O sapato apertado

Eu tenho insistido há tantos anos em calçar um sapato que não serve nos meus pés. Eu tento fazer com que o meu pé caiba dentro dele, respiro fundo, encolho os dedos e enfio os pés com todo o cuidado para que a fivela não se rompa, que o tecido não se rasgue, mas o sapato continua apertado. E eu continuo insistindo, porque durante toda a minha vida as pessoas me disseram que é o certo a se fazer, que esse sapato precisa ser calçado, que eu preciso inclusive gostar de calçar esse sapato — ainda que doa, ainda que cause bolhas e feridas nos meus pés, ainda que me faça andar torta e desconfortável, com os ombros curvados para baixo. “É assim que os sapatos são”, eles dizem. “Você não vai querer comprar briga com as fábricas de sapatos, não é mesmo?” “E se um dia esse sapato mofar, você vai se arrepender de tê-lo deixado no fundo do armário”. É assim que a gente se sente quando tenta forçar relações que estão doentes há muito tempo — sim, relações familiares também entram nessa conta. É assim que a gente se sente quando tenta insistir na ideia distorcida de que as coisas dependem única e exclusivamente da nossa vontade. Não é possível brincar de cabo de guerra sozinho, assim como também não é possível que uma só pessoa sustente uma relação quebrada quando o outro lado não tem interesse algum em empenhar nessa batalha força, afeto e empatia. Portanto, tire esse peso dos seus ombros. Deixe que os seus pés estejam livres da dor do sapato apertado e percorram caminhos bonitos, que eles possam levar você a lugares onde o amor, a felicidade e a liberdade preencham os seus dias. Permita que o seu corpo e a sua alma estejam em constante movimento, porque parar no tempo em que se calçava 34 não vai tornar a vida mais fácil. E ainda que de fato pudesse torná-la quem consegue provar que fácil é o melhor caminho para você? Chego ao fim dessa prosa de pés descalços e o coração mais leve, com a fé de que assim como os meus pés eu sou livre e de que vou superar todas as bolhas, feridas e calos que o sapato apertado me causou.

Thais Alessa
Enviado por Thais Alessa em 22/12/2020
Código do texto: T7141981
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