O Futuro do meu Passado
O futuro do meu passado
Vou falar do meu futuro, porque eu era ainda muito criança e era o futuro. Lembro de pessoas que atendiam com nomes soltos, hoje tão vagos: Marilda... Tonheiro e lá na casa de Chicoato...
A casa era alugada nos fundos da casa do empregador. Mas, lembro bem do portãozinho que dava para as escadas. Era lá que eu me escondia sentada num cantinho. Devia ser inverno, porque quando olhava para o alto nada era azul. Então eu ia devagarinho subia num banquinho e de cima...lá de cima, olhava para o telhado do vizinho.
Subi lá muitas vezes. Sei bem pelas colheres. Toda sobremesa eu comia lá e ao terminar, olhava aquela colher de prata barata, tão pequenininha, de arabescos bordados. Eu pensava duas vezes, por que devo fazer isso? Ela é tão bonita!
O telhado do meu vizinho era mais baixo do que o meu, mas o teclado do meu vizinho era o meu Céu...
Até que me descobriram. Não era para menos. Tudo que eu achava leve, pequeno e bonito eu atirava no telhado do vizinho. As coisas eram minhas penas que encontravam terra firme... Penas brancas vestidas de meias vermelhas escapavam das minhas mãos. A noite minha mãe acharia outras para pôr nos meus pés...
O telhado do meu vizinho era mais baixo do que o meu, mas o telhado do meu vizinho era o meu Céu...
Hoje eu tenho mais de muitas coisas, mas menos de muitas outras...
A vida que mal se nasce, morre e se decifra.
O telhado do meu vizinho era mais baixo do que o meu, mas o telhado do meu vizinho era o meu Céu.
Susana Raposo
08/04/2021