Relato de um demônio.
quando as luzes se apagavam e o crepúsculo entrava pela janela tudo era permitido. a moralidade desmoronava como uma construção decrepita e de alicerces frágeis. havia todo tipo de dança obsena, sons indescritíveis vindos de direções alternadas e contatos físicos extrassensoriais de demônios embebidos de uma liberdade tênue e efêmera, que se dissipa ao primeiro lapso do amanhecer.
subsisti por anos em um mundo que não me comporta, em um corpo que não me serve, em dimensões que não me cabem. apaguei algumas luzes, sussurei seus maiores medos e coloquei vagamente a minhas mãos frias em seu ombro, mas isso foi tudo que consegui fazer.
embarrei em todo tipo de criaturas abissais cuja à seus olhos eram invisíveis. e ouvi todo tipo de sussuros infernais que apesar de sobrepostos alcançam o mais íntimo de minha alma suja.
tentei me agarrar inutilmente à essa existência dormente e quase permitida, só estive disperta durante os mais ensandecidos medos que senti. mas não há muitas maneiras de assustar demônios.
depois de alguns milhares de anos os olhos só se abrem até a metade das pálpebras e sanidade se torna um conceito abstrato, mas existe uma coisa que nunca acaba; a poesia. e se houvesse algo humano que eu pudesse levar pro meu mundo eu a levaria, pois é capaz de descrever cores inconcebíveis no espectro do visível. existe um mundo inteiro inacessível, coexistindo intrasponíveis aos limites sensoriais humanos. só a literatura pode descreve-lo.