MEU TIO MANOLO

Se alguma vez alguém me falou do sentimento profundo de conexão, entre os seres humanos e tudo quanto lhes rodeia... Dessa forma de irradiação que obtém o grandes místicos, quando por um instante a centelha divina de luz penetra todo seu corpo... Se alguma vez alguém me dizer sobre um estado de pleno goço e perda momentánea do medo à morte...

O sábio vietnamita Tch Nhat Han, falava da iluminação, como um caminhar um par de centímetros por riba do chão...

Essa conexão mostrou-ma meu tio Manolo, uma tarde de verão num simples partido de futebol de rua. A sensação de voar uns centímetros por riba do chão, prevaleceria, mesmo após o partido. E a alegria de compartilhar o sabor da boa camaradagem, ao o lado de meu tio, era sempre um continuo no espaço-tempo, das nossas conjuntas vivências, fraternas caminhadas.

Acho nem sequer reparamos na felicidade de juntos partilhar tantos e diversos encontros. Mas o êxtase daquela tarde, num jogo simples, num simples bairro, duma humilde, histórica e formosa cidade, marcou dentro de mim (sem eu saber) o início dum longo caminho (no qual sigo peregrinando) na procura da verdadeira e interior felicidade.

Meu tio foi o primeiro em observar dentro da minha alma, o guerreio de luz, camuflado no meu coração, ainda em latência mas latejante. Fabricou para mim, como presente incrível, uma espada de madeira, da qual todos os amigos e amigas queriam ter uma réplica.

- Manolo, quando me fazes uma espada para mim? - perguntavam

Em algum momento livre... - Mas aquele momento nunca chegava.

Alguma que outra espada, finalmente fez, para algum que outro amigo, mas uma cousa rápida e nunca tão elaborada e perfeita, como aquela que eu tomei como minha, e ainda guardo dentro da alma, para sempre.

A primeira vez que a vi, sonhei em Escalibur a mágica espada do rei Artur.

E tive como a certeza, aquela espada também era verdadeiramente miraculosa. E, esse foi o segundo grande regalo para mim, de meu tio, meu grande amigo da alma. Pois desde a morte de meu pai, apenas quando eu tinha 18 meses, eu nunca encontrara sossego. De algum modo essa calma conheci, recebendo de meu tio a sua: o seu masculino poder de saber andar, como um homem, pela vida.

E, a cada dia que jogava com a espada, sonhava imaginários cenários, onde o amor, o bem, a paz e a justiça, sempre da minha mão triunfavam. Eis, aqui o terceiro regalo: aqueles jogos me indicaram o caminho ético, que um ser deve percorrer, si quiser que sua vida tenha algo de interesse: ajudar, no modo que lhe for possível, ao mundo a rumar, pouco a pouco, do caminho da guerra - concorrência e imposição pela força, à senda da paz, fraternidade e ajuda mútua. Aquela ajuda mútua era um continuo na minha relação fraterna com o meu tio. O tio a quem eu mais queria...

Outro grande regalo eram as tardes de sábado ou domingo, que íamos todos juntos a caminho do rio: aí surgiu em mim o amor pelas augas. Ainda hoje, o pai Minho segue a ser o grande sanador das minhas tristezas. Passeando pelo rio, o sossego toma corpo em todo meu sangue...

Estando com meu tio a alegria de viver inundava meu quotidiano. E não havia nenhuma situação, por muito difícil que resultara, que não rematara numa grande risada, ampla, prolongada... Aquela felicidade, em aqueles breves instantes, podo assegurar era para mim eterna.

Existia, pois, uma especial ligação, entre ele, eu, e o mundo a nossa volta: todo parecia encaixar, quando estávamos juntos. E viver em harmonia, desfrutando de cada lugar, momento ou incidente (tal qual como surgia, sem tentar alterá-lo)... Sem importar-nos o, que a seguir, poderia surgir; era uma simples aceitação do extraordinário de sentir-nos vivos.

Pois em realidade caminhar ao lado do meu tio Manolo, era sentir a vida, vibrando dentro de nós, sabendo, que a pesar de tudo o que ela se pudera torcer, nós sempre teríamos um lugar, para juntos, com ela, com a vida, realizar-nos...

Entendi, graças a ele, meu tio amado, que existe um espaço dentro do coração, que sempre procura encontrar a verdadeira essência do amor fraterno. E, que esse amor é simples, fácil de dar, bom de compartilhar-se... E meu tio, sabia a cada momento, dar-mo, tão só com um sorriso cúmplice...

Esteja, onde ele estiver, sei que nos estará cuidando, junto do meu pai, meu padrinho, meu avô, e tantos e tantos outros seres de coração grande... Pois muitos são os que habitam a terra, mas poucos o de nobre, bondoso e entranhável abraço...

(Extracto do manuscrito “O Livro do Entedimento”, ainda em composição, em esta data)