A MOCHILEIRA (Thundra)

A MOCHILEIRA (Thundra)

Ficha catalográfica (1995):

Assessoria Científica:

Professora Mabel Norma C. Ulbrich.

Titular do Departamento de Mineralogia e Petrologia do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP).

S U M Á R I O

L I V R O P R I M E I R O

15 HISTÓRIA: AME-A OU DEIXE-A

19 A GAROTA DA TRAVESSIA

23 OS PRIMEIROS PASSOS

27 ILUSÃO OU ESTRANHA REALIDADE

32 UMA DILIGÊNCIA POLICIAL INCOMUM

39 “PERGUNTE AO PÓ”

41 RUMO A PARATY

45 WINWEN E OS ÍNDIOS COLONIALISTAS

46 ERAM OS “GUIAS” ESTRANGEIROS?

L I V R O S E G U N D O

61 A METRÓPOLE VISTA DO HORIZONTE DO PÁSSARO

65 A AGONIA DE TÂNIA VIA SATÉLITE

67 "SENTIU FALTA DE MIM, GAROTO?”

69 “ECCE HOMO” SAPIENS CIBERNÉDIPO

71 DORMINDO NA CRUZ COMO SE NO TRAVESSEIRO

72 MAMÃE MÁQUINA DÁ A LUZ A PAPAI CIBERNÉDIPO

79 A “TURMA” DE MIRASSOL

87 NO VENTRE DA MÃE BALEIA

94 O INCRÍVEL PODER DE FASCÍNIO DOS “BUTTONS”

L I V R O T E R C E I R O

102 TRADUZINDO O “BUTTON” DO SÍMBOLO DESCONHECIDO

104 JÚPITER, EUROPA E A MOCHILEIRA

106 OS MIL OLHOS DO “DR. MABUSH”

108 “ACROSS THE UNIVERSE”

115 TIO SUGISMUNDO: PROGRESSO À WOTORANGOTANGO

116 CASAL UFOLOGISTA DÁ SEU RECADO

122 OS MERCENÁRIOS DO HORROR

125 EM FAVOR DA DEMOCRATIZAÇÃO DESSE CONTATO

126 STELA: CONDUZINDO-SE ATRAVÉS DA LONGA E SINUOSA ESTRADA ATÉ A MINHA PORTA

129 EFEITOS DAS LIDERANÇAS À CROMAGNON

130 A POPA DE “ARGO” LEMBRA A HIPPIE PUPPY

131 SATÉLITE EM ÓRBITA, OU RADAR, DETECTOU UFO NO PASTO EM

NOVA ALIANÇA?

132 TRÊS NOVOS HABITANTES NASCEM A CADA SEGUNDO. A TERRA PERDE 1 HECTARE DE SOLO FÉRTIL A CADA 8 SEGUNDOS

134 O UNIVERSO É UM CAMPO UNIFICADO

135 OS DIREITOS DE QUEM VÃO PREVALECER? DAS LIDERANÇAS À

CROMAGNON OU OS DOS SERES HUMANOS?

137 “ELES” USAM BLACK-TIE

138 HABITO NO CAOS DO COSMO?

139 GLOSSÁRIO

P O S F Á C I O

152 HEURÍSTICA E LITERATURA NO LIMIAR DO TERCEIRO MILÊNIO

153 “MANTER-SE ATIVO, NÃO DESISTIR ATÉ QUE SURJA UMA IDÉIA IDEAL”

155 COMO SURGIU O INTERESSE PELA HEURÍSTICA (E/ou pelos problemas

do intelecto)

155 O QUE FAZ ELE, AUTOR?

157 VÁ À LUTA: A BELEZA E A VERDADE DO TALENTO NÃO VIRÃO PELAS VIAS INDIRETAS DO CONHECIMENTO

158 AS MÔNADAS, AS MUSAS E AS OUTRAS “MENINGES”

159 “POR MAIS QUE TUDO MUDE TUDO CONTINUA IGUAL”

160 VINTE DÉCADAS EM NOVE

161 “ELETRÔNICA CÓSMICA A NÍVEL QUÂNTICO”

163 BOUTIQUE DOS SONHOS E DO TEMPO

165 “PERGUNTE AO PÓ”, AGAIN

166 DEEM UMA CHANCE À GERAÇÃO EMERGENTE DE IR À FONTE NÃO

APENAS À ÁGUA

DECIO GOODNEWS

A MOCHILEIRA (Thundra)

Dedico este livro à memória dos pioneiros das gerações "Junky", “Beat” e “Hippie”. A todos os seus antecessores que fizeram acontecer os questionamentos universais do século XX. Aos que, hoje, anônimos, não se abatem com as ideologias antidemocráticas. Aos que não se permitem conformar com os fogos de artifício tecnológicos da globalização. Aos que, amanhã, continuarão este trabalho de Sísifo.

PREFÁCIO

André Carneiro

Quando Truman Capote escreveu "A Sangue Frio" os críticos não souberam classificar: Romance? Reportagem? Suspense? Policial? Ficção realista? Este tipo de preocupação é meramente didático. O leitor atento, inteligente, sabe encontrar em um livro algo mais que simples distração. Borges dizia: “Um livro que quer permanecer é um livro que podemos ler de diversas maneiras. Permite uma leitura variável, mutante. Cada geração lê de um modo distinto os grandes livros”.

A Mochileira (Thundra) é um livro incomum em nossa reduzida produção literária. Posso garantir às bibliotecárias que anotem na classificação catalográfica: “Um original romance de Ficção Científica. Com aspectos de valor sociológico e histórico muito atuais.”

Até os dias de hoje, a teoria que explica o surgimento do Homo sapiens/demens no planeta Terra, é o sistema de história natural que estabelece o parentesco fisiológico, e afirma a origem comum a todos os seres vivos, com a formação de novas espécies através do processo de seleção natural.

Os partidários desta teoria denominam-se darwinistas. Pesquisas científicas atuais, realizadas por eminentes personalidades do meio científico, afirmam que, para ser cientificamente aceitável (a teoria de Darwin), a idade do planeta Terra deveria ser muito maior do que realmente presumem que seja: cinco bilhões de anos. A espécie humana existe há 250 mil anos.

Sérgio Milliet, um de nossos eminentes críticos literários, se perguntava por que não tínhamos um romance com o background da célebre crise do café. mais importante em nosso desenvolvimento econômico do que o ciclo da cana-de-açúcar, motivo de tantos romances nordestinos.

Um sociólogo que imagine interpretar nossa história através da ficção escrita, vai encontrar vazios inexplicáveis. Não temos romances brasileiros passados durante a crise do café. Nem sobre o período culturalmente importante e diretamente influenciado pelo movimento hippie, nos anos sessenta/setenta. Pelo menos até agora.

Dentro de meu conhecimento, inexiste outro romance brasileiro que tenha explorado essa motivação literária de maneira mais abrangente. Ao contrário da ficção americana do Norte, onde foram escritos dezenas de títulos, e produzidos outros tantos filmes. Destaques para “Easy Rider” e O Estranho no Ninho.

No romance A Mochileira (Thundra), os personagens, jovens participantes da realidade internacional de contestação de valores então vigentes, resolvem desistir das ambições de sucesso monetário. Vestem-se de maneira informal, ganham a Estrada, de carona, buscam uma motivação consistente para suas vidas, um valor, uma verdade difícil de buscar.

Num país que ainda não encontrou uma Ética para gerir de modo satisfatório a sociedade, as relações entre governantes e a grande massa explorada, eles buscavam encontrá-la. Ou criá-la. Uma tarefa difícil, senão impossível. Quixotesca.

A menção inicial ao principal romance de Truman Capote, reporta-se às originais características deste romance-reportagem A Mochileira (Thundra). A descrição dos ambientes é viva e entra em detalhes informativos incomuns em um romance, mas muito úteis para o leitor.

É um romance de Ficção Científica porque a parte fantástica e inexplicável do enredo, não é gratuita, nem apela para explicações do realismo mágico. Decio Goodnews mantém sempre uma atitude literária de racionalidade modernamente científica. Minucioso nos detalhes, as informações sobre ciência foram pesquisadas com base nas descobertas da Física moderna, não meramente inventadas.

Inédito na ficção brasileira é o retrato da vivência de nossos hippies na truculenta ditadura militar. A vivência da contracultura influenciada pelo "slogan" Paz e Amor. Frágil, para deter os tanques de guerra e a violência em nossas "praças celestiais".

Aqueles que viveram o clima da época podem melhor avaliar sua importância literária. Este romance, reconstitui esses anos com realismo e isenção. A Ficção Científica fica por conta da personagem principal. Ela permeia toda a narrativa: fascinante, inexplicável. Virtual.

A inexplicável e fascinante metáfora da busca de uma Ética por uma geração. Essa realidade este romance fornece em suas entrelinhas.

De suas descobertas, cito a que me parece mais vital: a solução do mistério sobre a origem do Homo sapiens no planeta Terra. A teoria darwinista, origem do "elo perdido" dos antropólogos, não é cientificamente coerente com o conhecimento científico atual.

Este romance contribui para que seja despertado o interesse adormecido do público leitor pelos mistérios sobre a origem sapiens, fazendo com que cada leitor participe da descoberta, do nascimento e desdobramento dos eventos históricos neolíticos (neológicos), sobre o “parque jurássico” da origem da espécie humana.

PREFÁCIO DO AUTOR

Ficção Científica: gênero literário que pressupõe uma argumentação que possa ser, ou vir a ser comprovada cientificamente. A Mochileira (Thundra) faz plena justiça a este gênero, mencionado pela primeira vez por Hugo Gernsback, então editor do “fanzine Amazing Stories”, numa crítica ao livro A Cotovia do Espaço, “The Skylark of Space”, de E. E. Smith, em 1926.

Este fazer literário não se restringe aos limites da descoberta experimental. Fosse dessa forma, aceitasse tal restrição, a imaginação dos escritores deste gênero, na segmentação Soft (e na Hard), estaria restrita às fronteiras conhecidas da filologia, da antropologia, da sociologia, da psicologia e historiografia. Assim como o desdobramento das histórias Hard, ficaria reduzido aos conhecimentos da engenharia, da matemática, da astronomia, da física e da química, proibindo, os autores, de ultrapassar os limites estabelecidos pelas leis vigentes do conhecimento acadêmico. Felizmente isto não acontece nas histórias especulativas e extrapolativas desta segmentação do gênero FC.

Não pretendo suprir a argumentação discursiva da polêmica sobre o que é e o que não é fc Soft e fc Hard. FC é imaginação numa só palavra síntese: imaginação: transcender as margens: não limitar o gênero à argumentação acadêmica. Abre as portas da percepção do conceito experimental em direção às possibilidades infinitas.

A característica do estilo Soft impõe-se a partir das ciências humanas: da sociologia enquanto índice de desemprego recorde, ou de populações sofrendo os efeitos de condições extremas da poluição atmosférica e carência de recursos naturais, a exemplo de 2020 (Soylent Green), Fuga de Nova Iorque, Blade Runner (O Caçador de Androides). Nestes romances há a presença da segmentação narrativa tipo Soft, a exemplo de Mad Max 1 e 2.

Os autores softs usam a psicologia pessoal das personagens, os conflitos e a ultraviolência, enquanto crítica ficcional da corrupção desvairada vigente em futuro próximo, a partir de projeções estatísticas atuais e do desdobramento virtual do que está acontecendo aqui e agora na sociedade de mercado neoliberal dos dias de hoje, denominada capitalismo cro-magnon globalizado.

Esses ficcionistas Softs, mostraram, em Verde Soilent uma Nova Iorque com 40 milhões de habitantes alimentando-se de comida sintética, produzida a partir da industrialização de cadáveres. O cenário de “Escape from New York” é o de uma cidade-prisão cercada por altos muros, vigiados pelas forças armadas. Na área interna do muro que cerca a área de proteção, manda e desmanda o “presidente” dos marginais. Um acidente aéreo faz com que o presidente dos Estados Unidos seja mantido como refém, e um legendário piloto da Força Aérea americana, condenado à prisão perpétua, é escalado para libertá-lo. Se conseguir, terá como prêmio a suspensão de sua condenação.

Já a narrativa de Philip K. Dick, Blade Runner, passa-se numa Los Angeles super poluída e superpovoada, na qual convivem habitantes de todas as partes do mundo que nela trabalham e sobrevivem num clima de trágica promiscuidade.

A poluição chegou ao extremo de impedir que a luz solar seja visualizada. Androides, fabricados através da engenharia genética de ponta, Hard, voltam à Terra com o objetivo de fazer contato com seu criador, para obter dele uma sobrevida além dos quatro anos de existência útil para a qual foram produzidos. Após piratear uma nave de transporte de metais, eles voltam. Não lhes é permitida estadia no planeta.

Denominados “replicantes”, são impiedosos e impiedosamente caçados pelo Blade Runner Deckard. Deckard envolve-se emocionalmente com uma bela fêmea replicante, anteriormente destinada à satisfação libidinal de uma colônia de militares. Após cumprir a missão Deckard e a replicante fogem da cidade. Não interessa ao mocinho saber quanto tempo de vida resta a ela, se ela souber usar os dotes da libido e da sensualidade para os quais foi produzida em série.

Em Mad Max a Terra está dividida entre grupos fortemente armados, a lutar pela posse do que restou da gasolina para encher os tanques de motos e carros que migram pelas estradas em busca de inimigos que têm as mesmas fixações por postos de combustível. Tio Freud explicou. A inspiração está nas histórias em quadrinhos estilo Metal Hurlant e Heavy Metal. Os estilos Soft e Hard não raramente interpenetram-se.

A Mochileira (Thundra) conta, na parte Soft da narrativa, como sobreviviam os milhares de jovens, que na década de setenta buscavam um modo de vida fora do muro da vergonha, erguido entre população civil púbere e as salas de jantar policiadas pela ditadura atuante nos níveis da repressão familiar, acadêmica, religiosa e política. A telinha da Globo, na primeira, mais que na segunda década da ditadura, condicionava as pessoas da sala de jantar à aceitação ampla, geral e irrestrita da dita.

Aqueles jovens fugiam do controle familiar, político e social agenciado pelas mídias. As forças sociais avassaladoras, uniram-se, inconstitucionalmente, no sentido de castrar a vitalidade da juventude, tornando-a precocemente gagá, escrava do cartão de ponto, das influências nefastas e homicidas da repressão familiar, político-ideológica, econômica, financeira, burocrática e militar. Como diria Max Weber: “A mais típica forma de domínio legal (e a mais feroz), é a burocracia”.

Nomes que representavam o pensamento erudito daqueles tempos prosseguiram pontificando na “melhor” mídia escrita e tv visiva, âncoras dos principais jornais, como se fossem “ratinhos livres da elite globalizada”, “remanescentes jurássicos” do moderno e pós-moderno, arbítrio letrado e institucionalizado pelas academias ditas de cultura literária (Ph.D).

A Mochileira (Thundra), mostra a rebelião da parte menos quieta da mocidade independente. Personagens que rejeitavam uma realidade social à "Admirável Mundo Novo” ou à "1984", incapazes, graças a Deus, de não se adaptar aos esquemas fechados da burocracia hierarquizada sadicamente.

A parte científica, psicossociológica, deste romance, mostra jovens negando-se a se render prisioneiros de ratoeiras acadêmicas monitoradas pelo autoritarismo. Jovens recusando-se à interpretação de personagens senis em ambientes de teatralização conceitual: familiar, educacional e profissional. Jovens tentando realizar a juventude, para que suas vidas não fossem engolfadas por uma aposentadoria senil, fanaticamente mecanizada, ganha pela terceirização globalizada do cartão de ponto.

O salário lhes compraria a alma e reduziria a nada a possibilidade da bem-aventurança, de querer e poder realizar sonhos, enquanto ainda podiam ser sonhados. Jovens reivindicavam o direito de sonhar, de viver conforme a atualidade da vida, das influências de sua geração. Não gostariam de estar com o tempo comprometido em prol da industrialização desvairada, que investia na posse e no uso de armas de destruição em massa e em projetos de deterioração ambiental, consequentemente mental, com padrões de condicionamento, educação e saúde, ditados pela devastação de recursos naturais em nome do acesso famigerado à industrialização de poluentes.

Estavam sabendo que, há pelo menos três décadas, os motores de combustão interna dos veículos que poluíam (e poluem) a atmosfera, estavam obsoletos, mas não eram substituídos por tecnologias que não degeneram as condições saudáveis do meio ambiente, em razão dos cartéis globalizados do petróleo impedirem que fossem usadas, ou sequer se falassem nelas.

Aqueles jovens à margem da sociedade institucionalizada estavam tentando ser minimamente honestos com suas consciências ecológicas, direcionando seus corações e mentes a viver por motivações de sobrevivência menos rapaces. Recusaram ser pagos para cumprir a tarefa de papagaios de pirata de uma hierarquia sem transcendência, incompatível com alguma mínima espiritualidade.

Carl Sagan costumava afirmar que a ciência não é apenas compatível com a espiritualidade, que ela mesma se constitui numa profunda fonte de espiritualidade. Aquela geração "Pé na Estrada", com amplo conhecimento intuitivo do que as gerações precedentes queriam dela, tentava seguir numa direção em que essa espiritualidade pudesse, de alguma forma, ser preservada, e não avassalada pela ideologia predatória do lucro a qualquer preço, da globalização tecnológica dos instintos cro-magnon.

Naquela época dormir no sleep-bag ou não, significava uma atitude vital de liberdade, ou conformista. Sonhos sim, utopia sim, fora de uma estrutura perversa, maligna, onde sonhar ficou sendo uma tarefa impossível, dentro da qual ecoaria a frase de Lennon “o sonho acabou”, e a música de Gil ““quem não dormiu no "sleeping-bag" nem sequer sonhou””. Precisava-se de trabalho auto direcionado, autodeterminado, fora dos interesses desse Estado Armageddon das intencionalidades: o Estado político, econômico, repressivo, globalizado.

A Mochileira (Thundra), conta a história da juventude que faz a vida acontecer diferente. Que deseja ser dona da sua alma: pessoal e coletiva. O jovem sabe que para isto acontecer, tomar posse de sua vida interior, é preciso ser dono da própria rotina, pelo menos enquanto medita sobre o que significa estar no mundo.

Estar no mundo para servir a quem? Com que objetivos? A mocidade construía uma História, uma lenda pessoal, fora da história padrão. Esses jovens honraram o significado semântico da palavra geração, juventude: o conceito histórico mais importante que existe. Quixotescamente criaram modos alternativos, fendas de escape da camisa-de-força do tempo real. Recusaram-se a aderir a rotina do cartão de ponto, nela os melhores sonhos de suas vidas viraram pó. O sonho ainda não havia terminado.

Dizia-se: “O que você faz é o que você é”, em contraponto ao muito repelido, porque muito usado num contexto fascista, “diga-me com quem andas e te direi quem és”. Humor Amor para esses jovens numa palavra oswaldiana, significava amar e ter motivos para sorrir, “soltar a franga” da imaginação. Buscavam um espaço de liberdade a partir do qual abandonaram as atuações no palco de uma realidade repressiva, dantesca: “Faça Amor, não faça a guerra”.

O romance A Mochileira (Thundra), mostra que ser “hippie” nos anos setenta não significava estar livre de enfrentar as estruturas oficiais que espalharam, como uma peste negra, a censura e a síndrome do pânico nas redações das mídias falada, escrita e tv visiva. A paranoia e o medo disseminados entre membros civis da população, proibidos de trocar ideias em grupo. Parece ficção, mas não é: nos “anos de chumbo”, três pessoas levando um lero, trocando ideias na mesa de um bar, na sala de espera de um cinema, ou numa sessão de teatro, significava uma reunião de aparelho subversivo.

