Incompreendida vida

Eu olhei para mim, nos olhos nus, despidos de qualquer pudor, a procura de uma razão, uma única que fosse, uma razão. Fiz síntese, análise, explanação, contabilidade... Medi feitos e desfeitos sonhos vi indo para o ralo, qual água de banho... Pesei meus dias nos pratos da balança, aferi mudanças, nem sutis, nem mansas... Senti pujança, força de maré que tudo revira, não é o que vira antes em mim. Sou alguém que gosta mais hoje do que antes de si, ainda que desgosto haja de alguém que gosto. O riso grande, que rasga a cara, logo descara a dor doída de incompreendida vida. Não sou árvore enraizada, forte acácia! Sou, antes, mais parecida com o fogo, incinerando diariamente maledicências e pequenas tragédias. Ou água na busca do rio, que escorre da mão que deseja prendê-la. Ou o vento, que sonha de ventar, carregando cores e suaves perfumes de chuva, magnólias e manacás. Não se prende, não se guarda o ser que se desvencilhou dos grilhões da vida desvalida... Incompreendida vida!