Amargura

Não está tudo bem.

E tudo bem.

Tudo bem porque o meu mal interessa pouco, interessa a poucos.

Eles me querem sem mas, nem mal.

Não é a mim que querem, mas a frivolidade de minha simpatia terna, generosa e pouco complicada.

Não querem saber que o noticiário vem estragando meu peito, muito menos que estou sensível, frágil, chorosa e necessitando de um aconchego.

Não está tudo bem, mas tudo bem.

Eu posso fingir que estou bem.

Eu estou com saudade, com medo, com frio. Não está nada bem!

Minha casa interior está rachada, esburacada, cheia de goteiras.

As ratazanas se aproveitam de minha agonia e me agonizam mais. Mas eu abro a janela todas as manhãs, me debruço sobre ela sorrindo, porque ninguém quer saber como está minha casa pelo lado de dentro. Então atendo-lhes o chamado pela minha falsidade.

É mais fácil fingir para que me queiram, ninguém quer gente molhada por goteiras, carcomida por ratos ou sentindo frio na alma. E eu preciso que me queiram porque quando me querem eu também me quero um pouquinho.

Meu olhar pela janela é olhar fingido, eu nunca escancaro minhas portas que já estão enferrujadas. Debruçada na janelinha verde e modesta de madeira antiga eu consigo emoldurar com nostalgia minha face amargurada e fazer parecer poética a dor de minha vida.

Aqui ninguém entra, muito menos faz morada. E daqui eu não saio, não consigo abandonar meus ratos.

Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 10/04/2021
Código do texto: T7228485
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