Havia sempre um agente repressivo saído dos porões da necessidade de sobrevivência, para intervir e ordenar: — "Dispersa, dispersa". — "Tá proibido reunião em grupo". — "Sem essa de comitê” — "Vamos parar com os discursos". O bicho-papão existia mesmo. Se as pessoas continuassem falando entre si, seriam, não raras vezes, espancadas in loco, e conduzidas em viaturas policiais, levadas em direção a algures. Os familiares dificilmente voltariam a vê-las.

A truculência repressiva se fazia presente nos acampamentos, as pessoas de cabelos longos tinham de aguentar a presença dos beleguins de fardas que não raras vezes ameaçavam e reprimiam com virulência, farejavam as mochilas e os espaços das barracas, na ânsia de promover um flagrante de maconha que pudesse satisfazer provisoriamente as perversões ideológicas e o sadismo, enquanto formas aceitas, institucionalizadas, de repressão, impostas pela cultura oficial.

Jovens cercados pela tirania institucional por todos os lados. Ilhados, desesperados psicologicamente porque não tinham sonhos, só pesadelos com que sonhar. Da cultura “hippie” surgiu a alternativa para os filhos da pequena burguesia. E da burguesia. Os raros filhos, os que se recusaram a vender a alma em troca de um salário pago pelo sistema do cartão de ponto, pela vida profissional e emocional sem sonhos. Recusavam-se a seguir o lema nazista: "nossa honra é obedecer".

Quem servia ao salário do pesadelo não tinha tempo para sonhar. Todos sabiam facilmente somar dois mais dois: não eram apenas as horas de trabalho, era a própria alma que estavam vendendo ao diabo, vinte e quatro horas por dia.

As alternativas não eram exatamente ultrajantes: "Pé na Estrada" ou o Coma na doutor Eiras, induzido pelo choque elétrico e a hipoglicemia.

A Mochileira (Thundra), mais que ficção Soft, é a História censurada desses livros curriculares de história. Da história que, segundo um general que contribuiu para a mudança dela, “não passa de uma fábula sobre a qual todos concordam”. É o horror “Hard” dos campos de concentração da cultura repressiva em plena década de 70, revivendo os métodos de uma mente doentia que na Alemanha da década de trinta, aos meados da de quarenta, transformou-se na Disneylândia paranoica e sádica no reino unido do Eixo de Hitler.

Cercado pela polaridade virulenta da confusão ideológica direita-esquerda-volver, eu lia tudo que se traduzia, em português e espanhol, sobre esse mundo semântico paradoxal, os romances de Huxley, Orwell, Heinlein, Bradbury, Farmer, K. Dick. E me perguntava: Como uma literatura poderia ser científica e ao mesmo tempo ficção?

Ciência é procedimento experimental estabelecido enquanto verdade institucional nas áreas de humanas, biológicas e exatas. Ficção é ficção, como pode ser científica, se não faz parte do conhecimento institucionalizado, aceito e ensinado nas academias de exatas?

Descobri que a parte ficcional da literatura que eu estava lendo, O Planeta dos Macacos, Fahrenheit 451, É Proibido Procriar, mantinha estreitos elos de ligação com as ciências humanas. A Mochileira (Thundra), escrito na década de noventa, afirma-se enquanto simbiose, exercício mental, vontade de saltar, literária e olimpicamente, o muro da vergonha da criação intelectual que separa o imaginário anglo-saxão do imaginário da ficção criada na América Latina.

A leitura de As Noites Marcianas (Fausto Cunha), Eles Herdarão a Terra (Dinah Silveira de Queiroz) editados por Gumercindo Rocha Dorea, fazia acreditar que haveria futuro na FC brasileira, mesmo porque eu tinha em mãos a primeira Antologia Brasileira de FC que incluía ainda outros autores: Antônio Olinto, Jerônimo Monteiro, e do mesmo editor, Histórias do Acontecerá, com contos de Álvaro Malheiros, Leon Eliachar, Ruy Jugmann. Posteriormente, li Além do Espaço e do Tempo, uma antologia de autores nacionais, editada pela Edart, com contos de André Carneiro, Clóvis Garcia, Rubens Scavone, Álvaro Malheiros, Nelson Leiner, Nilson Martello e outros. Na coleção “Argonauta”, editada em Portugal, havia a presença dos mais destacados autores estrangeiros.

A estrada proporcionou a este autor, bons momentos de leitura da Ficção Científica. No Primeiro e Segundo Livros de A Mochileira, o leitor mais atento identifica influências, questionamentos e experiências psicológicas da ficção científica Soft. Há a historiografia dos eventos realistas narrados, não-ficcionais, incluídos nos desdobramentos “Hard” do texto, presentes também no Terceiro Livro.

O romance (Thundra), mostra que não é nada fácil, mesmo a curto prazo, manter uma mentalidade, um espaço de liberdade, fora dos padrões de sobrevivência do mundo institucionalizado. Esta experiência pessoal e coletiva, de membros de uma geração que enfrentou as intempéries da contestação do poderoso Sistema, merece uma memória, não deve fazer-se pó, poeira do esquecimento. A nova gênese tem direito à História não narrada nos livros oficiais. A memória do segmento de uma geração de cabelos longos e ideias para depois do ano 2000, dá-se às novas gerações através deste livro.

Uma geração que parecia gente de ficção, garimpando um espaço espiritual, interior e externo, de liberdade. Viver não é, nem era, brincadeira não, é viver fora do padrão do patrão, pode ser uma experiência de criatividade, um salto “existencial” com descobertas, estilo Tamino, da Flauta Mágica de Mozart.

A Mochileira (Thundra) traz uma mensagem de Paz. Paz sem poluição mental, ambiental. Paz. Zen. Nas páginas deste romance lê-se a possibilidade de mudança, para melhor, da busca pela conquista de um espaço não gerenciado por qualquer forma de opressão. Sonhos, no mundo real, sempre poderão ser sonhados: individual e coletivo, interno e exterior, telúrico e cósmico, Soft e Hard, igualzinho ao mundo da ficção científica.

L I V R O P R I M E I R O

HISTÓRIA: AME-A OU DEIXE-A (“Penso que a racionalidade mais profunda implícita em toda operação literária deve ser buscada nas necessidades antropológicas a que essa corresponde." —— Ítalo Calvino: Seis Propostas para o Próximo Milênio)

Cães policiais presentes em todos os lugares. Os corpos docente e discente da USP se reprimem exercitando a deduragem. Estudante de História, não entrei na universidade para participar ou ser conivente com esse estado de coisas. Cercado por um clima de guerra-fria, dedurismo e perseguições, sinto-me deprimido com a universidade e com meu país.

Urge uma atitude objetiva para sair do impasse. Segundo meus critérios de avaliação, existem duas opções: permanecer falando de lado e olhando para o chão, ou tentar um feito olímpico: saltar o muro da vergonha para o outro lado de uma vivência alternativa, modelo pé na Estrada.

Pelos meus estudos sobre os métodos de domínio psicossocial do nacional-socialismo, os governos militares seguem a metodologia política da Alemanha de Hitler. Chega de fazer sala nesse contexto imobilizador, tendo a perplexidade por companheira de tensões. Não quero me transformar em mais um membro apatético de uma classe média amordaçada. Até a alma.

Tranco a matrícula na faculdade de História. Criei a possibilidade de trilhar um caminho à Santiago de Compostela. Cedo à compulsão vital de me distanciar das seis paredes do campus: do ambiente de policiamento ostensivo, emocional e ideológico mal disfarçado.

Planejo conhecer o litoral do estado vizinho. Vencer os preconceitos bairristas de uma educação caipira do interior de São Paulo. Para me capitalizar, vendo meu fusca meia meia. Deposito sessenta por cento da grana numa caderneta de poupança e, de mochila nas costas e barraca em punho, sigo Estrada rumo ao Rio de Janeiro.

Escrevo um bilhete lacônico para os "velhos". O fato de estarem ausentes de casa facilitou as coisas. Desembarquei na rodoviária do RJ às oito horas da manhã de um dia solar. Tânia, ex-militante política e ex-namorada, disse certa vez que os hotéis da rua do Catete, próximos ao Largo do Machado, oferecem um ambiente mínimo de conforto a preços atraentes. Lembrei dela e sigo sua "dica". Trago comigo o peso de sua recente perda.

Difícil encontrar quarto vazio nesses domicílios provisórios, em pleno verão tropical. Ao chegar na portaria de um hotel, seis turistas argentinos estão liberando alguns cômodos. O pagamento de três diárias, adiantado, mais a gorjeta na portaria, permitem-me preencher a ficha de hóspede na ala mais popular do aluguel de quartos. Dato e assino a ficha: RJ, l5 de setembro de 1971. Se não falha a memória, uma quarta-feira.

Pouco mais tarde sigo em direção aos bairros mais badalados da zona sul. Chego num bar com mesas na calçada, altura do Posto Seis. Após dois chopes, o garçom informa que, para chegar a Ipanema, basta seguir a onda dos carros. Sigo a pé até outro bar de nome "Barril". Ao lado de minha mesa estão presentes alguns personagens festivos da nacionalidade.

No dizer de um deles, estão ali para traçar a "feijoada nossa de cada quarta". Três deles são jornalistas de um hebdomadário que tinha por logotipo um rato. No calçadão da praia, a poucos metros, a presença de hippies entre banhistas de sungas e garotas douradas bem vestidas de "band-aid".

Um casal de cabelos longos zanza por entre as mesas com ofertas de artesanatos. Alguém do grupo das personalidades comenta:

— "Olhaí" o pessoal alternativo curtindo o direito de cidadania. E dizem que não há cidadania pra eles.

Um badalado general quatro estrelas, autor do livro muito procurado e nunca encontrado nas livrarias, "História Militar do Brasil", protesta:

— O direito de cidadania dessa rapaziada é um prato-feito por dia, ou dois sanduíches de mortadela, com queijo e Coca-Cola.

— Não têm nada a perder. Mas parecem vencidos pela modorra — argumenta um conhecido arquiteto comunista, habitante de um luxuoso apartamento de cobertura na Lagoa Rodrigo de Freitas.

— Nem todo mundo pode mamar nas tetas da vaca Brasília — ironiza um jornalista.

O arquiteto faz que não ouve e exclama:

— Beleza pura, ir à luta sem um ginasial no bolso. No lugar deles eu encararia sim, mas outro tipo de batalha.

— Tudo bem, neste país, afora os dez por cento, todo mundo é classe "C". Retruca um repórter: muitos deles trancaram matrícula das faculdades. Tem muito filho de milico alta patente na Estrada.

— Essa gente boa não precisa estar tão à-toa. O general ignora a liberdade da condição hippie.

— Essa gente simples precisa é de uma liderança que ensine os rudimentos do que é cidadania, afirma o arquiteto, um "che" Guevara brasileiro basta para atiçar os ânimos, a dignidade pessoal, os brios.

— Não sei não, aposta o cineasta, o Brasil é um pouquinho maior do que a ilhazinha do Fidel.

— Falta tônus vital, cultura e civilização, reage o general, revolução popular precisa de lideranças políticas fortes. "Cadê" as do Brasil?

— Isso Papai-Noel não dá de presente de Natal, ele mesmo responde.

— A classe política não dá nada pra ninguém, só lero-lero e prejuízo, fala o segundo jornalista. Indicador em riste, ele dá sinais de estar muito doidão de batida de vodka com limão.

— Aí é que você se engana, cara, a classe política dá tudo o que o capital estrangeiro quer, tudo mesmo, reafirma o general. Esses milicos estão a hipotecar o Brasil para os banqueiros do tio Sam.

Sem se dá por vencido, o jornalista doidão responde:

— Pra brasileiro médio eles só dão mesmo é porrada, impostos, corrupção e censura.

— "Panis et Circenses", meu caro, a corrupção está dolarizada, confronta o arquiteto.

— O golpe de 64 construiu uma estrutura jurídica voltada para garantir os interesses multinacionais, garante o general: os milicos amparam a apropriação do maior tesouro mineral do mundo, protegem empresas estrangeiras, criam leis para particulares abrirem portos, investem em transporte ferroviário com dinheiro do Estado, subscrevem contratos de exploração mineral a longos prazos e com tarifas mais que reduzidas.

— É o saque institucionalizado das riquezas minerais da região Norte, protesta o arquiteto, o Código de Minas dos militares...

— Decreto-lei 227, confirma o jornalista biritado.

— Só não acabou com a Cia. Vale do Rio Doce, porque até membros do Conselho de Segurança Nacional reagiram contra esse escancaramento.

— O novo Código suprimiu o monopólio de minérios nucleares ——complementa o general, estabelecido em favor da União no governo de Getúlio Vargas.

— Lei 1310, de 15 de janeiro de 1951, intervém outra vez, com voz excessivamente afetada pelo excesso etílico, o jornalista, que talvez fosse também advogado, ou tivesse escrito matéria recente sobre monopólio de minérios.

A conversa da ilustre patota deu no saco. Esses caras estão na maior doce vida. Pensei. O "barato" deles é levar vantagem no negócio de polemizar. Ser contra dá Ibope e grana. Desligo a atenção da festiva antropofagia das esquerdas biritas. Elas se divertem fazendo halterofilismo de copo e revolução de boca nas mesas dos bares. Como “sofrem” esses representantes da "inteligência" festiva com a miséria política.

As manchetes dos jornais faturam horrores com a violência sensacionalista desvairada: assaltos a bancos, sequestro de aviões, pessoas desaparecidas, censura ampla, total e irrestrita. A impunidade dos crimes da ditadura era garantida pelos governos militares. O terrorismo oficial e paramilitar explodindo bombas em "shows" de música popular e nas bancas de revistas.

Para contrabalançar o esquemão da barbárie institucionalizada e do besteirol geleia geral, a presença da qualidade editorial da "Revista da Editora Civilização Brasileira".

Uma realidade para Dante nenhum botar defeito. Os Beatles lacônicos: "Let it Be". Os Stones, mais atuais, clamam: "Let it Bleed". Janis Joplin ironiza desesperadamente a filosofia antropofágica do consumo pelo consumo, cantando as delícias de rodar em seu "Mercedes-Benz-Blue". Numa intensidade anímica absolutamente soul.

Bob Dylan afirma que a resposta, meu amigo, está no soprar do vento. Caetano traduz a geleia geral ambiental: parte de uma geração órfã de pai e mãe: "Caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento, num sol de quase dezembro..."

Hendrix interpreta a parte sã da alma coletiva dos Estados Unidos, dedilhando a guitarra em protesto e revolta contra o complexo industrial-militar da violência na guerra do Vietnam, como que substituindo a letra do hino do país do "tio" Sam, pelos versos de Morrinson, muito mais apropriados que a letra original do "Star Spangled Banner":

"Teme os mestres/Que coabitam conosco/Os mestres estão entre nós/Feitos de covardia e preguiça/O homem novo/Candidato a soldado/Escolheu seu pobre destino."

O boom do LSD. As viagens psicodélicas ao interior de si mesmo. Enquanto no mundo exterior, o complexo industrial-militar fazia do sudeste asiático um campo experimental para as novas estratégias militares da guerra-química. Tudo em nome de um monte de cimento armado denominado "estátua da liberdade".

Milhares de americanos queimam, em protesto, na praça do Capitólio, seus cartões de alistamento militar. Dylan instiga: É preciso ser muito honesto para ser um fora-da-lei.

Para poder ouvir e pensar essas influências, necessário estar fora do útero podre do sistema que as gera. Preciso do contato essencial com a contrainformação representada pelo cinema de Buñuel. O Teatro de Piscator, a dramaturgia brechitiana. O "neorrealismo" brasileiro denominado Cinema Novo, representado pelo talento de Glauber Rocha: o Teatro da Crueldade redivivo. O Teatro do Oprimido de Boal.

Mais: as obras literárias do marquês de Sade, de Marcuse, W. Reich e Henry Miller, servem para ajudar as cabeças a acompanhar a velocidade de Fórmula-Um dos eventos, tal como as drogas alucinógenas consumidas em caráter experimental pelos habitantes do outro lado do muro da vergonha.

À revolta contra os padrões estabelecidos pelos "imobilizadores", soma-se a força poética da frase: “A coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol.”

De madrugada, no quarto de hotel da rua do Catete, abro o livro de versos de autoria do roqueiro Jim Morrinson, The New Creatures, e leio as frases: Nas antigas comunidades/Todo estrangeiro era tido/Por perigosa ameaça.

Estrangeiro, neste momento político dantesco, é qualquer brasileiro que mencione a palavra eleição. Ela está no "índex" da ditadura. Em 1971 o país sobrevive segundo modelos políticos e econômicos anacrônicos, medievais. Os generais da ditadura não frequentaram nenhuma escola de humanismo. Seu modelo incondicional: a metodologia militar de Hitler.

Não desejo desperdiçar minha juventude sendo indulgente para com as manobras de controle psicossocial do autoritarismo desvairado. Na Estrada, nesse outro lado do muro da vergonha, há riscos a ponderar.

Nela, existe tempo livre para a mente decidir em que e por que pensar. Há a paisagem a céu aberto e a areia das praias para se trilhar. A passagem das marcas dos pés, que logo desaparecem sobre a superfície úmida da areia da praia, é como versos que as ondas ajudam a escrever na rápida transitoriedade do tempo pessoal.

A GAROTA DA TRAVESSIA

No entardecer do sábado, estou a ingerir um chope numa mesa de calçada de uma pizzaria frente à praia do Leme. Aproxima-se uma garota com ofertas de artesanato. Oi — insinua-se. — Olá, respondo, tudo bem? É apenas uma garota hippie, simpática, pele bronzeada, cabelos castanhos encaracolados, querendo vender seu peixe.

— Senta aí, toma um chopinho. Fica à vontade.

Finjo interesse por uma série de “bottons”, e por outras bugigangas presas ao longo de uma estola negra pendente de seu ombro direito. Veste camiseta curta, cor laranja, e uma saia longa, azul-claro, transparente, com modelos florais.

Os peitinhos cheios e arrebitados, bicos grandes, redondos, oferecidos, como se querendo transpor a fina espessura do tecido. Oferta de intimidades. Garota comum, sensualidade à flor da pele:

— Tudo bem. Mostro umas coisas, quem sabe você gosta. Paulista, certo? Está a trabalho? pergunta, como quem sabe a resposta.

— A cor da pele me entregou.

— Seu sotaque, a aparência de quem programa o dia seguinte.

— Ahh. Sei, beleza este trabalho. Você, que faz? Indago, olhando pequenas pulseiras ornadas com pedras que imitam as cores de pedras preciosas, ela as retira de uma bolsa escura que estava no interior de outra, castanha.

Parece limpa essa “perua”, tem presença, vidio as coxas através da transparência da saia, pinta um certo tesão.

Certa sujeição subjetiva, sob forma de tênue sugestão psi, ganha força em algum lugar de minha mente. Um estímulo latente, não manifesto ainda. Gosto disso, mesmo sem saber o que é.

— Qual seu signo? Mesmo não tendo signo algum.

Após ouvir a resposta, discerne sobre minha vida emocional e meu poder de sedução. A vontade obsessiva de exercer controle sobre tudo. Disse de minha sexualidade, do timing emotivo lento com as pessoas, até mesmo depois de adquirir certa confiança nelas.

Disserta sobre a face obscura de meu signo. Do desejo impertinente de obter conhecimentos. Fala ainda de minha carência de fé e de esperança. Da aversão que mantenho por assuntos esotéricos tipo Astrologia.

Está fazendo balançar minha crença de que Astrologia é bobagem. Ao discorrer sobre a vida afetiva incipiente, enfatiza minha habilidade em abrir caminho para uma relação amorosa intensa. Mesmo acontecendo a paixão, diz que quase sempre contenho as emoções. Que pouco me permito ceder a elas. Afirma minha disposição mínima para o envolvimento a longo prazo.

