desabafo II (ou, se a boca cala, sofre o corpo)

Todo ano, toda hora; tudo novo. No entanto, sem se incomodar, caminhamos nossos passos calculados. Não rompemos o cordão umbilical da dependência aprovativa do outro. Pautar-se na opinião que o outro tem de nós, eis, o que nos faz socialmente inseridos. Ficar à margem desse processo, marginaliza, significa não se juntar, não compartilhar as mesmas intenções, os mesmos desejos. Estar à margem, como em tudo que nos cerca e acerca das nossas decisões, significa arriscar-se, correr para o paredão moralista da maioria e, com isso, sujeitar-se às avaliações parciais e interesseiras. Eis o ponto! Eis, talvez, o pote de ouro ao fim do arco-iris. E marginalizados serão todos, sim, todos, que não respondem aos figurinos entregues assim que se nasce. Assim, o elenco, nesse espetáculo chamado humanidade, só se realiza, com direito a reprise (crescei-vos e multiplicai-vos) se, e somente se, grande parte se dispor seguir o roteiro. A àqueles que se deviam do esperado, escamoteia-se a indisposição com argumentos tolerantes. Todavia, e, às vezes, para mostrar que está no controle, um aventureiro sobe ao púlpito e vocifera suas verdades, suas frustrações, como sintoma de alguma patologia que ele denomina ser fruto da descrença na salvação eterna. Nada mais falastrão, nada mais patológico, que distribuir a outros, recalques pessoais. Noutras palavras, disse o catador de latinhas, "se há um Criador, gostaria de conhecê-lo, só para dizer, sem meias palavras, que merda tu fizeste!"