A tempestade

Ela se fez abrigo no temporal, mas alguns ventos uivaram em seus ouvidos, chegaram perto demais.

Ela sentiu seu hálito etílico, sua barba mal feita, seu peso mórbido.

Um vento metífico e forte feito furacão despenteou seus cabelos, atropelou seu corpo, desdenhou de suas posses.

Invadida, sua casa interior rachou, seus cristais se quebraram, as paredes sacudiram forte e as lágrimas escorreram formando fendas profundas.

Aquele vento suado, grosso, pastoso manchou suas carnes, sangrou sua sala de visitas, seu jardim, seus segredos.

Ela achou que não poderia sobreviver, não ali naquele corpo-casa, que estava partido. Ela queria ter ido, pois se viu partindo.

Levantou-se, ajeitou a sala, recolocou seus livros, era tudo o que restava. Chorou com a alma dilacerada.

Jamais a casa ficaria limpa outra vez, jamais perfeita, intocada, jamais lhe pertencer-ia.

Ela se olhou no espelho que reconstruiu juntando cada caquinho, mas ao olhar para o alto constatou no telhado uma avaria.

É onde vive agora, numa casa, cujo telhado está quebrado.

Cyntia Pinheiro
Enviado por Cyntia Pinheiro em 24/02/2021
Reeditado em 24/02/2021
Código do texto: T7192043
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