Volta agora a se intensificar aquele estímulo apenas latente, presente dentro de minha mente, que mal consigo identificar. Ele agora se manifesta de forma mais consciente: "Você quer? Ganhe-me para você". Hesito. Talvez não esteja preparado para uma experiência dessa. Afinal, quem está?

Na vida adulta, ao se ultrapassar o cabo da boa esperança, pouco pode existir de melhor do que colher os feitos de uma mocidade viril. Meu olhar se desloca de suas coxas em direção ao longínquo horizonte. Exclamo: intenso esse visual. A Mochileira, segurando um pedaço de cristal azul na palma da mão esquerda, afirma, como quem crer realmente no que está falando:

— Esta pedra desobstrui os bloqueios da mente. Você acha tolice, não é? Quem usa, ganha melhor condição de vencer a "couraça de caráter". Abre caminho para a visão interior do conhecimento instintivo.

— Não, claro que não. A pedra existe, para algo mais que adorno há de servir, concluo cartesianamente.

— Mais que azul, é índigo blue mesmo. Seu nome é sodalita. Pegue, segure-a na palma da mão. Sinta-a.

— Ahh. Certo, claro, exclamo, fechando-a na mão destra.

Sentindo minha ansiedade crescer, por estar de posse, ainda que provisória, de um objeto que não me pertence, ela insiste em ser solícita.

— Segure mais um pouco. Um pouco mais, sem pressa. É sua. Você a ganhou pra você.

Meus olhos voltaram-se para suas coxas. Os pelos pubianos escuros, saltando fora dos limites da curvatura da calcinha. Ressaltando a delícia de seu sexo.

— Índigo blues, você lê pensamentos.

— Basta ser natural, instintivo, para se comunicar por telepatia.

— Todos têm instinto, são, uns mais outros menos, telepatas.

— Maior parte das pessoas perde esse dom muito cedo. Habituam-se a pensar o que terceiros pensariam se pensassem alguma coisa.

— Faz sentido.

— Acontece que as pessoas se transformam em instinto apenas, têm olhos para ver só suas necessidades, as mais primárias. De que vale a telepatia se passam a vida contemplando o próprio umbigo? Pensar, conclui, fica sendo exercício mental reservado a poucos privilegiados.

Pintou um clima que pouco tem com compra e venda. Adquiro, para ser simpático, uma serpente de pano, com minúsculos olhos brilhantes de cor verde. Amanhã mando de presente para Márcia em Mirassol, via correios. Até onde sei, ela deve estar na Estrada. Alguém entrega para ela, quando voltar para casa, se voltar. Armando a cobra em espiral, mentalizo: Ela vai gostar.

Encontrei a Mochileira há pouco mais de uma hora e já estamos íntimos. Falei dos motivos que me fizeram trancar matrícula no terceiro ano do curso de História da USP, e sair fora de São Paulo. Achou muito natural minha atitude. Na sequência do lero, falou ser hóspede do apartamento de uma amiga, proprietária de uma butique em Ipanema.

— Não é longe, podemos ir caminhando. Prossegue falando de sua amiga: "A Isa é esperta, une o útil ao agradável. Seu namorado é seu sócio. Está viajando para Manaus. Comprar na Zona Franca dá lucro. Volta em quinze dias. O apartamento está por nossa conta".

— Sei. "Vamos chegar?" Para minha surpresa pagou metade da conta. Seguimos a pé até o apartamento situado no primeiro pavimento de um prédio na Visconde de Pirajá. No andar térreo está situada a butique.

Ao entrarmos, lemos o bilhete suspenso na porta do quarto por um fio de fita durex: "Weekend em Búzios. Esteja a vontade. Beijos. — Isa".

Amô acende uma linha de incenso odor olíbano e outra de mirra. A fita começa a tocar uma música algo estranha, mistura de Stravisnky com canto gregoriano. Transmite a sensação de uma jornada épica, ao mesmo tempo em que intensamente íntimo, o som integra-me.

No banho refrescante, beijinhos começam a acontecer. Ela veste uma camisola transparente. Começo a massagear suavemente seus ombros. A carícia da ponta dos dedos circula por meus bagos, umbigo e mamilos. Ao beliscá-los, um choque de pequena voltagem perpassa-me o corpo, até os dedos dos pés arquearem.

A sonoridade hipnótica da música que ela balbucia acompanha os movimentos de suas mãos por meu abdome. Sobre ele espalha lentamente um óleo de aroma suave, muito suave, como a marcar o ritmo dos gestos, a expressão corporal. O tesão a se intensificar, ainda que contido nos limites integrativos do mútuo, crescente e disciplinado desejo. Como se seguindo um roteiro anímico, deliciosamente imposto pela estupefaciente sonoridade.

Espalha o óleo sobre a ereção, perpassa a língua pelos bagos. Introduz o pênis na boca, os dentes arranham de leve a superfície verticalizada. Os lábios sobem em direção aos meus. Ela começa a cavalgar, amazonas de habilidade indescritível, sobre ele. A camisola transparente, os seios empinados roçam meu rosto. As mãos tecem meus cabelos e a volúpia dos pensamentos. Meus dedos penetram no espaço entre coxas. Massageiam a parte interna dos lábios de sua vagina molhadinha. A ponta da língua lambe ávida e contida os bicos oferecidos dos peitinhos.

Calor afrodisíaco nos envolve, como se fosse um cobertor a proteger das variações térmicas fora dessa fronteira, onde só o prazer faz sentido. Seu órgão muscular carnudo, alongado, da cavidade bucal movimenta-se em câmara lenta, na direção do cerne de minha mente, invadindo suavemente os orifícios de meus ouvidos.

O desejo multinterativo interpenetra-se. Eros e Psiquê protegidos pelo prazer, após a jornada através do mundo dos mortos. Satisfação e êxtase. Minha cabeça apoiada na almofada marroquina, movimenta-se para trás, enquanto meu corpo, num ritmo lento e contínuo, é deliciosamente cavalgado por ela. Fecho os olhos, abandono-me a esta deliciosa dominação.

Ao baixar o queixo vejo-a, cabeça para trás, a mão direita sobre um seio, a esquerda sob o outro. Minhas mãos chegaram-se a eles, apertando-os carinhosamente, enquanto os músculos de sua vagina contraiam-se com gradativa intensidade.

Os sussurros crescendo até começarmos a murmurar um mantra de lobos. Num momento estávamos a uivar. Um fluxo de líquido quente brotou de sua vagina, como se fosse ela a fonte de todas as delícias. A terceira margem do rio jorrou do pênis para dentro dela em fluxos de surpreendente abundância. Foi o primeiro orgasmo de minha vida. A manhã chegou depressa. Raios de sol adentram a janela do quarto, como se querendo flagrar nossos corpos fazendo sexo. Lendo meus pensamentos murmura:

— Sol voyeur este.

Sim, somos compatíveis. Podemos conviver em harmonia, presumo, dentro do exíguo espaço de uma barraca de camping. Por longo tempo. Sinto-me energizado. A delícia do prazer é um universo paralelo ao mundo dos conflitos e da dor. Faça o amor, não faça a guerra. Começo a compreender o que significa esta frase.

Depois do café da manhã, ao meio-dia, quero ir caminhando até a rua do Catete. Ela diz como chegar ao hotel seguindo pelo Jardim Botânico. Não é perto, mas minha disposição é grande. Sigo suas instruções. Combinamos estar aqui no apartamento às 22 horas. Anoto o endereço. Pago mais três diárias no hotel, estou quite até amanhã, segunda, às 12 horas.

À tarde assisto a um movie. Cinema Paissandu, na rua do mesmo nome, próxima ao hotel. O nome do filme, algo apocalíptico, "O Anjo Exterminador", direção do espanhol cosmopolita Buñuel. Meus conhecimentos da sétima arte são limitados, porém, creio, esse filme está na lista dos dez melhores do planeta.

Reencontro a Mochileira na praça N. Sra. da Paz, imediações do apartamento de Isa. Ela tinha transado um “button” com desenho de um logo signo astrológico, por dois ingressos para uma peça de teatro escrita por José Vicente: "Hoje é dia de rock". Estou escrevendo este livro há duas décadas dos acontecimentos vividos. A memória, porém, é nítida como se os estivesse vivenciando hoje.

Chegamos ao Teatro Ipanema pouco antes da peça começar. Um cartaz indicava a direção de Rubens Corrêa. Com Isabel Ribeiro, José Wilker e o próprio Rubens Corrêa. Paulista, sem vínculos com o bairrismo caipira, parcial, posso analisar a peça sem as sequelas da "guerra-fria" psicológica alimentada entre os dois estados fronteiriços, por mentalidades tacanhas. A maturidade de minha experiência me exime da suspeita de parcialidade.

As interpretações careciam de consistência dramática. Exceção de Isabel Ribeiro. A porralouquice tragicômica atraía milhares de espectadores apatéticos. A patuscada era um sucesso de público, apesar da direção flutuante, inconsistente. Apenas um happening para faturar um público absolutamente carente de eventos culturais sobre uma realidade emocional incandescente.

Público modelo "qualquer lazeira me diverte". Sem nenhum preparo para exercer consciência crítica. A peça, parte de um nacionalismo cultural antropofágico: "É nacional, vamos prestigiar".

A repressão cultural da ditadura, através da censura, amordaçava a dramaturgia, o cinema, a literatura, a poesia, o jornalismo. Restava-se explorar o mais superficial e oportunista entretenimento. Os atores se divertiam ganhando fama e grana com a peça. Hoje, mais de duas décadas depois e, quem diria, no Brasil ainda "agora é dia de rock".

OS PRIMEIROS PASSOS (“A Profundidade está escondida. Aonde? Na superfície." —— Hofmannsthal).

Segunda-feira de madrugada entramos num ônibus em direção à Praça Quinze. Fizemos a travessia da Baía de Guanabara via "Cantareira". Nossa jornada litorânea começou em Itaipu, aonde chegamos de coletivo. Acampamos perto de Itacoatiara, apropriada para surfistas e banhistas e há os que se divertem a "pegar jacaré".

É um divertimento popular. A prancha é o corpo. Acompanha-se o impulso da onda quando ela começa a subir. Sobe-se com a massa da água, o corpo dentro dela, só a cabeça e os ombros de fora, deslizando na velocidade da onda, acompanhando seu impulso até ela quebrar na areia rasa.

Dezenas de barracas. As pessoas nas praias em busca do alimento essencial: espaço e ar livres de policiamento ostensivo. O melhor capital de giro espiritual ainda é a liberdade. Não a megalomania insensata: a passividade de cimento da estátua.

Não estou apreensivo com meu futuro. Sei que depois da aventura na Estrada, tenho a garantia de ter para onde voltar e ser aceito. Ahh, a possibilidade de ter por lar, exceto outro dia nômade.

As refeições diárias mais indispensáveis são as que alimentam as emoções das descobertas. Mas não se negligencia arroz, outros grãos, açúcar, manteiga, pão, Nescafé, água de coco e das refeições em bares não se excluem cerveja nem proteínas de carne.

Caminho até a Prainha, uma enseada de águas tranquilas. Um hippie aproxima-se e pergunta se estou a fim de uma pedra. "Doze horas de pauleira, mano, vai por mim, cara, é quente".

Não estou sabendo o que é uma pedra ao certo. Nem quero dizer que ignoro. Como toda mercadoria tem seu preço, ganho tempo perguntando.

— Quanto vale? Você usou?

— Só metade, irmão, incrementa demais a cabeça. As ideias ficam à mil por hora.

Com certeza a Fórmula-Um perde longe para essa velocidade, pensei. Está falando de um barbitúrico, ou de ácido lisérgico? ainda na ignorância da oferta.

— Está em cima? dá pra sacar?

Da dobra da camiseta ele tira um papel transparente com alguns quadradinhos acastanhados.

— Cê parte em dois, bate em dez minutos. Este AC é da pesada, “brother”. Podes crer.

Havia lido "O Céu e o Inferno", do autor inglês Aldous Huxley. Não quero arriscar fazer uma viagem dantesca. Nessa coisa sou conservador. De dantesca basta a realidade.

— Não leva a mal, amizade, sou devagar nesse lance. Não tenho nada contra, não é a minha, falou?

— Tá limpo “brother”, dei um toque porque você e a mina estavam fazendo a cabeça com uma verdinha esta manhã, conclui. Se é careta eu não chego.

— Normal. Minha cabeça não vai além de uma verdinha. Isso aí, cara, vai firme, de leve.

O LSD pode ser uma boa experiência, mas estou inseguro para lidar mais profundamente com minha subjetividade. Tenho cisma de embarcar com velocidade na trilha do autoconhecimento, através do atalho subjetivo, do zen instantâneo fornecido pelo ácido. Estou inseguro para me apropriar de mim mesmo.

A natureza não anda aos saltos, não imita o Canguru. Estou devagar nesse lance. Conhece-te a ti mesmo é a coisa mais difícil do mundo. Quem se conhece, conhece tudo o mais. Convém não violentar meu ritmo subjetivo de autoconsciência.

Noite adentro e de madrugada, o ambiente improvisado do acampamento ao ar livre, parece uma paisagem primitiva. Suas fogueiras de galhos e folhas secas, resíduos vegetais da mata tropical atlântica. Pessoas agrupadas em volta das chamas, a se aquecerem, como na "idade do fogo", fora dos abrigos nas madrugadas frias.

A verdinha, fator de sociabilidade importante. Os hippies, gregários como os pássaros, voam em bando. Buscam a companhia de outros para voar em grupo: trocar ideias e impressões. Os bloqueios mentais somem provisoriamente. A mente fica livre para pensar. A troca de ideias, uma maneira, maneira de lavar a alma das neuras.

Surge a possibilidade de cooperação, confiança recíproca, proteção mútua, solidariedade. Quando se está exilado, marginalizado dentro do próprio país, aprender a ajudar-se mutuamente é uma questão de sobrevivência elementar.

O exilado político que segue para o exterior através dos trâmites burocráticos de uma embaixada, está numa situação muito mais cômoda do que o exilado interno. Esse, prossegue cercado por uma política econômica e emocional de silenciosa e incômoda rejeição.

As diferenças de aparência são também diferenças de essência. Os hippies brasileiros são vítimas dos mesmos modelos de preconceitos que os negros do sul dos Estados Unidos.

Os cabelos longos, a mochila, a vida nômade, representam uma intolerável agressão ao status quo. Os caretas criam um clima de hostilidade física e anímica, sub-reptícia, verbal. Eles não querem questionar nada. Nunca. E esses jovens estão a questionar tudo, todo tempo.

O "cimento armado" do muro da vergonha subjetivo, é bem mais denso do que o concreto cristalizado, endurecido, fossilizado, dos edifícios. Itaipu está muito policiada. À noitinha houve uma batida policial. Um informante dos "hôme" dedurou a presença de erva numa tenda.

A cana chegou e deu uma geral nas mochilas e barracas. Como não encontrou nada nessa primeira investida, pode ser que volte amanhã, ou mais tarde. Eles sempre estão farejando motivos para reprimir.

Comigo estão cinquenta gramas de manga-rosa, entocadas num espaço restrito da mochila, difícil de localizar. Porém, numa operação de repressão policial "pente fino", melhor não arriscar flagrante.

Visando sair fora da proximidade da repressão, combinamos atravessar um trecho da serra da Tiririca, após voltarmos de ônibus até determinado trecho da Estrada que dá acesso à subida da serra rumo a Itaipuaçu.

Às 22 horas um grupo de pessoas começa a escalada que conduz à praia de Itaipuaçu. Apenas começamos a caminhar, a sirene de vários carros de polícia se faz ouvir. A ação é conjunta, militar e civil, todos ansiosos por reprimir, passam fazendo a maior zoeira. Os carros em alta velocidade, como se estivessem apostando corrida, ou superlativamente ansiosos por fazer vítimas.

Um deles para perto do lugar onde estávamos há poucos minutos. Parte do pessoal do grupo que não apressou o passo submete-se ao vexame de ser revistado, as garotas apalpadas, as mochilas devassadas. Melhor seguir Estrada, ouvir a zoeira amiga das cigarras e dos grilos habitantes da mata tropical atlântica. Ou o ruído da folhagem seca se agitando ao impacto das patas e dos corpos dos pequenos roedores noturnos.

Lanternas não são necessárias. As estrelas, o luar, iluminam a vereda. A subida é lenta. Uma mulher grávida caminha sem afetar os passos. Passam-se três horas. Estamos acampados próximos ao início da parte descendente da travessia.

Alguém comenta que, pela quantidade de carros, é possível que haja polícia também em Itaipuaçu. Melhor seguir ao amanhecer. Três ou quatro pessoas do grupo resolvem descer logo, a ansiedade de estarem próximas às ondas. De manhãzinha fumeamos um Bom Dia Brasil mais encorpado. Quase todos se habilitam a uma tapinha no cigarro de cannabis.

Um hippie passa, mano e mano, um pequeno binóculo aos interessados em focalizar as cores da paisagem marítima ao longe, amanhecendo sob a luminescência da madrugada. Ele se tocou da qualidade da marijuana. Minutos depois de chegarmos ao sopé da serra, a caminho do lugar ainda incerto do acampamento, aproxima-se de mim dizendo:

— Carinha, safra rosa essa coisinha, sugere: em troca de uma presença desse cânhamo, você fica com esta lupa. É um trampo legal, pode conferir.

O binóculo, apesar de pequeno, tinha um bom desempenho de aproximação. Uma oferta, por melhor que seja, não se aceita de pronto. Por que ele não dirigiu a proposta a outro dos que fizeram a presença de erva para o baseado?

Intuindo minha indagação:

— Seguinte, cara, nasci na região de Petrolina, fronteira de Pernambuco com Bahia. Sei tudo sobre erva. Essa aí que você apresentou é da real.

Ao passar o binóculo às minhas mãos, a tonalidade de voz dizia da dependência dele com relação ao cânhamo. Mais do que aceitar negociar, estava-lhe prestando um favor, ganhando um aliado. Fiz a troca: o binóculo por uma presença de fumo.

Itaipuaçu deve ter de trinta e cinco a quarenta quilômetros de extensão. As praias de Jaconé, Da Barra e Ponta Negra, fazem parte de um trecho de ondas grandes, compactas. As correntes marítimas fortes, tornam as praias desse trecho do litoral pouco atraentes para banhos. Exceto a praia do Recanto, na divisa com Niterói.

Gosto de "trotar" à pequena velocidade. Não cansa, posso vencer grandes distâncias. Certa noite de luar aberto, ao voltar em direção à tenda, após correr no ritmo de trote pela praia, avisto de longe a Mochileira afastando-se da barraca. Normal, pensei, deve estar indo em direção a algum lugar reservado neste vasto toilette das estrelas.

Seu intestino funciona com britânica precisão. Costumo cronometrar no relógio Mido, presente da ex-namorada Tânia, sinistrada pela sádica violência da repressão, meus tempos de "running". Há, por vezes, a coincidência de chegar do exercício de correr, entre 21: 30 e 22 horas. Nesse horário, ou ela está se ausentando, ou não se encontra na barraca.

Planejamos seguir ao nascer do sol, direção Saqüarema. De Saquá a Arraial do Cabo. Depois a gente sabe se sobra ou não pique para prosseguir de pé na Estrada. Longe de subestimar os incômodos de estar nômades, pisando o chão de areia úmido do litoral, a presença diária de certas precauções é exercitada.

Chapéu, óculos escuros, colírio, bronzeador e filtros solares. São formas de proteção semelhantes a uma esteira ou toalha estendida no chão, a separar o corpo do contato direto com as micoses de areia das praias.

