A lenda do Corpo Seco
A lenda do Corpo Seco
Adriribeiro/@adri.poesias
Todos os anos na Quaresma as pessoas costumam aguardar por ele. À noite ouve-se o tropel do cavalo arrastando mais um condenado. O povo finge dormitar só por estar com medo dele. Enquanto aquele corpo pelo chão segue sendo arrastado.
Ouvem-se ao longe dos cachorros os latidos... E as patas do cavalo a reverberar no chão que pisam. Seja no asfalto ou na piçarra os barulhos já avisam...
E os curiosos apavorados... Escondidos. O escolhido da vez ninguém sabe.
Nenhum nome... Nenhum endereço... Não há testemunhas... Não há juízo...
Não há despedida, nem lamentos... Tampouco algum aviso.
Também não se sabe o pecado cometido ou qual foi o preço do pecado e, no compasso do trote secular do seu cavalo subalterno, ele segue arrastando o seu precioso objeto...
O seu único objetivo, malogrado e abjeto, é apenas carregar aquela alma para o inferno.
Dizem que o espírito que o cavaleiro vai levando continua no tal cadáver incrustado.
É por isso que se ouve o barulho arranhando como se fora um couro seco sendo arrastado.
Qualquer pessoa que conhece essa história sabe bem quando ele está prestes a passar, pois, o ritual ainda está vivo em sua memória. Mesmo assim ainda duvidam, pois não querem acreditar.
Muitas delas até amanhecem relatando que tentaram ver o que estava acontecendo, mas acabaram se arrepiando. Que tiveram medo de olhar e, malogrado, voltara para a cama com o medo os instigando.
Um dia chegaram alguns frades franciscanos na cidade. Vieram fazer os procedimentos de exorcismo. Todas as portas da cidade eles fecharam, puro misticismo. E a noite toda fizeram procissões... Vigílias... E rezaram.
Numa das mãos o frei Bento ia levando o candeeiro e na outra a caldeira e o aspersório da água benta. Era preciso exorcizar o percurso do cavalo por inteiro. E aquelas almas ao purgatório conduzir de forma atenta.
Em cada noite dos cemitérios se ouviam sons estranhos como se fossem gemidos dos defuntos. Entre os católicos ninguém tocava no assunto... Mas do restante da cidade, era só o que se ouvia.
E era assim que os dias todos se passavam... Os franciscanos pela cidade a caminhar...
À noite os gemidos dos defuntos se exaltavam e a cidade inteira sempre descrente a especular.
Não se sabe bem ao certo o que é que havia por trás das histórias e os barulhos à noite ainda são verdadeiros mistérios... E para explicá-los cada um tinha seus critérios.
Mas a verdade é que ninguém nada sabia e, se soubessem não falavam.
Todavia, até hoje o povo novo da cidade acha que tudo é invenção.
Não acreditam no que não vêm e não apalpam com as mãos.
Mesmo que a igreja participe de tudo ali também. Ou que o frio da morte deixe os pelos dos seus corpos arrepiados. Que os cabelos do pescoço fiquem todos eriçados...
Acreditar no invisível não convém.