depois de hoje, amanhã

Em que pese o que pensam sobre o que se tornou público, nada se dirá, apenas, se deixará que flua como tem que ser. Dita essas palavras, palavras que, por muito tempo, se quis silenciada, nada mais se disse. Com tamanha autoridade, e respeitado por sua lucidez, não havia quem não considerasse o que de sua boca saia. Detentor de um patrimônio construído por anos a fio, e sem negociar princípios, não havia, mesmo entre seus adversários, quem não respeitasse suas intervenções. Assim, por muitos anos se sucedeu. Todavia, se há quem admire e respeite pessoas de princípios, existe também os devastadores de reputação alheia. E com ele não foi diferente. Estampou-se em jornais e revistas longas manchetes em letras garrafais, sem se aterem às necessidades de comprovações do que alegavam. Estava claro: era preciso destruir aquela imagem. Era fundamental que se elaborasse longas reportagens, cujas fontes - se é que haviam - diziam terem participado disso ou daquilo. Porém, quando desafiado a comprovar o que alegava, se esquivava com a velha desculpa da "proteção" da fonte. Todavia, o que se buscava não era a intimidação da fonte. O que se desejava era desmentir falsidades com a intenção de assassinar reputações.

Como num campeonato de quem consegue, primeiro, destruir aquela pessoa, não passava dia, semana ou mês, sem uma "matéria especial". A construção da narrativa, efetivada, e com certo sucesso, na chamada mídia de massa, se constituia de verdadeiro enredo cinematográfico. Porém, ao contrário de uma comédia, os autores - dignos de Óscar - elaboravam verdadeiras histórias de terror, que deixavam Murnau, e seu Nosferatu, com jeito de filme infantil. E assim caminhavam a narrativa, o excesso de machetes, os comentaristas, os "especialistas", enfim, para cada público e horário, um formato, um jeito próprio de apresentar o prato do dia.

E para deleite e degustação geral, a sobremesa, preparada com o mesmo esmero com que um chef prepara seu prato de sucesso, a semana fechava com um resumão acrescido de "novos" fatos. Não será exagero dizer que a Famiglia, - composta toda ela sob os preceitos da tradicional família brasileira, seja lá o que isso significa - era "informada" do mais puro jornalismo. Todavia, e sem adentrar no campo da moral, o que se observava era um pré condicionamento estimulado por bombardeamentos frenéticos de imagens. Nesse sentido, cada um que se deixava condicionar, como no experimento de Pavlov, respondia de maneira esperada sem refletir nas ações que tomavam. Verdadeiros robôs. Atomizados, e sem qualquer possibilidade de senso crítico, saiam às ruas como verdadeiras hordas romanas prontas a atacarem quem discordasse ou tivesse opinião dissonante da defendida pela matilha.

E a matilha, unida e com desejo descontrolado por sangue, como um exército que ataca um vilarejo indefeso, ataca mesmo quem passa ao largo da avenida. Ninguém está salvo quando, insandecida e sedenta de plenos poderes de vida ou morte, a matilha, unísona nos seus uivos aterrorizantes, avança. Eis o quadro, o filme, o espetáculo construído com enredo pré concebido. Para se chegar nesse triste retrato do que o ser humano é capaz, basta, com precisão cirúrgica, e previsão pavloviana, ofertar o ingrediente correto e na proporção exata. Depois, bem, depois, é só abrir o champagne, acender o charuto e observar. O resto, o próprio desenrolar se encarrega de conduzir a urbe. A urbe, cega e obediente, sem se permitir ouvir a fala do Outro, ela própria, como em tempos recentes, colocará no trono o rei, o homem que, em nome de Deus, desferirá o golpe fatal.

Todavia, refém da cegueira com que se quis conduzir, - como o gado que vai ao matadouro atrás do som do berrante - ela também não se salvará. E ja sem forças para resistir, como o cordeiro pronto para o sacrifício, e sem ter a quem culpar pelo próprio fim, a urbe, num sentimento de abandono e orfã do Pai que lhe nega perdão, tenderá a esconder-se no sotão de sua alma culpada. Será seu fim. Será sua via crucis. Cerregará a cruz que ajudou a forjar.

Do outro lado da rua, como quem semeou flores e tem o jardim, a multidão, colorida e alegre, forte e sabença da justa medida do que é viver entre irmãos, cantará e dançará por toda noite. E recebendo o sol que nasce, brindará alegre. E eles? Eles, mofarão no sotão de suas almas culpadas e seus sorrisos podres.