Uma maneira fácil de motivar a resistência natural da pele à exposição solar prolongada, está em estar sob a influência vitalizante dos raios solares, de maneira gradativa. A membrana que reveste interiormente a pele vai se tornando espessa, reforçando aos poucos, de forma gradual, a proteção e a defesa natural das camadas mais internas.

Quando possível, arma-se a tenda sob a proteção vitalizante da sombra refrescante de uma árvore. Banhar-se diariamente em água doce ou da chuva, quando possível, usando sabão líquido (tipo dermacyd), mantém ácido o Ph da pele e do couro cabeludo.

Quem for muito chegado ao aconchego debilitante do apartamento, não deve programar os pés para uma jornada sob as estrelas da Estrada. Acredito mais hoje, do que há vinte anos, que, realmente, a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol. É preciso gostar dos elementos naturais da paisagem e saber defender-se deles.

Até dez horas as ondas ultravioletas do tipo "A" são benéficas. Das 10 às 15 horas os raios solares chegam à Terra sem inclinação. Predominam as ondas ultravioletas do tipo "B", danosas à saúde da pele, principalmente quando refletidas na superfície da água ou da areia.

Dois campings em Itaipuaçu, por uma pequena taxa de manutenção diária, dão direito a banhos de chuveiro e ao uso de uma precária, mas funcional infraestrutura de serviços. O sol nasce mais a Leste. Em sua direção seguem nossos narizes. 

ILUSÃO OU ESTRANHA REALIDADE?

Ao amanhecer de um dia nublado levantamos mais uma vez acampamento. Caminhar para ela e para mim é exercício lúdico. Gostamos. Seguimos pisando a areia branca da praia das Conchas. Vencemos seus mais de cinco quilômetros em pouco mais de uma hora. O equipamento pesa pouco. Pergunto se ela quer "dar um tempo".

— Tudo bem, nem sol nem chuva. Ideal para caminhar.

Não dá sinais de cansaço. Está de acordo em prosseguir. Ela não é tão sexo frágil assim. Sinto-me bem, mas Amô devia estar com a língua de fora. Pedindo para parar. Ledo engano. Estou surpreso com sua resistência física. O peso da mochila e a caminhada em nada afetou sua disposição de prosseguir a jornada pelas areias do litoral sudeste.

— Falou, digo em tom de desafio, se cansar é só dizer. Vamos no embalo desse sol brando caminhar um pouco mais.

— Podemos chegar à Lagoa da Barra, nesse pique, em três horas e meia, talvez mais.

Chegar até a lagoa da Barra, depois de Maricá, não é fácil. São quase vinte quilômetros. Ela acha que tem gás pra isso. Pago para vê. Neste instante ecoou em minha mente uma ideoplasma. Fala comigo por telepatia, ouço a resposta nitidamente: Muito além disso querido, podes crer. Olho para ela, indago como conseguiu transmitir tão nítido, aquelas palavras.

— A praia da Barra tem bares, prédios, camping, toda uma "infra".

— Sei, respondo sem dizer palavra, vamos manter o pique. Que experiência, comunicar-se sem verbalização, sussurrei.

— Prossiga na onda do pensamento, você pode trans comunicar-se, não fique imaginando como acontece. Está acontecendo. Faça fluir sem racionalizar.

— Como se consegue isso? é mesmo muito incrível.

— Não sou eu somente, a voz suave e nítida desafia minha perplexidade: você e eu. A sua e a minha mente. Nossos interesses estão unificados, somos parte da mente única universal. Nossas vontades identificaram-se, falamos a mesma linguagem, queremos as mesmas coisas, caminhamos na mesma estrada, no nosso amanhã intencional não há conflito. A mesma onda quebra na areia da praia para a mesma mente em você e em mim. Sou um contigo.

Quis prosseguir, mas não consegui. Olhei para ela como se indagando se tinha realmente acontecido esse diálogo telepático. Minha atitude de dúvida rompeu o elo de ligação que nos mantinha unidos por telepatia.

Há um folclore em pesquisa médica a afirmar que a cannabis desvitaliza, tira a força física, o tônus vital de seus usuários. Comigo não acontece isso. Talvez porque meu consumo é mínimo: apenas um fino, o Bom Dia Brasil e, por vezes, a Sessão Coruja, antes de transar os instintos da libido: fazer amor.

A sensação presente e estimulante de, a cada quilômetro, estar vencendo os componentes negativos e obscuros desse tempo de autoritarismo desvairado e arbítrio social. Afastando-me das diligências do mundo ameaçador, mórbido, agressivo e sombrio, para não ter de me transformar em minha própria sombra.

Minha forte sombra. A parte sombria de milhões de pessoas transcende os limites de suas individualidades. Representa, neste momento, o modus vivendi de toda a sociedade. Sombras projetando sombras. No chão, nas paredes, nos objetos, nos espelhos e na psicologia própria e de terceiros.

Talvez esta minha experiência inusual, de caminhar exposto à radiação diurna e estelar noturna, cósmica, traduza minha esperança de poder elaborar um desempenho individual. Fora das frustrações, do não-poder realizar coletivo. Fora do padrão geral de desvio PSI. Padrão que move os rogos e as súplicas de uma sobrevivência num ambiente social e político absolutamente sem escrúpulos: autoritário, antidemocrático, inconstitucional.

Desejo ser mais inexaurível do que aqueles que desejam poder me exaurir. Impossível crescer mental, emocional e intelectualmente em ambientes forjados para manter infantilizadas as mentalidades.

Chegamos, enfim, próximos à Lagoa da Barra. A presença de garças e marrecos revela isso. Vencemos um espaço de mais de dezenove quilômetros em pouco menos de cinco horas. Uma média de quatro quilômetros por hora. Não é nenhum recorde de atletismo olímpico. Mesmo porque essa competição é espiritual. A natureza 99% das vezes não caminha aos saltos. Quem sabe comigo possa abrir uma exceção. Ah, essa possibilidade.

O objetivo deste livro não é traçar roteiro turístico. Se for publicado, não será por mérito da Secretaria de Turismo do Governo do Rio de Janeiro. Desejo seguir o roteiro de minha memória dos fatos. Da pessoa simples e transparente da Mochileira. Compreender melhor seu recado. Sua mensagem. Decifrar os mistérios dessa experiência modelo pé na Estrada. Essa, a principal motivação destas páginas.

Estamos há uma semana na região das lagoas. Da Barra até Saquá são mais vinte quilômetros. Gostamos de caminhar, sim. Mas desta vez seguimos de ônibus. Saquarema, paraíso dos surfistas. Ondas de mais de três metros sucedem-se a todo o momento. Areia fina e branca. Surf, bodyboard, jacaré: movimento, a mais bela das qualidades da humana natureza.

Na ponta sul, próximo à Lagoa de Saqüá, as provas de motocross são rotina. No planalto, a igreja de N. S. de Nazaré (1837), permite uma panorâmica visão da paisagem. De pé na Estrada chegamos a Arraial do Cabo.

A partir desse momento, o sol ergue-se no horizonte em frente. O astro de quinta grandeza nasce cara a cara. Privilégio: ver o centro do sistema solar emergir, de dentro da barraca. Seguem-se as praias de Cabo Frio, Búzios, Rio das Ostras e Macaé. Nesta, são vistos ancorados navios da Petrobrás no porto da praia da Barra.

O tempo passando. A paisagem e as emoções se reciclando. Minha simpatia pela Mochileira renova-se, apesar dos estranhamentos do dia a dia. A amizade prevalece, reforça a compatibilidade sensual. Nesses quase oitenta dias de Estrada, presenciamos muitas batidas policiais. Estranho, mas nenhuma delas chegou à nossa tenda. Até agora.

Entre Búzios e Rio das Ostras, passamos pelas praias de areia grossa e escura da Barra de São João, com seus quase vinte quilômetros de extensão.

Conforme a disposição física e meteorológica, seguimos caminho de carona, ônibus e a pé.

No Farol de São Tomé acampamos próximos a uma aldeia de pescadores na praia do Viegas, continuação da praia do Farol, onde estavam sendo realizados campeonatos de surf, pesca e hipismo.

Muita inflamação para nosso gosto pela intimidade. Após uma semana seguimos em frente: Cabo de São Tomé, praias do Açu, de Grussaí e de Atafona.

Na sequência, as faixas de areia e mar de São João da Barra e da região de São Francisco. Das nove praias desse território, fronteira entre Rio de Janeiro e Espírito Santo, a última delas é Itabapoana. E a mais extensa, com sete quilômetros. O rio Itabapoana divide os dois estados e desemboca no mar.

A praia das Neves, primeira do litoral Capixaba, conta com quiosques, estacionamento, calçadão e camping com duchas de água doce.

Acampamos mais ao norte. No anoitecer do terceiro dia, volto para a barraca, depois de ir buscar algumas roupas que no dia anterior, uma senhora, dona de um quiosque, havia aceito lavar em troca de certa quantia.

A Mochileira parece dormir. Respiração lenta e profunda. Seu relaxamento se manifesta tão intenso, que chega a ser hipnótico (como se estivesse hibernando numa nave estelar rumo à estrela Ceta Reticuli 1 a 36 anos-luz distante da Terra), induzindo-me ao sono. O aconchegante chão da tenda, coberto de lençóis, convite ao repouso.

Ao despertar, pouco mais de três horas de sono depois, faltam 15 minutos para as 22 horas, ela está ausente da barraca.

Hoje, meu exercício extra de "jogging" vai ser um pouco mais tarde. Essa hora costumo estar chegando dele. Noite de luar escancarado. Conduzo-me à observação da paisagem noturna do lado de fora da tenda. Visualização nítida. A profundidade de campo chega até os limites visíveis do horizonte que a vista alcança. Uma embarcação de pesca, ancorada a uns trezentos metros, excita minha indiscrição visual.

Lembro do binóculo que o hippie trocou comigo por uma presença de cannabis ao chegarmos em Itaipuaçu. Os pertences de um andarilho são poucos. Ele estava esquecido num dos cantos da mochila. Suas lentes trazem a embarcação para mais próxima. Minutos depois desloco a direção do foco do barco pesqueiro até o visual de um cardume de golfinhos.

Eles estão se divertindo, aos saltos. O "show" visual prossegue por conta, também, das miríades de reflexos do luar de verão sobre a superfície luminescente da água. Na poesia anglo-saxã usavam metáforas para chamar o mar de “caminho da baleia”, “caminho das velas”, “banho do peixe”, por que não “caminho do golfinho”? Observo agora a paisagem em volta. Surpresa: a uns 150 metros, vejo a Mochileira de cócoras. Vestida normal. Não está satisfazendo nenhuma necessidade física, orgânica.

Não há nenhuma intenção de policiar minha companheira. Não estou a me sentir culpado por fazê-lo. Pelo contrário. Fico interessado em ser indiscreto e bisbilhoteiro. Ela parece estar digitando um teclado dentro do espaço aberto na parte posterior da mochila.

Quero saber o que está acontecendo. Sorrateiro, chego mais perto para melhor observar. Um zunido gradativamente mais impertinente perturba sobremodo a observação. Ainda agora, hoje, mais de duas décadas depois, não sei ao certo explicar, exceto por hipótese, a sucessão ilógica dos acontecimentos.

Ela parou de digitar e fechou o zíper. Apressei-me em voltar para a tenda. Não gostaria de ser flagrado praticando voyeurismo. Policiando minha companheira de jornada pé na Estrada. As imagens do acontecimento se sobrepõem. Há dificuldades de ordem PSI em ordená-las.

Os gestos parecem seguir um ritual. Quero estar na tenda quando ela voltar. Apresso-me à-toa. Estou bem mais próximo da barraca do que ela. Porém, ao chegar e puxar a parte do “fecho ecler" que não estava aberta, hesitei em crer em meus olhos: a Mochileira está serena, sossegada, a saborear tranquilamente uma refeição ainda quente. Pedaços de legumes cozidos misturados a uma porção de arroz integral, estavam sendo consumidos parcimoniosamente.

— Oi, você jantou? A voz tranquila, como se estivesse tudo muito normal.

— Que, que, que é isso, gaguejo. Você não pode estar aqui e lá fora ao mesmo tempo. Que, que coisa essa... Não pode estar acontecendo.

— Você está bem, carinha? Viu alguma assombração? Um gnomo? um elfo, uma alienígena? Olha para o prato e exclama: “Você está da cor desta cebola branca.”

Busco falar, a voz não sai. "Que vexame". Perplexo, insisto, reajo. As sílabas saem tropeçando na pronúncia das palavras.

— Naaada nãão, vou ver a lua luar, saaabe. Persisto em falar, digo meio sem jeito, saindo fora da incômoda situação: ela está um soomm, um sol.

Zonzo, do lado de fora da tenda, afinal. Tenderei à alucinação? Perdendo controle sobre minhas percepções? Binóculo em punho, tento focalizar a garota que havia visto há poucos momentos, talvez não fossem tão poucos assim. Corro em direção ao local da observação. Insisto em fazer com que ela esteja nos arredores para que possa me sentir melhor, enquadrá-la no campo visual do binóculo. Inútil, não há ninguém semelhante a ela na paisagem.

Como pode ser? Meu estado de consciência, a percepção de meus sentidos está em ordem. Nenhuma alteração psicológica, exceto pasmo. Não sou chegado a alucinógenos. Minha razão cobra uma explicação. Inutilmente.

Houve um paradoxo de tempo, em meu continuum espaço tempo pessoal. Caminho em direção norte. Preciso acalmar as cobranças de minha racionalidade. Meditar sobre os eventos nesses últimos e estranhos trinta minutos.

Minha volta à tenda não aconteceu quando a ela me dirigi, após observar os movimentos digiformes da Mochileira. Nunca aconteceu comigo perder os sentidos, "brancos" de memória, desmaio ou amnésia.

— Viajando, irmão? Indaga um hippie acompanhado de um casal.

A mina grávida segurando a mão do namorado olha-me apreensiva.

— Tudo bem, respondo. Acontecem coisas sob a influência desse luar.

A mulher instiga o parceiro com gestos de cotovelo, incitando-o a fazer ou dizer alguma coisa. Ele se tocou do lance e dirigiu-me uma pergunta por ele mesmo respondida.

— "Tô" sabendo, amizade. Você sacou os globos nas cores do arco-íris? "Tá limpo", cara, quem estava na praia viu.

— Beleza, não é? Desse tamanho, disse ela. Os dedos espalmados de ambas as mãos, bem abertas. Em seguida afastando-as para os lados, como se indicando um tamanho maior. Olhava para mim como se a querer apaziguar-me. Pasma com minha aparência.

— Seis bolas voando pelas praias, admirou-se. Coladas umas nas outras, manifesta-se o terceiro hippie. Uma delas entrou dentro da barriga de Leila, apontando para a mulher grávida, ela não sentiu nada.

— Na ponta sul, prossegue o namorado da mulher, os caretas ficaram todos com cara de "loque". Eu também fiquei meio bobo, explica, as bolas pareciam rodar e se mover e nunca, incrível, nunca se separavam.

— Ficavam sempre juntas, Leila mostra muita convicção em tom admirado. Elas eram tão finas, pareciam bolhas de sabão, não sei como ficaram sem estourar voando naquela velocidade.

— Quem estava amarrando um bode, dançou, assegura o acompanhante do casal, uma coisa dessa não pinta duas vezes perto de uma mesma pessoa. É uma coisa pra se lembrar toda vida. Com sorte, acontece uma vez.

— Que horas aconteceu? Elas podem aparecer outra vez? Com estranha esperança afirmo: ainda podem estar no pedaço.

— A gente sabe que elas não voltam, diz o namorado de Leila. Não vai acontecer outra vez, insiste. A gente sabe que não vai, é emocionante e belo demais. Coisas dessas não acontecem duas vezes, garante.

— Não faz muito tempo, cara, disse o amigo do casal. Entre nove meia e dez horas (21:30/22 hs).

Perdem o interesse pelo lero quando percebem que eu não havia visualizado o fenômeno. Conversaram comigo, deram-me atenção, na esperança de trocarem ideias e impressões com quem dele participou.

— Não viu, diz o namorado de Leila, não pode chegar junto no lance, enquanto se distancia acompanhado pela mulher e o amigo.

— Valeu mesmo, carinhas, agradeço, enquanto se afastavam.

Ergueram-se as mãos espalmadas, as pontas dos dedos para cima, numa saudação de amizade.

UMA DILIGÊNCIA POLICIAL INCOMUM ("É bem verdade que a analogia não prova nada, mas, de fato, sinto-me mais confortável utilizando-a." —— Sigmund Freud).

Busco justificar os acontecimentos paradoxais. Sem êxito. Talvez estivesse sob influência do excesso de sol. Ou do inconsciente excitado de muitas pessoas próximas. Afinal, quem pode controlar a ascendência das leis físicas nos espaços abertos do dia, da noite, da madrugada? Raios cósmicos chovendo "full-time" sobre nossas cabeças desamparadas.

A estranheza de uma sociedade inexplicável, distinta da convivência capsular do interior das casas, dos apartamentos. Na Estrada se está órfão de tudo que não pertença aos fenômenos culturais da vivência alternativa. Uma alteridade radical atua nas consciências perplexas. Como se membro fôssemos de uma maçonaria de sugestões que poucos estão preparados para digerir.

Como assimilar a velocidade de renovação do anabolismo intracelular? A radiação magnética vinda de algures interagindo com a atmosfera terrestre, é, talvez, uma explicação para a amnésia, o "branco" mental, o paradoxo de tempo. Como a Mochileira conseguiu chegar primeiro do que eu à tenda? Anulando minha vantagem de estar mais próximo à sua entrada?

Volto à barraca uma hora depois do encontro com os hippies. Amô está terminando de ler As Palavras, livro do existencialista francês Jean-Paul Sartre. Ao lado, mais dois livros do também existencialista e ateísta alemão Martin Heidegger: O Princípio de Identidade e Ser e Tempo. Ambos em língua francesa.

— Tudo normal?

— Não sei, acho que sim.

— Saiu meio apavorado, quer falar sobre isto?

— Você viu umas esferas a cores? muita gente viu, circularam pelas praias como se fossem bolas em seis das cores do arco-íris.

— Ilusão visual coletiva, talvez, quem sabe uma manifestação de histeria coletiva, prossegue. Por que estão na Estrada? Porque não podem suportar a realidade de dentro de casa, responde, o sufoco dos empregos nos quais pagam para trabalhar.

— Sei, ironizo. Projetam frustrações, veem coisas estranhas. Hoje é dia de piração do inconsciente coletivo.

— Um grupo armado, vindo das profundezas da caserna, (ela impõe com voz sempre suave, inalterável, seu ponto de vista), apoiado pelos empresários que levam vantagem, à revelia da vontade social, submete política, econômica e sadicamente uma sociedade a seus desvarios... Essas coisas causam sequelas...

— Uma teoria pode ser completamente lógica e estar inteiramente errada. O visual das esferas a cores pode ter realmente acontecido, afirmo, são muitos os comentários das pessoas que viram.

— Pode, certo, mas pode ser a imaginação compensando a crueldade da vida insuportável.

O diálogo não vai avançar. As posições estão definidas. Não adianta malhar um lero nestas condições. Minha intuição sugere que as esferas a cores são reais, não alucinação coletiva. Associo esse estranho evento à minha inusitada amnésia. A teoria simplória de Amô terá sido apenas uma tentativa de camuflar uma possível relação de causa e efeito entre ambos?

Neste momento uma voz desafinada, vinda de uma das tendas, canta ao som de um violão: "Eu, você/Nós dois/Já temos um passado/Meu amor/Um violão guardado/Aquela flor/E outras mumunhas mais..."

