Beira de riacho
Pedras afundadas de saudades calçam o leito do riacho. Parece que o tempo as coleciona em vitrais líquidos, só para adoração de reflexos de nuvens e luares. Lindas são as canções que descem em mansidão sobre elas. Na margem, sou andante que senta para descansar e molhar os pés. Pego um poema que a folha seca recita para o galho vestido de solidão... Uma parte dele toca a água. Parece também lavar as mágoas, encharcado de cansaço, na curvatura.
Vida é rio corrente pelas incertezas do tempo. Segue viagem pelas doçuras, indo desaguar nas salinidades, adiante. Mas nunca deixa de ser rio. Apenas adentra e mistura-se às diferenças, têm-se outras emoções.
A tarde vai sendo tarde, até onde a noite a enforca, num crime premeditado, usando nós de escuro que apertam amarras de crepúsculo em seu pescoço. Não há punições, porque os despertares contam de renascimentos todas as manhãs, e o ribeirão parece enamorar-se desse momento, conduzindo suas paixões pelas sinuosidades, em silêncio. Então pego outro poema, do outro lado da margem, num risco amarelado de ouro em luz, se consumindo no capim verde, na fuga do sol pelos píncaros distantes.
De mudez, os limos apenas existem na beira dos barrancos, e deixam o amor das águas acariciando-os, despudoradamente. Despeço-me do regato que me diz de serenidades. No céu já desponta um luar, um tanto cheio de nudez, tão lindo e sensual quanto a mulher amada.