TRÊS EM UMA
Na acolhedora mesa,
o desconfortável silêncio
e a degustação veloz das refeições
eram acompanhados pelo colóquio inexistente
posterior a amargas lembranças desautorizadas
daquela que, em vida, já havia
multiplicado e partilhado o pão.
As incômodas memórias de outrora,
que habitam o meu peito,
se impõem em insistentes lágrimas camufladas ao vento.
Era uma mãe, uma filha, uma família, um lar...
que foram separados por vírgulas permanentes
e inimagináveis privações lúdicas.
Não o bastante, foi incluída
a ausência anterior de afetos maternais.
Eram sujeitos concretos com adjetivos avivados
em metáforas diluídas
nas indesejadas tardes nostálgicas
que fizeram-me peregrina fecunda na vida daquela
que a linhagem materna a fez mártir.
Dupla dor sentida: dor em vida; dor em partida!
O ruído abrupto do companheiro relógio interrompe
e traz-me de volta, lembrando-me da impiedosa rotina,
presenteia-me com resquícios frágeis
de vida ao que aparenta inanimado.
Os lamentos prisioneiros da órfã
sedenta por conselhos norteadores
foram podados um a um pela hostilidade
dos viajantes do templo terreno.
Assim, fizeram morada na garganta
tornando-se sepulturas prematuras e inconfessáveis.
E eu, mesmo assim, volto em mim
com a consciência que desperta
os momentos de trevas que me restam,
desacreditando nas imposições
de repetições dos ciclos ancestrais.
Ao meu ver, é inconcebível
que a vida tenha uma fórmula homogênea,
entretanto, as camadas construídas
e revestidas com a veracidade de outrem
somente adormecem o coração e sedam o ser,
Ao rasgá-las, impulsiono-me
na busca que se sobrepõe e persiste
como a água que transborda
e, indomada, persegue o mar.
O encontro comigo mesma apresenta-me
a originalidade necessária
ao mínimo de dignidade humana
e ao prazer de viver a vida genuinamente e generosamente.
Surpreendesse com a resiliência introspectiva
da inexistência de memórias afetivas de filha,
mas capaz de brotar nesse deserto humano herdado
a gratidão pelo presente da vida
e o afeto necessário para gerar vida,
que transcende expectativas
e rótulos externos presentes.
Embalada em tríplice personagem que voa tatuada
pelos dilemas da ausência de gestos afetuosos
de filha órfã que tornaram-me inexplicável mãe amorosa.
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Janaína Bellé