Flui de minha genitália um fluxo de energia, desejo, tesão. A mente sobrecarregada de incertezas, cepticismo, não mais que de repente esquece o cansaço. O olhar penetra no espaço entrepernas da Mochileira. Num salto felliniano seus pentelhos castanhos estão a roçar o pinto a crescer, a aumentar de volume.

As línguas buscam os orifícios dos corpos. O sabor afrodisíaco de maresia incrementa a sensualidade, um afeto até então desconhecido. Seus seios quase cabem inteiros dentro da boca ávida por devorá-los aos poucos, parcimoniosa, contidamente, começando pelos biquinhos grossos, plástico. O tempo contra flui algures. Eu o detenho aqui agora. Um desejo sem idade, de todas as idades, para o universo.

Este poder inusitado, esta glória, como se mago fosse, detenho entrededos essa enorme e tão rasa profundidade: esta mulher tão jovem e tão de todas as idades. Sua xota fermenta em plenitude, os seios quentes, as coxas juvenis abrem-se num loto adorável. Implacável penetro a terra conquistada, todas as querências inconfessáveis realizam-se nesta delirante suavidade. Transcendente beatitude, serpente e maçã. A ideia de Eros e Psiquê, a realização generosa.

A eterna juventude deste sorriso não ouse nunca se fragmentar com a idade, com as eras. A verdade deste orgasmo exulta, acontecimento definitivo, cósmico, orgia dos sentidos: Big-bang intangível, bem-aventurança dos testículos a roçar na vegetação pubiana desta fêmea. Ímpeto, claridade solar, telúrica, calor uterino aquece e envolve de desejo lupino. A penetração da sonda de nervos até os primeiros pingos, o conseqüente arrojo do jorro, a garoar nitroespermaglicerina. Ahahahahahahahah.

A onda orgasmo jorra areia na xoxotastuta, uma, duas, três vezes. Recomeço esta efêmera e insone realidade. Usurpar estes últimos resquícios castos desta declinação situada neste equador celeste de odor orgíaco. Fresta baquiana, atalho sífico, passagem para dimensões inexploradas, contato básico de sementes futuras de tão antepassada seiva em direção ao âmago deste arquétipo feminino, estelar.

Ao contrário de Sísifo, sinto-me natural, inesgotável e útil. Deslizo mais uma vez em água corrente em direção aos mistérios voláteis desta fugaz estrela, fragrância rosácea de bacalhauzinho. Infindável redundância mística, ao mesmo tempo perecível carne.

Ahahahahahaahahah, explorar esta trilha neste vinco de última geração, atalho para universos paralelos onde Tânatos, inutilmente, buscaria uma morada.

Amanhece. O ímã sol atrai para fora da barraca. Há pouco madrugava. Agora, dia solar. O tempo interior para. Há mais do que aviões de carreira no ar. Mergulho numa onda mais volumosa. O normal nessa praia são ondas com menor volume de água. A praia das Neves é rasa. O astro brilha no céu tropical e em meu coração vagabundo.

Estendo os membros sobre a superfície protetora da toalha. Melhor aproveitar o sol agora. Apesar do céu azul, limpo, claro, há nuvens de porte pequeno e médio com pouco espaço entre elas. Um habitante da cidade diria ser prenúncio de tempo bom. Sol radiante. Na realidade indicam tempo instável, queda de temperatura e nebulosidade.

Uma hora e meia depois confirma-se minha previsão de mudança brusca das condições atmosféricas. À formação anterior de nuvens substituiu-se outra de maior densidade. As brancas e límpidas em céu claro e azul, transformaram-se numa espessa camada cinzenta, por onde mal conseguem passar os raios solares.

Rajadas de vento encrespam a superfície do mar. Fazem curvar a copa das árvores litorâneas. Longe de abater meu ânimo, a chuva anima. Estar dentro ou fora da barraca, enquanto a chuva chove, pode ser tão estimulante como um dia de sol no zênite, a pino.

Quarenta e oito horas depois, os quatro elementos se harmonizam: mar (água), sol (fogo), terra (paisagem) e ar (prana, vitalidade). No momento existem duas opções: seguir a linha do litoral, ou voltar à cidade do RJ. Subir a Pedra da Gávea.

Amô chega e exclama:

— Nada melhor do que fazer amor e ler livros. Totem e Tabu, A Interpretação dos Sonhos, esses precisam ser lidos.

Eu estava lendo Estrela da Vida Inteira e Caetés, após terminar o livro de contos roseano que contém A Terceira Margem do Rio. Depois, está na agenda a leitura de um livro de Drummond e outro de Jorge de Lima.

Passa por minha mente a ideia de que estou a viver uma situação semelhante a do personagem do conto de Guimarães Rosa. A sociedade organizada militar, política e economicamente, como uma metáfora do rio com suas duas margens, a esquerda e a direita.

Num flash de alguns segundos vejo-me personagem fantasmagótico da Terceira Margem do Rio, a rejeitar as outras duas, em busca da superação do emaranhado de conflitos que agem dentro da água corrente de minha subjetividade.

A 3ª Margem é o caminho maior, mais difícil, mais complexo, necessita de um distanciamento com as personagens do lado direito e do lado esquerdo do curso do rio da história da vida. Estou a buscar, desta forma, uma oportunidade pertinente, real, de individuação, fora dos esquemas estabelecidos. Uma chuva fina começa a chuviscar, garoa o comentário:

— E banho de chuva, depois de um dia de sol e mar.

— O pessoal vindo do Nordeste diz que Itaipava e Itaoca são duas belezas de enseadas, próximas à Ilha dos Franceses. Podemos chegar lá. Há uma caverna com inscrições na rocha, ainda não decifradas.

— Estou sabendo que o lugar conta com uma vila de pescadores, há caiaques de aluguel e camping, uma boa infra, respondo:

— Sou mais a Pedra da Gávea, vamos chegar nela. Dá um tempo nessa sequência, insisto. Depois a gente pega um bus e volta aqui, ou segue rumo ao litoral paulista.

— Pode ser muito surpreendente, Amô comenta, como quem sugere uma advertência. Os livros de Daniken estão fazendo sua cabeça, querido.

— Sem essa de "deuses astronautas". Na Gávea me interessam os símbolos rúnicos, anteriores às navegações colombianas. Gravados por navegadores que descobriram Santa Cruz muito antes dos predadores da península Ibérica aportarem no Monte Pascoal.

— Podes crer, carinha, muito antes mesmo. Na Pedra da Gávea, em suas imediações, houve muitos desaparecimentos e mortes inexplicáveis. Elas ocorrem há bastante tempo.

— Disseram-me que os que tentam penetrar no interior do monumento, descobrir seus segredos, perecem de forma estranha.

— Contam-se às dezenas os desaparecidos naquela área. Pessoas isoladas e grupos dispostos a desvendar o enigma.

— Na Gávea interessa-me os registros das navegações pré-colombianas, que diz você?

— Domingo de madrugada.

— Está valendo.

As dúvidas a propósito da observação da digitação da Mochileira, assim como os acontecimentos não presenciados por mim, das esferas a cores, persistem. Ficar indiferente ao branco que pintou depois, quando ela chegou antes de mim à tenda, apesar de eu estar bem mais próximo a ela, não consigo. A cisma persiste. Se todas as outras vezes que ela se ausentou no mesmo horário, não tiveram nada com satisfazer necessidades fisiológicas?

O nicho fechado pelo zíper na parte posterior da mochila aguça minha curiosidade. Desperta meu interesse. Conflito. Como fazer para abrir esse "feche ecler" sem trair sua privacidade? A intimidade permite que, sem ser impertinente, solicite que mostre seu conteúdo. Como abrir o zíper sem alimentar complexo de culpa? Não vou ficar só na ansiedade.

Algo me diz que talvez não seja o momento certo para tais solicitações. Há um certo bloqueio mental instintivo. Ela está sabendo de minha inquietação a esse respeito. E se não houver nada dentro do nicho? Parecerei ridículo em minha busca? Não vou precipitar os acontecimentos. Ela pode estar preparando para mim uma revelação, não sei. Melhor confiar em minhas percepções.

De sexta pra sábado, muita inflamação. Pessoas de diversas procedências ainda comentam a aparição das estranhas e belas bolas transparentes, a cores.

— Espelhavam, dizem alguns, a imagem das pessoas que conseguiram olhar de perto, e a paisagem em volta delas, creem outros. Provocaram sonhos muito singulares, afirmam testemunhas.

Alternativos e caretas irmanavam-se nos comentários sobre o inusitado evento. Nos coletivos, bares, restaurantes, carros, rodoviárias, e nos acampamentos. Não aconteceu exatamente como Amô previu: "Amanhã mesmo maior parte deles não terão certeza se viram mesmo algo ou se foi apenas ilusão de ótica".

De noite, três viaturas da PM estacionaram ostensivamente na ponta sul do calçadão da praia das Neves. O oficial de comando instruiu os subalternos a promoverem uma operação repressiva modelo "pente fino". Qualquer ação verbal em defesa do direito das pessoas de não serem invadidas na intimidade de suas tendas, tinha por imediata resposta, socos, ameaças, pontapés e cassetetes.

No melhor estilo orangotango vigente. Os orangotangos que me perdoem a ironia da comparação. A batida policial aproximava-se de nossa tenda. Dois policiais entusiasmados com o poder a eles delegado pelo arbítrio autoritário desvairado da ditadura, chegaram, cheios de empáfia, e foram logo entrando.

Começaram a fuçar cada canto da barraca. Pensei que poderiam se dar bem. Nossa proximidade irritou a ambos. Cassetete em punho exigiram documentos. Mostrei meu RG. O milico pegou e ficou olhando pateticamente, como se não soubesse o que fazer. Balançou o pescoço para um lado, depois para outro. Olhava interrogativo, como se não compreendesse o que tinha em mãos. Os músculos da face contraíram-se ao redor do nariz, a cafungar o ar.

Como se nunca houvesse visto um RG, admirava o pedaço de papel plastificado de meu registro geral. Seu parceiro de repressão curvou-se sobre a mochila de Amô. Os braços ao comprido do corpo, pendentes e pendulares. A coluna vertebral dobrada para frente. O corpo balançando em movimento simiesco. Pareciam dois antropoides que haviam fugido do zoológico e ficaram apatetados com descobertas que mal podiam compreender.

Passo de atônito, surpreso, a temeroso e apreensivo. Os macacos são irracionais. Podem cismar de passar da observação à agressão sem nenhum constrangimento. Queiram desculpar-me os macacos pela comparação. A simples farda dava aos policiais o direito de arbítrio. De invasão domiciliar das tendas, e, se irritados (por qualquer motivo), de agressão às pessoas.

Olho para a Mochileira. Mantém-se impassível, tranquila, como se fosse a coisa mais normal do mundo a encenação de comportamento regressivo dos PMs. Saltei de lado erguendo o braço destro, na tentativa de me esquivar do golpe involuntário do policial que mantinha entrededos meu RG. Percebi que estava apenas insistindo para que pegasse de volta a carteira de sua mão. A situação muito mais constrangedora para eles.

Pego de volta o RG, não sem dificuldade. Seus movimentos hesitantes, pendulares, faziam balançar a mão do militar de um para outro lado. Segurei seu pulso com uma das mãos, firmando por segundos, a trêmula insegurança do gestual. Com a outra mão saquei meu registro.

Cruzaram os olhares embaraçados, sem saber ao certo o que estava acontecendo. Pareciam coagidos pela própria agressividade. Após algumas caretas, fungados e piscar de olhos que pareciam involuntários, simultâneos à contração dos músculos da face, voltaram-se para fora da tenda, como se apressados em sair da situação de inesperado e intenso desagravo.

Não pareciam os senhores samangos de há pouco. Chegaram "cheios de razão", patrulhando, reprimindo, coagindo. Ameaçando nossa liberdade de estar acampados pacificamente. Saíram aos pulinhos da barraca. Corpos arqueados como se fossem primatas. Antropoides de origem anterior ao ancestral cro-magnon do atual Homo sapiens/demens.

Estavam envergonhados. Mesmo que apenas provisoriamente, de si mesmos. Meu ombro esquerdo superior tremeu, num ímpeto muscular muito rápido e desintencional. Creio empalidecer até à lividez. Se essas marionetes agressivas da hierarquia inferior do autoritarismo desvairado houvessem descoberto a "marijuana", eu seria preso e espancado como traficante, senão como subversivo, no distrito policial mais próximo. E se intensificarem a operação repressiva? E se tivessem pegado o exemplar do livrinho vermelho de Mao? Não poderia livrar-me da acusação de subversão.

Amô sai da barraca como se nada houvesse acontecido. Respiro profundamente umas dez vezes, jogando de uma só vez, para fora dos pulmões, o ar aspirado. A rotina respiratória tranquilizou-se. Dirigi-me para fora da barraca. Os dois policiais de há pouco, estavam fora de combate. Destacaram-se dos demais em direção à beira-mar.

Um deles vomitava, a espinha arqueada. Tropeçando nos próprios passos, postou-se no solo molhado da praia. O outro, ajoelhado na areia, pressionava com as mãos a testa para cima. O rosto teimando em curvar-se em direção ao vão das pernas. Tossia compulsivamente. A cara de aparência tungada, vermelha como um pimentão vermelho. As veias do pescoço saltando para fora da pele inchada. As veias realçando no pescoço.

A cena provocou geral indiscrição. Dezenas de curiosos aproximaram-se. Os PMs eram o centro das atenções. Outros militares vieram socorrê-los, indagar o que estava acontecendo. Relaxaram a agressividade inicial da diligência. O oficial da operação ordenou que levassem ambos a uma das viaturas. Foram conduzidos ao pronto socorro hospitalar.

Nesta noite, apenas dois detidos nesta área do acampamento. Os polícias que permaneceram por mais tempo perderam o ímpeto inicial de reprimir e molestar os hippies acampados. Pelo menos desta vez. Alguém perguntou a um dos policiais:

— Que aconteceu com “eles”? Os caras estavam mesmo mal.

— Congestão, retrucou o militar, como quem lamenta o fracasso da operação "pente fino". Ameaçador, vitupera, ânimo e raiva mal contidos:

— Vocês se deram bem: hoje foi dia da caça.

Pessoas começaram a comentar os acontecimentos, até depois dos policiais terem se ausentado do lugar. Curiosos indagam como os milicos começaram a sentir o vexaminoso mal estar.

— Valeu companheiro. A exclamação vem de um mochileiro.

Aproximando-se de mim, outro hippie a comentar:

— Você mostrou muita força, cara, os samangos botaram o rabo entre as pernas.

Havia certa paranoia no ar. Nada de facilitar com os "hôme". Houve quem acreditasse que os tiras ficaram de bobeira por causa de minha suposta intervenção parapsicológica. Até dizer que não é nada disso, que babado não é bico, haja conversação. Nem tento explicar. Alguém mais ponderou:

— Não dá moleza, "brother". Estou saindo fora desse pedaço. Sujou. Mais tarde eles cismam e voltam à carga. Levam muita gente em cana, dizendo que estão presos para averiguação.

— Inventam motivo, intervém uma garota. Esvaziam as mochilas, mandam o pessoal se despir.

— Forjam flagrante, diz mais alguém. Todo tipo de baixaria.

— Praia não é lugar de repressão, alerta um jovem. É sítio de lazer.

— É isso aí, confirma outro cabeludo. Polícia pra quem precisa de polícia.

— “Eles” querem mesmo é perturbar, protesta uma mina. Estão sabendo que aqui não é nenhum QG do partido comunista.

— Na real, estão querendo é maconha pra fumar, ironiza mais alguém. Vai vê o comandante deles está na maior fissura.

Para mim está cada vez mais nítido que há, realmente, uma política maquiavélica interessada em perseguir gratuitamente pessoas fora do esquema de pagamento de impostos e da rotina do cartão de ponto.

Desarmamos a tenda. Vamos sair fora dessa jurisdição policial como se fôssemos fugitivos da lei. É certo que os dois PMs não tinham condições psicológicas de imaginar a causa da regressão à uma condição lemuroide.

Os doutores do plantão do pronto atendimento hospitalar por certo se apressaram em diagnosticar ingestão de alimento estragado, princípio de congestão, ou diagnóstico similar.

Alguns mochileiros vão permanecer no acampamento, se vierem a ser pressionados para fornecer uma descrição verbal de nossa aparência, fornecerão informações intencionais distorcidas. Pelo menos é isto que algumas pessoas garantem que vai acontecer.

— Cada coisa a seu tempo, diz Amô: cada dia com sua carga de eventos.

Amanhecemos em Itabapoana. Voltamos de coletivo até São Francisco. De São Francisco a Travessão. Daí a Campos, Macaé e Rio das Ostras, onde pernoitamos numa pousada na praia do Bosque. Quatro dias depois, pela rodovia estadual 106, o ônibus afasta-se do roteiro das praias. Segue pelas margens dos 220 km2 de águas transparentes, rasas e salinas, das margens da Lagoa de Araruama.

Desse lado da rodovia estão as cidades de São Pedro da Aldeia, Iguaba Grande, Iguaba Pequena, Araruama. Do outro lado da Lagoa, em sentido inverso (Oeste-Leste), espraiam-se as praias de Massambaba e Grande, em Arraial do Cabo. As emoções de peregrinar pelos espaços abertos das praias do litoral fluminense, começando a se transformar em memória.

É como estar vendo o mundo pela primeira vez. Do ponto de vista das pessoas que não nasceram com as mordomias e as facilidades oferecidas por seu extrato social privilegiado.

Se a organização da sociedade nega os meios para que grande quantidade de seus membros possa obter desenvolvimento intelectual, nem fornece aos jovens possibilidades de integração na mecânica normal de produção de bens de consumo e serviços, a marginalização sedimenta-se enquanto natural consequência desse evidente desprezo social.

Agora sei um pouco o que significa fazer parte da experiência vital, dos questionamentos de uma geração emergente. O conceito histórico e social de geração, não deve ser ensinado apenas da perspectiva do interior de uma sala de aulas, ou de um campus universitário.

Apenas a experiência direta com a realidade proporciona uma visão crítica essencial das contradições da superestrutura política e econômica global. Neste momento, tal superestrutura não possui nenhum respeito pela qualidade de percepção, educação e convivência social com as novas gerações emergentes.

“PERGUNTE AO PÓ”

Enquanto o coletivo segue rumo à Baía da Guanabara, imagino que a história oficial se negará a contar como esta parcela importante, quantitativa e qualitativa, da juventude, foi simiesca mente reprimida pelas forças armadas a serviço da ditadura.

A história oficial dos textos acadêmicos lembrar-se-á de mencionar esses jovens? Este esforço coletivo para sair da camisa-de-força de tudo quanto é velhacaria institucionalizada que não serve mais para nada, senão para enferrujar o amanhecer? O esforço coletivo desta geração será riscado dos livros de aprendizado pelos escribas dos faraós da capital federal?

Talvez algum membro desavisado das gerações subsequentes, nascido pós os anos de chumbo, ao ler este livro possa confundir essa fuga antecipada da repressão, como medo de um perigo inexistente, paranoia, como nas histórias infantis: jovens a correr do bicho-papão.

Acontece que o bicho-papão existia realmente. Os instintos básicos, os mais destrutivos, estavam soltos nas pessoas fardadas de uma polícia militar sob o comando de ego maníacos ideologicamente polarizados, que definiam quem era ou não o inimigo a combater impiedosa, por vezes, gratuitamente. Havia um interesse espontâneo, infundado, pela agressão.

