Borboletou com a Asa Dura 20

Borboletou com a Asa Dura 20

Estar no vestidinho branco, com o babado sobreposto, que era como um pequeno franzido envolta da cintura, amarrado pelo laço na parte de trás, encomendada a feitura pela costureira da família. A meia fumê, com o bordado nas laterais, e suas pedrarias, e o sapato de salto novo comprado na cidade maior.

O cabelo, havia alisado com ferro elétrico, auxiliada pela irmã mais velha, estava solto, alongado até a cintura.

Estava pronta. Aos doze anos iria assistir à festa do batismo na Igreja.

Não! Pensava, agora não! Sou muito nova! Mas no coração, queria lavar a alma! Estaria formosa no ritual que garantiria às Almas para que fizessem a escolha, após serem imergidas nas águas, batizadas pelo que presidia, realizando Em nome de Jesus Cristo, do Pai, do Filho, e do Espírito santo, emergindo renascidas, passando ser cidadãs candidatas ao Reino dos céus.

Iniciado o culto, os hinos, a formalidade do rito do batismo sendo seguido.

A palavra. Na leitura bíblica e na explicação pelo que presidia, o coração foi desmanchando em vontade.

Queria, iria ou não se batizar?! O convite era desafiador! Mesmo não compreendendo o ato, o significado entranhável e fecundo da iniciação, que somente vem através da compreensão plena, como requisito para o passo da conversão espiritual, escolheu ser batizada.

Passando pelas águas, estaria livre do fogo eterno, do inferno pós morte, livre do mundo, corruptível e contaminável, quando partisse desta para outra vida. SE FOSSE FIEL ATÉ A MORTE, recebendo a coroa da vida eterna!

Quando o que presidia foi para o interior da Igreja se trocar para entrar nas águas, com a roupa específica, como que anjos e arcanjos assoviassem aos ouvidos da menina-moça. Sentia ao chamado para a busca do passaporte.

Naqueles instantes, não sentia arrependimento, não havia o que se arrepender, era uma menina-moça, mesmo dito que era para ser liberta do pecado original.

O que tinha vivido? A não se brinquedos, bola, pique esconde, subir em árvore, e corre corre. Que compreensão tinha do erro? De alma? De certo e errado? De perdão? De reconciliação interior? Autoaceitação como filha de Deus, para o primeiro passo do batismo nas águas? Amor próprio? Em Deus? Ao próximo?Queria somente, e desesperadamente, ver-se livre da condenação eterna no fogo do inferno.

Dirigiu-se com as pernas trêmulas ao vestiário, tinha pouco mais de doze anos, o coração fervia, parecia que se dirigia para as portas da solução para suas incompletudes e inseguranças no mundo. Tornaria-se, definitivamente livre da condenação eterna, limpa dos pecados(quais?), livre da corrupção do mundo.

Era uma menina de doze anos, que vivia a jogar as tranças, betes e vôlei com as amizades, sonhando com a possibilidade de conhecer o primeiro namorado, sentindo o inflamar dos hormônios no início da puberdade, como qualquer adolescente da fase que estava iniciando.

Vítima da fragmentação, do lidar com o preconceito consigo mesma e com o mundo, e da comunidade com ela.

Acostumou ouvir os xingamentos dos amiguinhos na escola e na rua em meio às brigas: Crentinha, negrinha, crente do... quente, e coisa e tal.

Com o pensamento dividido, partindo o mundo em dois grupos, aqueles que eram do mesmo grupo a que pertencia, os eleitos para viver o Reino Celestial, e os demais, que eram do outra religião.

O sentimento angustiante de todas estas verdades vazias de sentido, e a possibilidade cruel dos amigos de outras religiões não participarem do mesmo céu que ela no futuro. Aquela que sonhava viver, pisava sobre ovos.

Quando os passos foram dirigidos para o vestiário, sentia que levitava, o coração ardia, estava prestes a fazer a escolha definitiva.

Uma vez trocada de roupa, desceu nas águas do tanque preparado para o batismo. O ancião auxiliou-a até ficar próxima a si, andando dentro da água. Quase que não conseguia sentir o chão, a água atingia um pouco acima da cintura. Ficando de frente para o que presidia, uniu as duas mãos em frente ao rosto, em sinal de prece, fechando os olhos. O ancião segurou suas duas mãos, dizendo as palavras sacras:

“Irmã, em nome de Jesus Cristo,Te batizo, em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo”

Logo após, a menina moça foi imergida nas águas no tanque pelo que presidia, conforme o mestre foi batizado por João Batista, e retirada das águas em sinal de renascimento espiritual.

Em meio a festa do grupo, em choro e regozijo, saiu do tanque das águas.

Saiu como passarinho voando das águas. Ao final da cerimônia, o cabelo molhado, recebendo o abraço de amigos e familiares no saguão da igreja por ter realizado o passo tão importante.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 20/04/2021
Reeditado em 25/04/2021
Código do texto: T7236572
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