama os seus.
Amor! Que palavra mais sem nexo
Se nesse amor não sou nem anexo.
A dor da fome me fez forte
A dança com a morte me “salvou”
Criou esse mostro terrível
Que você afirma que sou.
E o Estado desde cedo
Que deveria me proteger
Me apontou na cara o dedo
E sem dó me condenou.
Preto malandro,
Preto vagabundo,
Já tem cara de ladrão
Assim o Estado me taxou.
Sem casa e sem comida
O que fazia você na vida
Se estivesse em meu lugar?
Sem escola e sem esperança
Era morrer ou matar.
Eu era criança, doutor!
E onde o senhor estava?
No domingo indo à igreja
E na segunda, bem,
Assediando a empregada
A preta que lhe fazia tudo
Mas respeito seu, bem, nada!
E aquele papo furado
De homem honrado de família
Para enganar sua mulher
A sociedade e sua filha
Mas a mim nunca engava.
E pare já com esse discurso!
A algema me dói os pulsos
Dê logo essa “marretada”
Já estou acostumado
Desde criança algemado
Eu já nasci condenado
Pare com essa palhaçada!
Liberdade? Fim da escravidão?
Aqui no Brasil? Aqui não!
Da mesma forma cruel
Que assina esse papel
Fez a princesa Isabel
Com o ar de liberdade,
Eu já não aguento mais
Ponha-me atrás das grades
Liberdade aqui é discurso
Hipocrisia, falácia, falsidade.
JOEL MARINHO