A “autoridade” de farda não queria saber de ouvir nada. Sarrafo antes e perguntas depois. Os interrogados nunca tinham razão. Se eram espancados pelos policiais, esses tinham sempre o motivo certo, ou inventam algum. Como naquele ditado árabe machista chauvinista: “O homem pode não saber porque está espancando, mas a mulher sempre sabe porque está sendo espancada”. Talvez essas regressões simiescas agenciadas pela ditadura de farda, odiassem ver, nos jovens de cabelos compridos, a anima, pessoal e coletiva, que ignoravam a existência em si mesmos. Achavam-se os donos da cocada preta. A sociedade representava a mulher coletiva (arquétipo) que devia, sempre, ser espancada.

Valia para os “hôme” o princípio da violência armada. Como naquele desenho animado para crianças, onde o herói infantilizado não se cansa de repetir: “Eu tenho a força”. A repressão desvairada estava oficializada pelo AI-5, desde o governo Costa e Silva. Acontecia impunemente desde os primeiros momentos do desgoverno Castelo Branco.

Aristocratas, burgueses e militares, todos os reacionários radicais, deram-se sinistramente os braços, a virtude estava com eles e a perversidade com o inimigo. E eles viam esse inimigo em todos os lugares, inclusive nos jovens de cabelos longos e ideias que se projetavam no horizonte do Terceiro Milênio.

Os jovens hippies eram considerados uma mistura fedida de ideias inconvenientes, em meio ao corpo social do nacionalismo armado de uma ideologia extremista que conduzia o país a uma regressão cultural coletiva. Simiesca.

A repressão impiedosa, implacável, dos que estavam na vanguarda da cultura burguesa vulgar e irresponsável, não poderia ser subestimada. O bicho-papão, ansioso pelo conflito covarde, no uso e abuso da desrazão, foi milhares de vezes responsável por uma política de hostilidades que, não raro, incluía perseguição, aprisionamento, tortura e morte. O Moloch militar estava à solta.

O sadismo de Tânatos, o desejo de domínio, os impulsos primitivos dos de farda, a serviço dos instintos agressivos reprimidos de uma burguesia satanizada, que, apesar de todas as mordomias, necessitava criar o muro da vergonha da repressão ambulante.

Qualquer soldadinho primário tinha todos os direitos de agressão sobre qualquer membro da população civil.

Duas décadas me distanciam da narração destes acontecimentos. O tempo passaria, e transformaria toda esta história real em areia, em pó. Não fosse contada aqui, como poderia ser preservada sua memória?

De todas as histórias, uma estava por acontecer. Reproduzo-a por simbolizar aqueles tempos: Cafuso, formado em Letras na USP, e a mulher, uma dentista vegetariana, pais de garotas gêmeas de doze anos, foram presos. O Cafuso, um tipo mais que conservador, reacionário, achava-se muito sabido, por dentro das coisas da literatura, venerava tudo quanto é autor de origem anglo-saxã e não perdia a oportunidade de esnobar autores brasileiros, com opiniões tipo: “Graciliano Ramos é ilegível”.

Esse cidadão caiu gratuitamente na antipatia de um maquiavélico esbirro dos tribunais militares da ditadura. Cafuso foi acusado injustamente de pertencer a uma organização de guerrilha urbana que assaltava bancos, com o objetivo de angariar fundos para movimentos camponeses que nem sequer existiam.

Os paranóicos militares acreditavam em qualquer denúncia, por mais delirante que fosse o dedo-duro. Um comando militar prendeu o casal para averiguações, torturou Cafuso e a mulher.

A dentista, depois de quarenta dias foi solta, caiu na simpatia do major torturador. Quando Cafuso foi liberado pela repressão, cinco meses depois, a mulher estava vivendo um apaixonado romance com um de seus torturadores. A esposa dele passou a viver com o tal major, como numa peça dramatúrgica de Nelson Rodrigues.

Comentários à boca miúda espalharam ter sido Cafuso libertado graças ao envolvimento da mulher com esse oficial. Do contrário seria, talvez, mais uma vítima na lista dos desaparecidos. Na cova rasa e coletiva de um dos cemitérios clandestinos.

Cafuso perdeu a boca da sobrevivência fácil, era a mulher que o sustentava, terminou entrando de vez para uma segmentação da guerrilha urbana, posteriormente exilada, na mesma época em que foram soltos os prisioneiros embarcados para Cuba, após a negociação que se seguiu ao sequestro do embaixador americano, retido numa casa no bairro de santa Teresa, no Rio de Janeiro.

A vida de Cafuso, não mais que de repente, mudou de oito para oitenta. De um reacionário empedernido, brasileirófobo, com medo mórbido e vergonha de reconhecer o valor de ser brasileiro, quando voltou ao Brasil, após anos de exílio, devido à anistia ampla, geral e irrestrita, conseguiu preencher uma vaga de professor de literatura numa faculdade particular em Mogi das Cruzes.

Hoje, Cafuso reconhece e elogia incondicional e merecidamente, os nomes tradicionais da literatura brasileira: Mário de Andrade, Machado de Assis, Graciliano, Guimarães Rosa, Drummond, João Cabral, Oswaldo de Andrade, Euclides de Cunha... Cafuso aprendeu a lição, nunca mais vituperou contra a literatura nacional, parou de babar encômios gratuitos e de fazer discursos laudatórios a toda bobagem literária, premiada ou não, de origem anglo-saxã.

Desculpe-me o leitor pelo salto narrativo a esse acontecimento. Volto ao momento em que estávamos correndo do bicho-papão armado, com seus mercenários agressivos, que tantas vítimas estavam fazendo, mesmo entre pessoas que nada tinham com o engajamento polarizado na luta armada. O lema hippie “paz e amor” servia apenas para que a repressão se sentisse mais à vontade no criar pânico, inibindo as relações eróticas e ideológicas (ideias, ideias), reforçando os laços afetivos no interior dos grupos de Estrada.

RUMO A PARATI

O fluxo dessas ideias parou quando o coletivo estacionou na rodoviária de Niterói. Um "tx" nos conduziu até à praça com nome indígena, em frente à estação das barcas ("Cantareira"), no centro da cidade, início da avenida Amaral Peixoto. Anoitecia sobre a praça a estátua do índio Araribóia.

No interior da estação das barcas, centenas de pessoas à espera da nau "Icaraí" que as conduzirá até o outro lado da Baía da Guanabara. Nos assentos de madeira da barcaça, sentam-se próximos a alguns hippies com suas mochilas sobre as pernas. A identidade alternativa da aparência sem mimos. Os cabelos longos de quem estão com o pé na Estrada, facilitou o lero.

Disseram estar vindo da região sul da Bahia, do Parque Nacional de Monte Pascoal, a 150 km de Porto Seguro.

— Santa Cruz, Cabrália Porto Seguro e Prado, precisas vê, bicho, no dizer de Arnaldo. Se existiu paraíso esse lugar é o que restou dele.

— 15 mil ha do pouco mais que sobrou da mata atlântica do Nordeste, disse Beto, reserva ambiental dos índios Pataxós. Só vendo cara, vale conferir.

— Os guias do lugar chamam de "trakking", caminhar pelos pontos mais belezas do pedaço, confirma Eliana. Paisagens incríveis ao longo dos passeios de barco.

— Vocês estão seguindo pra onde? Pergunto.

— Na trilha de Camburi, responde Rita.

— O camping não é em Boiçucanga?, indaga Rogê.

— Nem Camburi nem Boiçucanga, Eliana arredonda, é na "Ponta da Baleia", pra lá de Boiçucanga e Camburi.

— Beleza pura, argumento. A carne dura, o grande oceano...

— A Serra do Mar, Ilhabela, tudo à mão, quer mais mano? disse Rita, abrindo-se num sorriso.

— O camping melhor do lugar é o dela, Eliana sorri, olhando para Rita.

— Fosse só meu, explica ela, com sotaque de descendente de italianos. O espólio das terras é pra dividir entre quatro "fratellos".

— Lugar ideal para marcar encontros com a lua, poetisa Amô: fauna, flora, sol, mar, natureza.

Pelo lero ameno, essa turma vai estabelecer uma base de vida natural. Ouvir, nas manhãs, tardes, noites e madrugadas, livres da rotina da metrópole cansada, a mais afinada orquestra sinfônica universal: as ondas modulando as marés na areia das praias. O vento regendo o movimento das folhas nas árvores. O ritmo do canto dos pássaros plasmando inusitadas harmonias sob a batuta da natureza. A riqueza de timbre dos insetos. Uma fruta madura a despencar no chão.

O cão ladra. As estrelas brilham. A chuva chove, o sol bronzeia e aquece. A gata no cio mia de prazer. Um pássaro diurno cisma em cantar noturno. Peixe fresco de manhã. Mariscos na Vila Caiçara. Na sombra farta das amendoeiras escondem-se casas atrás das cercas de bambu. O luar.

Aparentes amenidades. Que censura pode haver para quem simplesmente deseja harmonizar-se com esses ritmos? Trocamos este tipo de figurinhas nos vinte minutos do percurso desse trecho da Baía da Guanabara. Chegamos à Praça Quinze, o contato virou lembrança, despedida.

— Até mais vê, gente.

— Dá notícias.

— Apareçam por lá, vocês vão gostar do espaço.

— Você, hein, vejo vocês breve.

— Telefona.

— Chega mais.

— Vamos ver.

— Tchau-tchau.

A sequência agora está em rumar direção ao Recreio dos Bandeirantes. Na Barra da Tijuca, perto da Pedra da Gávea, existe uma área de camping. Seguimos de "bus" até o Leme. Vamos dormir num apartamento de hotel modelo "tira-bota", cama e colchão comuns. Despertamos ao entardecer do dia seguinte. Fomos comer uns pratos feitos de comida árabe num lugar chamado "Beco da Fome".

Como diria Shakespeare, "o melhor tempero é a fome". Maior parte dos frequentadores das lanchonetes do "Beco da Fome", tinham fome mesmo, ou "larica". Daí o nome "Beco da Fome". Próximo a ele há o Cinema 1, na av. Prado Jr. que exibe filmes de autor. Pagamos ingresso para assistir "Fahrenheit 451", dirigido pelo cineasta francês François Truffaut, baseado num romance de ficção científica de Ray Bradbury. Valeu.

O filme narra a história de uma época "futura", em que a maior parte do aparato tecnológico repressivo da sociedade, está empenhado em perseguir e eliminar as pessoas que leem e as que escrevem livros. Nessa sociedade não há crime mais hediondo do que obter conhecimentos através de livros.

Há nela um corpo de bombeiros às avessas. Sua função social é queimá-los. Um dos bombeiros começa a escondê-los na roupa. Leva alguns livros para casa e começa a ler. Transforma-se num criminoso porque, ao contrário de incinerá-los, adquire conhecimentos "subversivos", reforçando com eles a individualidade.

A crítica à sociedade atual é evidente. Há repressão política e econômica à leitura de livros. Quantas pessoas das que viram o filme leram o romance de Bradbury? A edição brasileira de "Fahrenheit 451" chegou a vender três mil exemplares? O encalhe da edição corresponde a quantos livros?

Estas são perguntas que todo espectador que compreende os questionamentos do filme se faz. A conclusão óbvia é que há uma política editorial contra a sociedade brasileira. Num país de 170 milhões de habitantes, as tiragens médias de livros que não são meramente didáticos, chega, quando muito, a dois mil exemplares.

Compramos os ingressos, o filme estava mais para o fim do que para o começo. Na sala de espera ficamos conhecendo Ana e Ciro. Disseram estar vindo de Niterói, seguindo em direção a Parati. Viajavam de Kombi. O casal ficaria mais dois dias na cidade do RJ, até descolar uma coisinha que um conhecido vapor (“tamborim-man”) ficou de vender para ele.

Falei de minhas, agora trinta gramas, da "real". Uma "cannabis" tipo manga-rosa. Posso fazer-lhes uma presença.

— Tudo bem, anima-se Ciro. Depois de amanhã, na "madruga", a gente vai seguir em direção a Parati.

Ana indaga:

— Vocês conhecem Parati? Vamos chegar até lá. É isso aí.

Amô gostou da ideia, roçando-se em meu braço murmurou: "As emoções da Gávea podem ficar para depois, amor".

— Sim, claro, digo meio sem convicção: depois de amanhã de madrugada.

Pela descrição de Ana, o hotel em que se hospedaram é o mesmo em que me alojei ao chegar no RJ há noventa dias.

— Se houver quarto vago a gente se muda para lá ainda hoje, a afirmação é minha.

— Tinham uns turistas chilenos que iam sair hoje, confirma Ana, se saíram mesmo, a gente telefona depois de reservar um quarto pra vocês.

— Sairemos todos do mesmo lugar, pondera Ciro, facilita as coisas. Está valendo.

Ciro conhece a estrada antiga, de terra, que liga a cidade do Rio de janeiro a Parati. Estamos próximos ao solstício de verão. Ele começa dia 21. Chuvas recentes podem ter provocado queda de barrancos, deslizamentos de terra. Opinião geral: Parati vale os riscos da trilha, as dificuldades do caminho. A viagem não foi exatamente sem transtornos. Simplificando: estamos aqui.

A presença da manga-rosa pode ter motivado Ana e Ciro a nos convidar e fornecer carona. Como todo paulista, estou sempre a buscar um interesse comercial por trás de gestos de amizade. Ao chegar em Parati ficamos na rua da Capela, próximos a uma pensão.

Eles seguiram em direção à praia do Jabaquara, onde há um camping caseiro. Optamos pelo abrigo da pensão, dormir em leito comum. Alimentação de comida “feita em casa”.

Eu ansioso por escalar a Pedra da Gávea, subir até a "caverna do Viking". Na estrada, difícil se agendar compromissos. O tempo está por conta do acaso. O centro do mundo é aqui e agora. No momento e no lugar onde estou presente.

Parati é um raro prazer. Uma província que em fins do século XVI prosperou com o comércio aurífero com as Minas Gerais. Centenas de engenhos produziam açúcar e uma aguardente de cana difícil de igualar. Casas grandes com símbolos maçônicos. Sobrados, igrejas e teatros foram construídos no período de vacas gordas dessa região privilegiada do Brasil colônia.

Na paisagem suavemente selvagem, modorrentas ondas quebram cansadas à beira da praia desse pedaço de tranquilidade tropical sem par da baía. Destaques da arquitetura colonial: as igrejas da Matriz de N. S. dos Remédios, o Museu-Igreja de Santa Rita, e o Forte do Perpétuo Defensor.

Após o declínio da monocultura açucareira, passou a viver dos humildes recursos da pesca, da aguardente e do turismo. Chegamos a esse recanto em dias de muita agitação. Duas equipes de produção de filmes marcavam presença, simultaneamente. Uma das quais, estrangeira.

Mesmo quando ondas de turistas invadem suas ruas de paralelepípedos, a Cidade Patrimônio Histórico preserva um clima de antiguidade. Outra dimensão. Outro tempo.

Amô, de seu baú de artesanatos e de mercadorias surpresas, sempre consegue tirar algum "coelho". A longa estola, apesar das vendas, consegue sempre renovar as ofertas. Da bolsa maior saem bolsas menores com atraentes objetos de transação. Sua facilidade em comercializar bugigangas se deve, presumo, a um raro talento de prestidigitação. Ilusionismo.

As mãos, por mais aptidão e competência tenham, não podem criar conchas, cavalos marinhos, e alguns "buttons" em oferta. Um casal de turistas, pelo sotaque e aparência alemão, após adquirir um exemplar de certa concha marinha, volta pouco tempo depois, querendo saber “onde encontrarrr outrass dessasss concharrr?". Respondi a pergunta ingênua mas sinceramente. O alemão contestou minha resposta dizendo:

— Beirarr da praiarr? Imporssívell, contesta ele. Isso ser estranharr, non poderr.

Ficaram hesitando entre prosseguir um "diálogo sem réplica" (Amô estava ausente nesse momento), ou ir embora. As mercadorias expostas sobre um pano na calçada ficaram sob minha guarda. O casal alemão ficou algum tempo trocando ideias entre si. Certo momento chegou a discutir, chegando às vias de fatos. O alemão volta agora à carga, pressionando-me verbalmente:

— Senhorr terr mais dessar?, io comprarrr todars que senhorrr tiverr. Todars. Pagar duplar, triplarr do preço de conchar igual essar.

Chateado com a pentelhação do casal, afirmei não haver mais moluscos, nem outros tipos de concha, exceto aqueles que estavam sobre a estola. Volta a conversar comigo, dessa vez só a mulher.

Achei estranha tanta insistência. Vontade de exclamar "haus hier" para ambos. Ainda hesitantes, afinal, deram o fora.

Talvez fossem geólogos ou biólogos marinhos. Ou mergulhadores, oceanógrafos. Precisei de duas décadas para juntar as peças desse "puzzle" . Vinte anos depois, compreendi, afinal, porque motivo aquele casal de turistas ficou tão superlativamente ansioso por saber como aquela concha poderia estar à venda numa feira de calçada.

Essa é matéria para outro capítulo. Nele o leitor terá condições de melhor avaliar uma maior quantidade de informações. E estabelecer as correspondências entre motivo e consequência, pertinentes à compreensão de um complexo de eventos interdependentes. Afinal, o casal alemão tinha realmente motivos fortes o suficiente para mostrar tanta perplexidade.

Permanecemos seis dias na pensão e nove no acampamento residencial da praia do Jabaquara, de água mansa e lama medicinal, aonde Ana e Ciro prosseguiam arranchados. O Natal comercial passou. Mas nas páginas de um livro de poesias, li as frases de uma esperança que não passa:

Quando/Além das praias e dos montes/Iremos saldar o nascimento/Do trabalho novo/Da sabedoria nova/A fuga dos tiranos/E dos demônios/O fim da superstição/Saudar os Primeiros/Os Primeiros/O Natal sobre a Terra.

WINWEN E OS ÍNDIOS COLONIALISTAS

Ana e Ciro vão permanecer mais uma semana no camping. Amô ganhou a simpatia de um diretor de filmes documentários a serviço da Rádio e Tv visão Francesa, François Winwen. Está em Parati dirigindo um documentário, para uma série, sobre as cidades históricas brasileiras, e as regiões litorâneas que podem vir a ser transformadas em Área de Proteção Ambiental (APA).

— Parte do pessoal segue hoje para o hotel Nacional no RJ, em coletivo da produção, disse ela. Winwen ofereceu carona, vamos com eles?

— Beleza Amo, exclamo. Que horas vão sair, de que lugar? A Gávea nos espera.

— É verdade, responde enigmática. Entre dezesseis e dezesseis e trinta. Esse horário é incerto. O "bus" sai daquele bar, mesas cobertas com guarda-sóis de palha. Lembra?

— Sei, there will be an answer. Pronuncio as palavras como se parte de um código sonoro ainda a decifrar. A decifrar muito tempo depois.

O ônibus da produção cinematográfica francesa parte em direção ao RJ às dezoito horas. Isso prova que nem só brasileiros são imprevisíveis em questão de horário. O motorista segue pela BR-101, beirando o litoral. Winwen se comunica melhor em francês. Amô, fluente no idioma natal do cineasta, mantém diálogo com ele por uns quinze minutos.

Pouco depois do lero com Winwen, trocamos ideias a propósito das opiniões de François.

— Sobre cinema brasileiro, indago, malhou? é fã de "monsieur" Rochá, por certo.

— Isso aí, responde ela imitando o sotaque do diretor francês. Ele curte o cinemá de Glaubér Rochá. Pra ele o cinemá "brésillien" é muito cerebral, distante do espectador que paga ingresso para ficar a "ver navios" depois de assistir o filme.

— Cinema Novo é pra europeu aplaudir, ironizo. Sem chance de ser popular no Brasil, é isso?

Disse ter visto o copião de um filme do Nelsón Pereirá. Até ele, que se considera um "citoyen" informado, achou de difícil compreensão.

