RODA D'ÁGUA
Do fogão à lenha, vinham os chiados e estalidos da madeira meio verde, sendo consumida pelo fogo na pressa do calor e na mansidão de cozer o leite e assar o pão. O arrastar dos chinelos de couro e no vai e vem do avental branco pela cozinha, um ramo de salsa cai distraidamente ao chão. E na chapa quente, o tostar do queijo faz dual com o café forte, escorrendo do coador de pano [tão escuro de tantos banhos]. O crepitar da lenha faz voar os vaga-lumes ardentes, e, entre dentes, um sorriso de satisfação. No olhar calmo de carinhos plenos, se vê brilhando, o alumínio das panelas. Do fio da faca, caem as cascas das frutas e nascem as doces estrelas de carambolas, quadrados de mamão verde, corações de abóbora e os figos açucarados secando ao sol na peneira feita de taquara. Sobre a grande mesa, nos vidro ainda quentes, as compotas de goiabas, marmelos, laranjas da terra e limão cravo esperam a hora de descansar nas prateleiras da despensa. Um queijo, um beijo, marmelada e paixão – vida de cheiros agridoces entre as tampas e o pilão. Na réstia de alhos e cebolas, uma trança e um limão. Nas gamelas sobre a mesa, o verde das folhas do agrião. Um pano branco bordado com os dias da semana marca o tempo que não passa. E no calor dessa hora, na janela o sol espia e, se enfia no aconchego de um abraço entre cada beijo estalado, um biscoito "bem-casado" e um sorriso de maria-mole. Água fria, descansada no gosto do barro da velha moringa, escorre entre os goles, doces goles do vermelho das romãs. Entre as cinzas do borralho, surge o gato Malmequer, que nada quer, a não ser dormir e sonhar odores. O tempo e suas escamas coloridas brilham no olho do boi, enquanto tudo gira num silêncio onde fermentam as saudades guardadas nas gavetas e nos armários. Lá no quintal, as galinhas ciscam o chão, descobrindo o segredo de germinar minhocas. E a roda d’água gira sem parar, gira os sonhos, gira a vida, gira o tempo de todos nós.
imagem: Roda d'agua
Aquarela sobre papel
Luciah Lopez
Leia também https://www.recantodasletras.com.br/poesias/3976773
http://www.luciahlopezprosaeverso.net
Do fogão à lenha, vinham os chiados e estalidos da madeira meio verde, sendo consumida pelo fogo na pressa do calor e na mansidão de cozer o leite e assar o pão. O arrastar dos chinelos de couro e no vai e vem do avental branco pela cozinha, um ramo de salsa cai distraidamente ao chão. E na chapa quente, o tostar do queijo faz dual com o café forte, escorrendo do coador de pano [tão escuro de tantos banhos]. O crepitar da lenha faz voar os vaga-lumes ardentes, e, entre dentes, um sorriso de satisfação. No olhar calmo de carinhos plenos, se vê brilhando, o alumínio das panelas. Do fio da faca, caem as cascas das frutas e nascem as doces estrelas de carambolas, quadrados de mamão verde, corações de abóbora e os figos açucarados secando ao sol na peneira feita de taquara. Sobre a grande mesa, nos vidro ainda quentes, as compotas de goiabas, marmelos, laranjas da terra e limão cravo esperam a hora de descansar nas prateleiras da despensa. Um queijo, um beijo, marmelada e paixão – vida de cheiros agridoces entre as tampas e o pilão. Na réstia de alhos e cebolas, uma trança e um limão. Nas gamelas sobre a mesa, o verde das folhas do agrião. Um pano branco bordado com os dias da semana marca o tempo que não passa. E no calor dessa hora, na janela o sol espia e, se enfia no aconchego de um abraço entre cada beijo estalado, um biscoito "bem-casado" e um sorriso de maria-mole. Água fria, descansada no gosto do barro da velha moringa, escorre entre os goles, doces goles do vermelho das romãs. Entre as cinzas do borralho, surge o gato Malmequer, que nada quer, a não ser dormir e sonhar odores. O tempo e suas escamas coloridas brilham no olho do boi, enquanto tudo gira num silêncio onde fermentam as saudades guardadas nas gavetas e nos armários. Lá no quintal, as galinhas ciscam o chão, descobrindo o segredo de germinar minhocas. E a roda d’água gira sem parar, gira os sonhos, gira a vida, gira o tempo de todos nós.
imagem: Roda d'agua
Aquarela sobre papel
Luciah Lopez
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