CAPIM CONTAS DE LÁGRIMAS

Essas folhas parecem capim, planta ordinária sem graça comum em toda parte. E é mesmo capim, ordinário e sem graça não fossem as contas de lágrimas que pendem de suas folhas finas em pendão quando crescem. As contas nas sementes agora invisíveis não choram, é preciso contar uma por uma para que a lágrima surja entre os dedos. Os antigos inventaram tudo que sei, devo quem sou a quem veio antes, e sou grato especialmente quando meu pensamento estanca e não consigo chorar uma frase ordenando minhas palavras. Contas de lágrimas é rosário de reclamações em silêncio de oração. É certo que haveria em outras mãos rosários feitos de madrepérolas sofisticadas unidas por fios de ouro, mas as contas da minha avó eram de lágrimas do capim do quintal, seus rosários ficavam pendurados na cabeceira da cama. Contar isso parece que faz tempo, que essas coisas não fazem mais sentido porque somos tão modernos e felizes morando em cidades modernas e felizes sem quintais para contas de lágrimas. A fábrica de fazer moda escolhe o que os jardins devem esquecer. Mas eu insisto, sou desses para quem o ordinário comum sem graça agrada; e quando posso, ou consigo derramar, conto cada lágrima nascida no meu quintal.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 04/05/2021
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