DÁDIVA

Todo aquele que se dedica à Poesia tem um vício original. O coração não é seu, pertence à humanidade. Em sua fértil cabeça habitam a farsa, as fantasias e os sonhos, mas o mundo já estava feito. Devido a essa anterioridade, ele se perquire a todo o tempo.

Ao mago da felicidade cabe o canto da morada de ser clausura e palavra. Eu que tanto convivo com os signos que traduzem a palavra, de repente percebo-me omisso de ações.

Contudo, a arte não se destina a produzir efeito no mundo dos fatos, pois ao não pertencer ao plano da realidade, a ela não se pode atribuir ações prosaicas.

O escrito artístico se basta e se resume em si mesmo. Dele nascem apenas propostas e sugestões no plano das ideias. A felicidade pessoal parece inalcançável. Então, impotente, reduzo-me à condenação ao pensar. E a dizer.

Um urutau pousa sobre o umbral da porta de entrada. Em sua garganta dorme o enigmático canto. O sol queima as excelências do gozo e palavras adquirem asas. O olho da vida recém-gestada tem pupilas dilatadas.

MONCKS, Joaquim. A VERTENTE INSENSATA. Obra inédita em livro solo, 2017/24.

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