— "Como era gostoso meu francês" digo, do Nelson Pereira dos Santos.

— Esse mesmo, confirma Amô. Falou que só após ter visto o filme, leu uma sinopse e algumas críticas sobre ele. Descobriu que contava uma história sobre índios colonialistas, sacou?

— Verdade, confirmo. Pior seria se contasse história sobre aves que falam: pavão, tucanos, passarinhos e papagaios colonialistas.

Depois de um longo cochilo, a condução estaciona no pátio de entrada do hotel Nacional. François, com a gentileza característica do turista europeu despede-se de maneira amigável. Após trocarmos algumas figurinhas de despedida com membros da equipe da minissérie, seguimos de "tx" até as proximidades de um camping no Recreio dos Bandeirantes.

ERAM OS "GUIAS" ESTRANGEIROS? ("A filosofia da história partirá das fronteiras últimas da historiografia para especular livremente sobre problemas e inquietações que não cabem nos domínios da história científica." —— Fidelino de Figueiredo: Entre Dois Universos)

São 22 horas. Neste momento um grupo de mochileiros acampa nas proximidades de uma das portas de entrada, em direção ao alto da Pedra da Gávea. João José visualiza a silhueta da namorada, Helena, aproximando-se a uns cem metros, silhueta iluminada pelo néon da parte asfaltada da rua.

— A malandrinha chegou cedo, comenta. Leva o maior jeito pra essa coisa. Está aperfeiçoando o charme, os truques, vivendo e aprendendo a transar.

— Não é à-toa que o nome dela é o mesmo da santa padroeira das taras mais antigas do mundo, rumina Luís Carlos — Morde a grana dos trouxas e vem dividir comigo, gaba-se JJ. É seu jeito de se defender.

— Perua é pra essas extravagâncias mesmo, endossa Daniel. Ouriça o rabo de pavão, e atrai como ímã os instintos dos "bundão".

— Romântico pra caralho, apoia JJ, enquanto cospe de lado. O céu que protege é o mesmo que dana todo mundo.

— A mãe de vocês é a única mulher do mundo que andou na linha e o trem não passou por cima, protesta Regina, indo ao encontro de Helena.

Morena, cabelos pretos, bela, cansada de guerra, Helena acha que não merece nada melhor. Gosta da vã punição imposta pela companhia chauvinista de JJ. Não percebe por que, mas sente-se culpada, muito culpada. Acredita: ruim com ele, pior sem ele. Ignora estar vivendo uma relação sadomasoquista, pelo fato de não saber o que significa sadomasoquismo. Nela, ela é a parte explorada.

João José, Luís Carlos e Daniel vendem maconha e LSD entre as ruas Miguel Lemos e Djalma Ulrich, em Copacabana, a uma quadra do calçadão frente a praia. Grana líquida e certa nos fins de semana, principalmente. Sobram consumidores. Sem proteção policial, limitam as vendas à quantidade das drogas que conseguem entocar por perto do ponto de tráfico, sem muita bandeira.

Aventureiros pequenos burgueses da sobrevivência evitam responsabilidades outras, por não estarem preparados para exercê-las. Meio que inconscientes, não sabem ao certo definir o que buscam, ou do que realmente estão fugindo. Ignoram para onde se dirigem. Vidas sem rumo. Cada um deles é um outsider.

A tarefa de cada dia consiste em ir driblando os perigos. Equilibrando-se na corda bamba estendida sobre o abismo de um determinismo social sem destino. Perverso, sádico, com o qual mais e mais se identificam.

Entrassem em cana por tráfico de entorpecentes ou alucinógenos, a sequência do negativo do filme da vida deles poderia queimar mais cedo do que imaginavam. Dani bobeou. Não sabe se lhe ganharam "na cara dura” ou se perdeu os babilaques. Dormisse de touca, perigava vê o sol quadrado.

O grupo pretende permanecer na duvidosa segurança provisória do acampamento. Confiante na promessa de uma garota, a Puppy, ex-namorada de Luís Carlos. Ela combinou encontrar-se com ele ao entardecer da próxima sexta-feira. Garantiu guiá-los até a "cabeça do Viking", no alto da Pedra da Gávea.

Puppy namora atualmente um músico da MPB que faria sucesso com uma única canção. Ela e o namorado conhecem a trilha que facilita o acesso rumo ao alto da Pedra. São oitocentos e quarenta metros acima do nível do asfalto, ou do mar. Para que o leitor tenha uma idéia mais precisa do que significa tal altitude, o "Empire States", segundo edifício mais alto do mundo, possui cento e dois andares e trezentos e oitenta e um metros de altura.

"Fears Tower", o mais alto, conta com quatrocentos e quarenta e três metros e cento e dez andares. A queda de uma altitude dessa, significa transformar-se em mingau. Daí, a necessidade de um guia que saiba contornar a situação circunstancial de ter de se deparar, a poucos metros do Planalto da Gávea, com o desafio que separa o turista andarilho, da segurança do outro lado da trilha.

Oitocentos e quarenta metros é a altitude do Planalto da Pedra da Gávea, pouco acima da "caverna do Viking". A vereda, Pedra acima, se bifurca algumas vezes. Para quem desconhece a exata progressão do caminho mais seguro, pode vir a se deparar com a trilha pontilhada no topo de uma rocha muito inclinada sobre o vão do abismo. Puppy marcou touca. Não apareceu ao encontro marcado com Luís Carlos. Resta ao grupo, encarar os riscos de uma escalada sem guia.

Nesse momento eles comentam as dificuldades de subir a íngreme montanha:

— Chegando lá não dá pra voltar, diz Daniel, é zica para o resto da vida.

— Superstição, cara, protesta Helena. Você acredita mesmo nessa lenda?

— É só folclore, é a vez de Regina opinar.

— Folclore ou não, sustenta Luís Carlos, não vou facilitar. Se pintar a trilha pontilhada, é por ela que vou passar.

— Voltar é se azarar, reforça Daniel. Vai voltar em tudo o mais para o resto da vida.

— Tenho pavor de altura, entrega-se Helena. Mais garantido seguir na pista de alguém que conhece o caminho mais fácil, garante. Segurança nunca é demais.

— Logo ela que tem uma vida super insegura diz isso, sussurra Daniel.

— Sem guia não vou, garante Regina. Mês passado despencaram duas pessoas, li no jornal. A notícia saiu também em jornais tv visivos. Vocês não viram?

JJ, com banca de líder do grupo opina:

— Quem não quiser ir não vai, com ou sem guia, esse final de semana vou ver a cidade lá de cima, acampar dentro da "caverna do Viking".

A Pedra da Gávea possui um "status" mágico. Uma mística. Existem nela caracteres fenícios gravados há séculos, talvez milênios, ao longo do corpo da esfinge, e em muitos posicionamentos da rocha. Não poucos cientistas, estudiosos de arqueologia, investigadores dos movimentos orogênicos da litosfera, e das formações rochosas das montanhas, acreditam que os contornos da esfinge de Pedra, são produtos de intervenção alienígena.

O professor americano Cyrus Gordon mantém esta opinião. Não poucos hippies passaram pela experiência de atravessar a trilha. Resumindo a opinião dos que venceram esse desafio, um deles revelou num lero de acampamento: "Basta não se fixar obstinadamente nas dimensões do perigo. Nem o subestimar".

A trilha de pontos gravados no alto da lisura da pedra inclinada, é ínfima. Permite apenas uma precária força de atrito entre o corpo móvel e a inclinação da rocha que dá acesso à segurança do outro lado da trilha. Por esse caminho é um desafio chegar-se em segurança à "caverna do Viking". O peregrino pode e deve aceitá-lo.

Uma vez ultrapassada a dificuldade da trilha, o andarilho se conduz a um estágio mais avançado de conhecimento e de desenvolvimento interior. É preciso vencer o medo de prosseguir, apesar dos perigos, e alcançar o objetivo da escalada. Não retroceder significa fortalecer o ego, a força de vontade.

Encarar o desafio do perigo como sendo uma chance, a oportunidade de chegar a um objetivo mais elevado. A princípio esse objetivo é apenas a segurança de estar pisando o chão do outro lado da rocha inclinada. A sensação de poder vencer o estorvo.

Saber ser possível acreditar, não obstante a gravidade do risco de despencar da altura de 840 metros, na possibilidade de trabalhar a própria segurança, após se expor ao perigo. Superar uma situação difícil significa conseguir ampliar um patrimônio existencial.

Amô e eu chegamos ao sopé da montanha de Pedra na Gávea. Desta forma ficamos conhecendo a "turma" de JJ. À vista, duas barracas armadas na vegetação local, próximas de uma das residências de uma cantora baiana de projeção nacional.

JJ cantarolava, parodiando a letra e a música de um compositor baiano, Dorival Caymmi. Regina, Helena e Daniel faziam compras num supermercado da Barra da Tijuca. Ele canta, como quem a seus males espanta.

“Nada como ter nota na vida/Nota mesmo, ou mesmo um cheque sequer/Todos querem muito bem a nota/Quero eu, todo mundo também quer/Um amigo meu diz que com notas/Canta-se melhor flor e mulher/Eu que tenho notas como tema/Canto a gatinha que quiser..."

Luís Carlos gostava de Helena que gostava de JJ, que gostava de ser idiota. Helena sentia-se bem quando desejada. Carente, quanto mais orgasmos faturava com seus programas, mais gostaria de obter, compulsivamente, prazer, de suas possibilidades instintivas inconscientes. Luís Carlos mal continha os ciúmes. Irritou-se com a cantoria de JJ, e começou a ruminar:

— Morena cabeça de bagre, não consegue segurar ninguém melhor do que este panaca filho da puta.

Luís Carlos ruminou as frases talvez um pouco alto demais.

— Como é essa história aí, ô cara, reage JJ, como quem parte, agressivo, pra uma decisão na base da porrada.

— "Take it easy", responde LC, pensando em voz alta. Só isso.

JJ reagindo à resposta provoca o parceiro um pouco mais.

— Ahh, isso aí malandro, tornando a cantarolar provocativo uma canção com letra e música de sua chula autoria, em ritmo de samba:

“Sonhei que estavas me enganando/Dizendo que eras malandro/(Bis)/Tenho um pasto verde pra você pastar/Tenho uma corda grande pra te amarrar/Ahh, como é triste o desengano/O ditado diz/Quem nasce cavalo/Só morre pastando.”

Irritado, LC afasta-se em direção à praia. O sangue lhe subiu à cabeça, deseja curtir a raiva sozinho. A resposta de JJ às provocações balbuciadas por Luís Carlos, não ficou barata. Empatizando a cólera do rival, começou a cantar, com redobrado gosto, outro plágio sonoro de outra composição da autoria de Caymmi.

“Helena, morena Helena/Você se pintou/Helena, você faça tudo/Mas faça um favor/Não pinte esse rosto/Que eu gosto/Que não é só meu/Helena você é vadia/Com o que Deus lhe deu..."

Chegando ao local indago, interrompendo a cantoria de JJ:

— Carinha, vocês vão subir, ou desceram a Pedra?

Ele olha para Amô e para mim, avaliando se dá ou não uma resposta simpática.

— Amanhã a gente pretende subir, quem responde é Daniel que está a chegar das compras com Helena e Regina.

— Estamos dando um tempo para um casal conhecido nosso, ele vem amanhã, completa Helena, passando as sacolas de compra às mãos de JJ. Ele vai servir de guia.

— Vocês sabem o caminho, a voz esperançosa de Regina se faz ouvir, ou estão escalando pela primeira vez?

— Isso aí, contemporiza ela, pela primeira vez.

— Vamos dar um tempo neles até amanhã, fala JJ com certa afetação na voz, até o entardecer. se é que vem mesmo.

— É por aí, confirma Helena com certa ansiedade. Se é que virá.

— A Puppy não é de pisar na bola, defende-se LC, se me disse que vem é que vem mesmo.

— É carinha, reage Regina, mas há sempre uma primeira vez pra pisar na bola.

— Ninguém dá essa certeza, garante JJ, quem falou que ela vai pintar foi o Luís Carlos. Não boto a mão no fogo pela palavra de ninguém.

— Se não vier, diz Daniel, a gente escala a Pedra do mesmo jeito. Sem crise.

— Imprevistos sempre acontecem, garante Amô, pode acontecer desse casal não vir. Tudo é possível.

— Querendo podem chegar, convida Helena, enquanto olha para o namorado como quem pede a permissão de JJ. Venham com a gente, provoca. O espaço é pequeno, mas há lugar para mais uma barraca aqui.

— Tá limpo, concilia João José, após o olhar interrogativo de Helena, ainda buscando a aprovação do parceiro.

Depois de armada a tenda, caminho nas proximidades do sopé da Pedra. Sigo em direção à Barra da Tijuca. Praia é sempre um colírio. Após duas horas caminhando pelo litoral, volto à barraca.

Amô está terminando de lê o segundo volume da obra Le Deuxième Sexe (Editions Gallimard) da autora francesa Simone de Beauvoir, mulher do escritor Jean-Paul Sartre.

Fico na dúvida se leu mesmo ou está só fazendo charme. Lembro-me que os dois volumes somavam umas oitocentas páginas. Ela os comprou na madrugada de hoje, numa banca de revistas/livraria, aberta 24 horas, nas proximidades da rua Duvivier, em Copacabana.

Entro na barraca, a chama do pequeno candeeiro azul acesa. Em minha mente desenha-se com nitidez a frase: amor à estrangeira. Vejo Amô sob a transparência de outro de seus vestidos compridos, de motivos florais.

A calcinha penetrando no vinco do bumbum bulindo, contribui para acentuar o clima de volúpia ambiental. Minha sexualidade dominada por fixações machistas projeta-se em direção à sua feminilidade: "Querida, você vai sentir como é gostoso curtir um fuque-fuque bem-bom".

Ledo engano. O orgulho masculino murcho. Entoca-se igual às representações da sexualidade masculina desenhadas por Jeronymus Bosch, pintor renascentista (1450/1516), precursor do movimento surrealista na tela "Jardim das Delícias".

E agora machão? Para compensar o vexame da "brochura", fixo-me nos "insights" sonoros que ecoam no interior da mente: amor à estranha. A frase esquisita: quem é a estranha? Sim, é isso, convivo com ela há meses, mas com certeza estou longe de conhecê-la. Amô, sim, Amô é realmente uma estranha. Toda mulher é uma estranha.

As frases surgindo de meu subconsciente somavam-se aos estímulos a vulva roçando, sensual, minhas pernas e coxas. A lascívia de uma planta de carne a contrair e a expandir-se sobre mim. Delícia de sexualidade. A libido volta a manifestar-se com grande força.

Estranha mulher Mochileira. Estranha amazona. A vagina, lareira quente a aquecer meu tesão. Intenso calor libera a xota erógena. A gruta contrai a vulva num exercício de gradativa e inevitável excitação. Seu canal parece enlaçar meu membro com mil segmentos de delicados músculos em contração.

Uma massagem alucinante de membranas mucosas com indescritível, exímia mestria, conduz minha excitação a um êxtase libidinal, a um orgasmo que eriça todos os poros de meu corpo com uma explosão de harmoniosa e inefável vitalidade. Amanhã chega cedo em sua companhia. E a tarde.

São quinze horas. Estamos na espreita. A Puppy e o namorado músico, podem chegar a qualquer momento. Não devemos ficar mais tempo nesse lugar. É uma rua larga e asfaltada que sobe em direção ao sopé da montanha. 16, 17, 18, 19, 20, 21 horas. Nada.

Não podemos ficar marcando touca nesse acampamento improvisado. Os hôme podem cismar e querer dar um bascolejo no interior das tendas, revistar as mochilas. Opinião geral: não se deve permanecer outro dia aqui.

— Se a cana cismar e correr em cima? Comenta Luís Carlos.

— Vão perder tempo, responde JJ. Manera nos grilos que eles estão fazendo outros ganhos.

— Fins de semana os milicos vão morder noutra freguesia, em outras "jurisdições", afirmo. "Hippie" não dá lucro.

— Vai nessa não, mano, intervém Regina, tem deles que ficam na fissura. Querem fumar umzinho de qualquer jeito.

— Ou mostrar serviço, diz Daniel. Facilitar pode ser dançar.

— Sem chance pra eles, afirma Amô. Nada de vacilo, induz: daqui a pouco vamos acampar perto do cimo.

Enquanto a conversa rendia, dois "hippies" adiantaram-se pelo caminho de asfalto em direção à base da Pedra.

— Pode ser que estejam indo em direção à caverna no alto do planalto, fustiga Helena, não vamos perder essa "carona".

— Hei carinhas, chamo, deles me aproximando. Vocês vão subir até a "caverna do Viking?"

— Estamos a caminho, confirma um deles.

Sua voz terá sido impressão minha? Soou metálica. Viram-se em direção à Pedra e voltam a caminhar, lentamente, como se num convite a segui-los.

O pessoal apressa-se em desentocar as "coisas", os estoques de "motivação mental" disponíveis. Luar cheio. Firmam nos ombros os objetos de andarilhos, aproximam o passo em direção aos "guias". Pé na Estrada. Eles não tardam a serem seguidos de perto.

Em certos trechos da travessia em direção ao Planalto da Gávea, oitocentos e quarenta metros acima, pode-se visualizar a paisagem marítima das águas fluorescentes do mar. Ninguém "se tocou" de perguntar aos supostos "guias", se a estreita vereda que partilham conosco, segue ou não em direção ao íngreme penhasco, encimado pela "trilha" no escarpado declive da rocha que beira o abismo.

Confiou-se neles simplesmente. Talvez fossem apenas a motivação que faltava para que nos decidíssemos seguir caminho. Sem nenhuma garantia de que saberiam chegar em segurança ao espaço interior da "caverna do Viking", contornando os perigos da "trilha" inclinada sobre o abismo.

Comenta-se, não sem certa apreensão, a possibilidade de estarmos nos dirigindo à passagem sobre o declive abissal, há oitocentos e quarenta metros acima do nível do mar.

— Agora de olho no que acontece, opina Luís Carlos. Vamos seguir os caras, sem perder eles de vista.

— Tudo sob controle, "todos os caminhos levam a Roma".

— Ou ao coma, que pra baixo todo santo ajuda, ironiza Helena, meio ofegante. Pra cima a coisa toda muda.

Os "guias" prosseguiam na frente ganhando distância. Por vezes diminuíam o passo, como se à nossa espera. O trajeto para eles era mais fácil, estavam livres de qualquer peso, exceto o das roupas no corpo. Não conduziam lanternas, mesmo agora, quando a lua está encoberta atrás das nuvens. A tenda deles deve estar armada lá em cima.

— Enxergam no escuro? Os filhos da mãe têm olhos de gato. Afirma JJ. As muitas nuvens encobriram o brilho da abóbada celeste.

Nossas lanternas iluminam a estreita passagem aberta na vegetação do lugar. Regina e Helena, após uns quarenta minutos de pique em direção vertical, reclamam cansaço. Mas não se pretende perder de vista os "guias". Pelo jeito, não haverá parada no caminho Pedra acima. A travessia rumo ao cimo vai ser de um só fôlego. Tudo bem são "apenas" oitocentos e quarenta metros de pista verticalizada. Os últimos cento e cinquenta são de respiração mais difícil.

À certa altura o pessoal simplesmente parou. A intervalos variados de tempo, os membros do grupo chegam arfando. Tomando fôlego. A transpiração goteja dos poros. Os troncos arquejam. Camisetas empapuçadas de suor. Ainda não é o cimo. Mas ele está próximo.

Os "guias" permanecem distantes, fechados à comunicação. Ignorando a canseira do grupo, um deles dirige-se até o lugar da rocha que, há momentos, me serviu de apoio. Levanta os braços, como quem quer segurar as bordas da superfície superior do rochedo. Num impulso preciso, projeta-se para cima. Logo depois aterrissou sobre a pedra, de cócoras.

