A MENINA E A PIPA

Do lado de dentro do muro de minha casa, no final de tarde, no silêncio forçado pela pandemia da covid-19, sobre a qual muita gente duvida, mas em relação a ela, eu me resguardo por mim e pelas outras pessoas, minha neta de menos de dois anos teve o olhar capturado por uma pipa e o seu bailado cheio de requebros e faceirices. Quando ergo a vista acompanhando a doce palavra pipa enunciada pela língua nenês, eu me vejo encantada, pela dança não de uma, mas de oito pipas. Esse espetáculo eu não poderia perder e nem a minha neta o queria, assim, ela apontava, gesticulava e falava na linguagem própria das crianças pequenas: -Popa, vovó, popa! Eu acostumada já a esse modo tão peculiar do falar infantil, entendia claramente, se tratar das pipas no céu. E ela somava dançando na terra, desenhando voos com os braços abertos: - Mais, mais popa, vovó! Eu não sei bem em que momento deixei a minha neta sozinha e voei com as pipas na imensidão azul celestial da minha infância de menina. Nela, eu não empinava pipas e hoje as vendo dançar no céu, com as suas rabiolas, eu me senti uma delas. Talvez sejamos todas e todos pipas ou a força opositora do vento que as faz requebrar em voos altos, quem sabe a vida seja o empinador de pipas. Há tempos de voos altos e outros rasteiros. Às vezes, a força do vento nos rasga, outras, a mão que nos empina nos deixa cair. Em algum momento, a pipa perde a rabiola e voa desterritorializada. Nessas condições, o papel de seda com o qual a pipa foi confeccionada, rasga-se e o vento a atravessa e a machuca abrindo nela mais buracos que a desestabilizam ainda mais. Então, eis que a pipa escuta outro empinador de pipas que cumprimenta o seu dizendo algo como: - Não deixa a sua pipa cair, vai, dá linha, dá linha, empina, empina! Bastou isso para a pipa destroçada retomar o voo. Deus é o melhor empinador de pipas!

AUTORIA DE DOLORES VIEIRA, MINHA MÃE.

DEDICADO À MINHA FILHA DE DOIS ANOS, ANA LIZ.