Andou de Salto Alto
Chegou até o piso superior, depois da subida de três lances de escada, estava descostumada a uma corrida mais apressada que as caminhadas nas manhãs de sábado. Os batimentos cardíacos estavam alterados, sentia-os na garganta. A boca seca chegou junto na escalada.
Nos pés, um par de salto Luiz XV. Cor caramelo. As pernas equilibradas na arte do andar de salto por anos, não deixou que se espatifasse degraus abaixo; depois de desequilibrar no passo ao galgar o último degrau.
Não os deixava para nada, mesmo que câimbras, calos, dores de toda sorte apoderassem.
Até para o sorvete, a compra ao supermercado, adotava-os.
Na fila do banco, quando o uso dos aplicativos para movimentação financeira não existia nos ifones e notebooks, forçava estar em pé mais de hora para pagar boletos.
Sabia usar os saltos para manter a elegância para quem cruzasse seu caminho, alternava o descanso das pernas discretamente, levando o peso do corpo de um lado para o outro, mantendo a cabeça esguia, ombros aprumados.
Não perdia a postura; a imagem da moça de salto alto, a empoderada, dona da juventude mais dela que existia no mundo, detentora de todas as razões. A alforria fresca comprada da infância deixada “logo ali”, sustentada ainda pela comida servida pela mãe, o flambar do olhar do pai periodicamente confirmando a realização de ter uma filha realizada, mesmo que ela discordava de quase tudo que acreditava.
Na direção do veículo, o primeiro inteirinho seu, tudo era em segundo plano, ela e o carro, os personagens principais.
O corpo; as pernas, as coxas, os braços, o cabelo alongado chegando a cintura, a pele amaciada de moça, a tez nova de fábrica. A naturalidade de ter tudo, sem refletir a posição plena de vida que portava.
Aquela porta que batia para ser atendida foi aberta; o amanha que revelou no hoje, dele vê a si mesma, lá... andando de salto alto, esforçando o corpo para ser no salto alto.