SOU PAI!

Quando minha primeira filha nasceu me senti o homem mais orgulhoso e feliz do mundo. Bebi um litro de vinho sozinho, pra comemorar minha alegria. O que ninguém entende, é o porquê disso tudo. É porque, quando jovem, perdido, sem direcionamento nenhum, sem objetivos, nunca pensei que seria pai. Aliás, casar, ter uma família, ter uma filha, então, eram questões nunca discutidas entre os pobres de espírito com os quais eu convivia. Tanto é, que, até os dias de hoje a maioria deles não experimentou a alegria e a dor de nenhum desses acontecimentos que mudam a gente. Mas eu experimentei. Ah, que alegria, que dor, que medo! Depois que o vinho acabou fui dormir. Fiquei vendo o rostinho dela, vermelho, com a língua de fora, e fiquei orgulhoso de ser o pai daquela gostosura. Mas, antes, lá no hospital, quando entrei naquele corredor frio e grande que me conduziu até o berçário, ainda não sabia de nada. Não sentia alegria e nem dor. Vazio, igualzinho aquele corredor, cheguei até uma sala, à direita. A vi. Chorei. De alegria, de orgulho e de medo, chorei. Senti-me tão incapaz de ser pai daquela criança à minha frente, que me achei ridículo. Olhei para os lados para ver se não havia mais ninguém ali, cheguei perto do vidro que ainda nos separava e disse: Oi, sou seu pai. Ela permaneceu quieta, às vezes mostrando a língua. Ainda bem que não entendia nada. Tive um outro sentimento que nunca confessei a ninguém. Tive dó. Por quê? Por causa da minha incapacidade de ser pai. Por causa da minha incapacidade de ser marido, por causa da incapacidade... Mas, espera aí. INCAPACIDADE não é a construção do ser incapaz? E isso só me ocorreu agora, quando escrevo minhas lembranças, procurando pelos pedaços que sobraram... Se tivesse tido consciência disso lá, no momento vivido, teria sido diferente? De que adianta pensar nisso agora, que o vidro do berçário, frio e duro, novamente está entre nós dois, minha filha e eu. Através do vidro continuo dizendo pra ela: Oi, sou seu pai, e ela, não mais imóvel, cresce, corre e me abraça. Consegue por que não percebe o vidro, ainda. Tomara nunca perceba, ou que eu deixe algum dia de percebê-lo, para poder abraçá-la, tão forte e tão apertado, e nunca mais soltá-la. Como não foi no berçário. Talvez vocês pensem: É tão fácil quebrar o vidro! Mas não é. Ele é temperado. Foi feito com areia, frustrações, mágoas, lágrimas, decepções. Não se quebra algo assim com facilidade. Antes, parece que toda vez que nele tocamos o sentimos mais forte, nos sentimos mais fracos... Talvez a dor e a alegria sejam por causa do vidro, quem sabe. É porque o vidro nos deixa vê-los, nossos filhos, ouvi-los, acariciá-los, falarmos com eles, direcioná-los, mas sempre está lá, uma barreira, uma separação: eles e nós, diferentes... Apesar de tudo que sinto, do medo, da frustração, do dó, a alegria e o orgulho são sentimentos mais fortes que me deixam, às vezes, feliz... Sou pai!