O filho de mil mães
Nascera pra dentro porque a solidão lhe habitara desde que aprendeu a chorar. Nascera sozinho e desalmado, e se não fossem as mães não seria nem a metade. Ainda pequeno, suas mães maceravam hortaliças para lhe benzer dos maus olhados, para acudir seu pranto, lhe secar os suores e afastar os quebrantos. As mães ensinaram-lhe a caminhar. Eram mil mães, de todas as idades, de todas as cores e bondades. As mães mais velhas, já de rugas pela face, começavam as longas conversas por dizer: sabes, meu filho. As mais novas por ensinar a coragem dos valentes e a humildade dos aflitos. Foram as mães que lhe ensinaram à ser amigo das palavras, irmão das canções e a fazer jorrar delicadezas pra fora da alma. Aprendera com elas que as miudezas são poesias. As mães lhe ensinaram a rezar e a fazer ciência. Agora, quando mudo de silêncio, lembra de cada uma, e ora para que estejam em acalento. O filho de mil mães havia crescido e já sentia as dores e os amores dos tempos.