Transparências
Lá fora tem chuva escorrendo em poesia, pelas calhas da inspiração.
Folhas caídas em cantilenas de sol, agora se fazem náufragas nas enxurradas. Os jardins são mesmo guardadores de despedidas.
A transparência da vidraça vai colecionando vapores, e logo se veste opaca. A casa compartilha de uma solidão em cada canto, e um silêncio senta comigo no sofá, espiando pensamentos.
A mudez do telhado é acariciada pela laringe dos pingos, por isso as goteiras cantam compassadas. Escuto-as, e o silêncio trata de orvalhar-me os olhos, para contar de emoções.
As horas singram pelas corredeiras do tempo. A vida é porta-retratos esperando cliques e revelações. Entre sentires e pensares, os detalhes costuram, e ao mesmo tempo rasgam complexidades.
Esses despedaçares são de demolições e reconstruções. O ser é de voos sobre horizontes, e de abismos sob os voos. A maneira como se enfrenta e vive as adversidades da vida é que determina o bem estar ou, pelo menos, a vontade de estar bem o tempo todo.
Lá fora a chuva continua seus versos e, nas entrelinhas dos poemas em pingos, uma mulher caminha, e sua blusa branca cola em seus seios... a transparência linda me atiça os desejos. Vejo da janela fechada, através da marca que meu rosto colado expulsou, um pedaço de opacidade.