NEGROS E OS VENTOS DO PODER

Conversa comigo a Poesia, dama solitária de vestes rotas.

Por estas plagas dos torrões do Sul, no forasteiro recém–chegado permanecem as pálpebras suarentas de pó e o ancestral açorita. Este, o de além-mar, dorme eternamente no revolto das entranhas desta nesga de terra lavrada margeando a Lagoa dos Patos, onde sumiram um dia – faz muito tempo –, a prosperidade agrícola e a riqueza do sebo e do charque. Tudo culpa dos ventos do poder épico.

Olha-me com olhar esbugalhado uma grossa argola de ferro. Faz duzentos anos que ela está ali, presa no tronco de uma figueira. Talvez seja o eco lancinante dos gritos dos escravos este zumbido que paira no ar. Um látego perpétuo gemendo nunca mais. Que existem somas de ais, de dolorosos gemidos em cada tesoura, em cada oitão de casa antiga.

A fada-madrinha sabe que é urgente a ternura para todos os irmãos.

– Do livro CONFESSIONARIO / EU MENINO GRANDE. Porto Alegre: Alcance, 2008, p.303:4.

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