Os braços em tripé, esticados entre os joelhos abertos para as laterais do corpo. Os artelhos dos dedos dos pés pressionando o chão liso da pedra. O olhar, como se fixo na linha do horizonte. A sequência rápida dos movimentos surpreende a todos os que observaram a façanha.

Sem tomar conhecimento da "trilha" pontilhada na parte superior da rocha (para vê-la é preciso estar sobre ela), aos saltos, alcança a segurança do outro lado. Chegou com facilidade à margem oposta, inclinada sobre o vão do abismo.

O outro "guia", imitando a sequência de movimentos do primeiro, aos saltos, lembrando as evoluções de um Canguru, reproduz com destreza a sequência anterior dos ágeis movimentos do antecessor. Quem viu, precisou de algum tempo para crer nos próprios olhos.

— Esses caras são de circo, afirmo. Há um circo armado na av. Getúlio Vargas.

— Fugiram da jaula dos Cangurus, apoia Regina.

— Incrível, exclama Dani, só vendo pra acreditar.

— Quem vai ser o próximo? Indaga LC, você Daniel? Ele estica o pescoço por sobre a superfície do rochedo, começa a sorrir.

O sorriso dele é contagiante.

— Moleza, cara, vai você agora, desafia JJ. Sem disfarçar certa afetação.

JJ apoia as mãos na parte mais baixa do rochedo, impulsiona-se para cima, avalia, por segundos, a periculosidade do trajeto.

— Nem que a vaca tussa, vitupera convicto. Não sou acrobata.

— Isso aí, confirma Helena. De manhã a gente ver.

— De circo e de louco, Dani repete o dito, toda gente tem um pouco.

— Tudo bem, afirma Amô, ninguém vai perturbar nessas alturas, depois do sol nascer todos vão passar. Sem crise.

— Agora, confirma Helena, nem pensar. Nem morta.

As opiniões se multiplicam. Alguém sugere uma "sessão Coruja". O inconsciente excitado do grupo gerou uma variedade de comentários.

Todos de acordo: os "guias" eram uns caras estranhos. Tinham permanecido "na moita" todo tempo.

— Não trocaram ideia com ninguém, comenta JJ.

— "Estamos a caminho". A única coisa que disse um deles, lembro, em resposta à pergunta se poderíamos segui-los.

Manhã. 7 hs 30 m. Intrigado com as façanhas de ontem, analiso os eventos. O impulso para subir a rocha de um salto, mesmo na parte mais acessível, e seguir aos pulos em direção à outra margem, exige coragem, desprendimento, e uma força física maior do que a de um atleta olímpico. Ainda assim, este precisaria de uma vara de apoio para saltar do chão para a pedra.

Não estou sozinho em minha ansiedade por respostas racionais. A galera, às nove da matina, ainda hesita em crê na facilidade com que eles superaram o obstáculo rochoso.

— Só em noite de lua cheia acontece uma coisa incrível dessa, comento. Mesmo se a lua estiver escondida por entre as nuvens.

— Se me contassem, sei não, confirma LC, ia dizer ser piração.

— Essa altura, mais o declive do solo, concluo, transforma em inércia qualquer velocidade de impulsão.

— Não há espaço para impulsão nenhuma, conclui JJ.

A explicação racional que pudesse justificar os saltos, não pintou. De mim para comigo, imagino os eremitas, os peregrinos, os Estrangeiros, que nas antigas comunidades eram tidos por perigosa ameaça. Dois deles subiram esta montanha de Pedra ontem. Saltaram para cima desta rocha como se fossem mamíferos marsupiais, pulando até o outro lado.

Quem não viu, dirá que não pode acontecer. É puro contrassenso. Olhei para Amô. Ela sorria como se fosse uma Monalisa de Picasso, se Picasso houvesse pintado uma Monalisa em sua fase "blue".

Sorriso ambíguo enigma, de quem, como Édipo, decifrou o enigma da Esfinge. Dela emanava uma espécie de magnetismo transpessoal. como se estivesse doando-se. O espaço físico em volta funcionava como se fosse uma "interface". A separar as diferentes propriedades de caráter das pessoas presentes.

Pode ter sido apenas impressão minha, influenciado pela convivência e pela intimidade. Deste momento guardo a nítida sensação de calor. Certa radiação, emanando de seu corpo, atingindo os presentes. Mudando os ânimos.

A estranha sensação de que não ter um rosto é a sua verdadeira face.

Pasmaceira e perplexidade. À supervalorização babaca do "show" dos "guias", os comentários sobre o "salto do Canguru", seguiu-se uma atitude de geral serenidade. Seu olhar, como que simultaneamente, fixou a íris dos olhos de todos. A memória auditiva traz de volta um impertinente zunido. Cada um dos dois glóbulos de meus olhos "explodiu" dentro das órbitas. A fulgente consciência sensorial de estar sendo estimulado por um acontecimento raro. Incomum. Exterior.

Pouco depois, como se nada houvesse acontecido, ganhou-se certa objetividade. Escalei a parte baixa do declive da rocha próxima, na beira do abismo. Pisando forte e pausadamente, o tronco inclinado para frente, buscando manter a força de atrito na lisura da superfície da pedra.

Lembrei da frase do hippie, "não se fixar demasiado no perigo. Nem o subestimar". Afastar da mente a possibilidade de uma queda equivalente à de um edifício de trezentos andares, com oitocentos e quarenta metros de altitude. Inverti a polaridade. Meu potencial neurônico concentra-se no objetivo a alcançar.

O vigor físico de meu sistema nervoso energizado pela crença de que, para estar em segurança do outro lado da rocha, basta simplesmente caminhar sobre a lisura do rochedo. Sem crise, simples: a mente esperta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Como nos versos da música do Valter Franco. Caminhei na diagonal da Pedra sem precisar subir até o topo e seguir pela "trilha" pontilhada.

Fácil. Como quebrar o "ovo de Colombo".

Do outro lado, enfim, o salto até a segurança do chão. A sensação de que os perigos e bloqueios existem apenas para serem vencidos. Desta forma se vencem os medos: superando-os. Os medos que me separam de uma atitude mais objetiva em direção a um nível superior de progresso espiritual e material.

Ficar ruminando na inércia é uma atitude que não conduz a nenhum objetivo que valha a pena mentalizar. Se existem ideais a alcançar, eles só podem ser alcançados com objetividade. A Mochileira, após subir na rocha, caminhou naturalmente rumo ao lado oposto. As mãos segurando os flancos do corpo, salta para o chão de terra.

João José antecipou-se à Helena. Chegando do outro lado, deu mostras de seu machismo bronco, instigando: "Vem querida, é mais fácil do que pegar carona na Vieira Souto de madrugada". Sutil, como um elefante dirigindo um fusca. "Que filho da puta", exclamei subjetivamente.

— Vá se foder caipira filho da puta, a resposta precisa de Helena.

Todos gostamos da surpresa, exceto JJ, é claro. Ela começa a reagir, a defender-se com precisa objetividade à baixaria do namorado. Ela, que sempre se mostrou tão submissa.

Luís Carlos aproveita para "tirar uma casquinha", ajuda Helena a subir na lateral do barranco. Os pés descalços sobre a "trilha" imitando os passos da Mochileira. O vento começa a soprar mais forte. Nervosa, a meio caminho, seu medo de altitude prevalece.

Ela perde o precário equilíbrio, mas não o instinto de sobrevivência. Após agachar-se, seu corpo escorrega em direção à borda do precipício. A força de gravidade parece estar ganhando de seus esforços para manter-se firme na superfície oblíqua da pedra. Desliza um pouco mais para baixo.

Seus joelhos e pés patinam sobre a rocha escorregadia, num desesperado esforço parar manter-se sobre ela. Estendo a mão esquerda em sua direção, o tronco parcialmente inclinado sobre o rochedo, enquanto a outra mão apoia-se na borda da rocha. Consigo fechar meus dedos, segurando os seus que se desprendem. Vejo pânico em seus olhos. Ela não resistirá mais tempo.

Amô se posiciona de cócoras próxima à cabeça de Helena, apoia a mão no vão de suas axilas, e recua. Suas mãos, como se fossem garras, puxam o peso de Helena, distanciando-a da borda do precipício, enquanto seus pés retrocedem, ainda de cócoras, até a lateral da declividade do rochedo, onde estamos agora, em segurança.

Coragem, força, desprendimento: as mesmas qualidades dos "guias" de ontem a noite. A atitude de Amô serviu para criar um clima de grande suspense. Não houve quem, a princípio não pensasse que ela também despencaria no abismo. Para surpresa geral não aconteceu.

Como uma garota de aparência frágil, na realidade oculta uma energia física e um altruísmo ímpar? Quem mais seria capaz de seu gesto? Ninguém. Mesmo por que Helena deve pesar uns sessenta quilins no mínimo.

Passadas a ansiedade e a geral apreensão, após esse incidente quase fatal, acampamos no espaço lateral externo à "câmara do Viking". O interior da caverna é precário. Mas o jeitinho funciona melhor em situação de aperto. Algumas pessoas, talvez achando o ambiente muito congestionado, resolvem descer Pedra abaixo.

Próximo à caverna uma mulher branca, magra, cabelos castanhos encaracolados, faz par com Faustinho, um gorducho de bochechas sanguíneas. Há outro casal, de pele negra, cabelos longos trançados finos, estilo "black-power".

— Hei "brother", diz o negro estendendo a mão. Eu sou o Jonas. Vai rolar um “fino”, marca uma presença para encorpar o chá. Vamos barrufar um baseado da pesada, de leve.

O "irmão", está por conta dos cabelos longos, da barba por fazer. Sua companheira aproxima-se, dentes brancos à mostra, reforçando a argumentação da presença de cannabis. Hortência. Traz em mãos uma seda de palha, longa, uns vinte centímetros. Ao longo do vinco vejo uma substância escura e finamente granulada: haxixe.

Ela vem cheia de certeza e acerta. Ainda restam umas quinze gramas de marijuana. Pelos indícios (pele bronzeada, "hair" longo, tênis e "jeans" gastos pelo excessivo uso), sabe-se avaliar as cabeças. Na Estrada a prática da telepatia é comum, não com a nitidez com que a Mochileira pratica. As ideoplasmas das pessoas migram com mais facilidade de mente para mente.

Pela conversa que se desenvolveu na sequência, e apesar da aparência maciça de Jonas, Hortência é como uma baleia, a manter Jonas no ventre.

— Essa manga-rosa agita as ideias numa boa, beleza, afirmo, ao voltar com a presença da barraca.

— Só fumando, "brother", "vê pra crer". Desafia ele. “Joia rara”.

— Quem sabe vê, aprende a aprender, diz Amô, chegando-se mais.

— Hihihihi, olha só as milongas da figura, ironiza Jonas, enquanto aponta em direção a Mochileira, afirma: essa mulher é da política.

— Quem menos corre voa, sugere Hortência.

— Aquele casal ali, Jonas faz um gesto de cabeça na direção do gordo e de sua companheira magricela, está tentando fugir da escola.

Familiarizado com as entrelinhas dos leros de Estrada, intuo a conjuntura ambiental, através da percepção de eventos emocionais muito discretos, quânticos, imperceptíveis aos menos neófitos irmãos de Estrada. A presença da cannabis causa impressão. A princípio apenas pela quantidade. Começo a deschavar o cocô de cabra entre as mãos.

— Este é o "manjar dos Pajés", a orientação espiritual das tribos, afirmo.

— Isso aí, carinha, Hortência saca: pajé, sacerdote, médico, profeta, sara a dor. Sara a dor de Sara e de outras mulheres, antigas, e novas madalenas bíblicas. As que não viraram estátuas de sal.

— Pajé, benzedor da aldeia, confirmo. O que invoca os espíritos de natureza mágica, para a proteção de um planeta entregue à entropia da corrupção coletiva.

O lero girou sobre as propriedades mágicas e medicinais da maconha. Quem deschava e acende o baseado ganha certo "status". Não no mundo físico, apenas. Na dimensão astral das entidades que observam os seres humanos de um universo paralelo ao nosso. Este é outro "evento quântico", nunca verbalizado, apenas sugerido.

— Dá só um tempinho mais, dá um maior trato nela, cara. Vou apertar, mas não vou acender agora!!!

Dizendo isto, passo às mãos de Hortência a presença da cannabis. Pego a seda de palha de suas mãos, trazendo-a para as minhas. Completo a frase anterior sugerindo:

— Deschava mais um pouco, dividindo ao meio a seda, digo: assim rola mais igual pra todo mundo.

— Você, hein, carinha? Hortência sorrir, está sabendo dos lances.

Jonas sente-se perdendo o controle sobre a situação de manuseio do baseado. Passa da postura PSI de simpatia, para outra, indagativa, quase agressiva. Ela deposita a marijuana nas duas metades da seda que seguro entrededos. Pega uma das metades levando-a à boca, (faço o mesmo), passando a língua ao longo da margem superior da mesma, enquanto justifica a sequência, apaziguando os ânimos:

— "Tá limpo", cara, fala entredentes, como se para uma persona subconsciente de Jonas, desse jeito rola mais solto. A moçada faz a cabeça na "paulistinha".

Acendo uma das partes do mingote que rola de mão em mão.

— Alguém já disse, Amô, "os poetas se inspiram inalando fumaça e traduzindo as mensagens do vento".

— Essa é de Angola, admira-se Jonas: cabeça boa não rola. Aspira pelo nariz a seda do cigarro em toda sua extensão.

— No geral da situação, comenta Daniel, os hôme vão prosseguir ferrando todo mundo?

— "Tá maus", confirma Hortência, quem não aplaude os milicos é tido e havido por erva daninha.

— Quem se nega a ser macaca de auditório, reforça Luís Carlos, é detido como elemento ativo, feroz e nocivo ao mal-estar comum.

Uma vez no ar a maresia, quem estava por perto foi chegando.

— O gordão é um estorvo, indica Jonas. Para chegar aqui passou maus momentos. E olha que não fuma nada.

— É enjoo de altura, cara, o diagnóstico é da Hortência, você também. Para de implicar com ele.

— Se a cabeça não segura os baratos, torna Jonas, fica entocado, não sai de casa. Vomitou, reclamou, escambau.

— Por isso vai ficar em casa? Qualé Jô. Solta do pé do cara, ela torna a criticá-lo.

— Um baixinho de nome Rock, conta ele, desceu antes de vocês chegarem, receitou uma "cibalena" para o "escocês". O gordo aceitou na maior das inocências.

— Há mais de três horas Faustinho está "viajando", confirma Hortência.

Hortência disse que Paula, a mulher do "escocês" Faustinho, induziu o companheiro a ingerir a "pedra", levando a ele um pouco de água na tampa de uma garrafa térmica.

— Que "baratos" o cara deve estar apreciando há horas, ironiza Dani. Queria estar fazendo essa "viagem".

Faustinho, o gordo de bochechas coradas (daí o apelido "escocês"), está em plena viagem neurônica de expansão da consciência. Paula, sua mulher, nesse momento aproxima-se dele e indaga.

— Você está bem, Faustinho?

— Sorrisos.

— Você não está normal, carinha.

— Mais sorrisos.

— Tá de bobeira ô meu? Irrita-se Paula.

— Sorrisos mais largos.

Segundo Paula, há horas que a resposta é sempre a mesma: sorrisos. As palavras não se articulam. Agora sei por que afirmam que o ácido lisérgico é uma espécie de "Zen instantâneo". Fausto, o gordo, sorria amável como um Buda. Não era sorriso cínico, mas compreensivo, inteligente, amável. Pernas dobradas em posição de Lótus.

— A coisa mais importante para uma pessoa, Amô comenta, é seu fluxo PSI interior. As "viagens" reais, que traduzem os signos do autoconhecimento.

Hortência chega até Paula e explica que dois mais dois são iguais a cinco: a "cibalena" que Fausto ingeriu era, na real, um potente alucinógeno de nome yellow-sunshine.

— Que amiga é você, reage Paula, agora que vem dizer?

— Só fiquei sabendo quando o Rock estava descendo, argumenta Hortência, foi quando ele me disse. Faustinho já tinha ingerido.

— "Take it easy", garota, opina Jonas, ele está curtindo legal a transa. Esse tipo de "pedra" não tem anfetamina, quisera estar no lugar dele.

— Não esquenta, prossegue ele, já-já ele volta a ser o porra-louca de costume: Faustinho, o vomitador.

Hortência, Paula, Jonas e Faustinho conheceram-se na "Juventude Independente Católica". Disseram que o trabalho de assistência social que prestavam nos bairros da periferia do Rio de Janeiro passou a ser gradativamente boicotado.

— O pessoal da "Opus Dei" se infiltrou de cima para baixo, afirma Paula, nos grupos de trabalho. Ficou barra cumprir a sequência dos compromissos. De repente tudo ficou difícil. É como se tivessem trancado as portas de acesso das comunidades: suas solicitações não mais chegavam até as lideranças de nosso grupo nem mais tínhamos acesso às pessoas.

— A Juventude Agrária, Estudantil, Operária e Universitária, grupos de jovens cristãos da Ação Católica, confirma Jonas, sofreram todo tipo de pressão da hierarquia. "Eles" minaram nosso trabalho.

— Também acho isso, confirma Hortência, "eles" estavam articulados no comando. Parte da igreja ainda são domínio e feudo deles, opina: não é a igreja dos Evangelhos.

— Mas por quê, indago. Vocês faziam política?

— Que nada, cara, protesta Paula. A gente só queria mesmo prestar serviços. Ser útil. O “establishment” nos quer inúteis. Drogados. “Pacificados”, ou então coelhos, fazendo filhos adoidados para povoar as guelras dos Tubarões do consumo.

— Ninguém nos grupos de trabalho mostrou interesse em sair candidato, reage Jonas. Muito pelo contrário.

— O pessoal acreditava, segue Hortência, que entrar no jogo da política é cair numa ratoeira.

— Político é ladravaz de colarinho branco, insiste Paula. Quem se candidatasse não teria apoio de ninguém dos grupos.

— O medo maior era de a gente poder tirar votos dos candidatos deles, comprova Hortência, ligados à oligarquia oficial de torrar o dinheiro público via conchavos entre irmãos. Entre aqueles “irmãos” que são mais “irmãos” do que os outros.

— Enquanto "eles" dominarem a política, e tudo indica que vão continuar dominando, os eleitores vão seguir chupando o dedo. Ironiza Jonas.

— A estratégia da "Opus Dei", é que é melhor prevenir do que remediar, dessa forma "eles" se garantem, complementa Paula.

— Com “eles” na política, confirma Hortência, fica mais fácil subir a Pedra da Gávea pedalando, num pique só, do que as verbas públicas chegarem até a periferia das metrópoles. Ou nas zonas de seca do nordeste.

— Então o bom Deus está contra tudo e contra todos, todo tempo? pergunta Jonas: nunca ninguém vai poder fazer nada? Eu desconfiava.

— Eu, certeza.

— O bom Deus, com certeza, não está a favor, nem contra, nem muito pelo contrário, digo com certo sarcasmo. Até onde eu sei, quem dirige a história, e embolsa as verbas sociais, é o "rei dos animais".

Depois desse lero, ficou evidente que o discurso e a insatisfação popular sobre política, faz parte da vida na estrada. Algumas pessoas, antes de se marginalizarem conscientemente, buscaram uma atuação útil na vivência da comunidade. Foram sistematicamente boicotadas por instituições de patrulhamento social e religioso sub-reptícias e subliminares, modelo "Opus Dei". Herdeiros atuais do "Santo Ofício", força política dominante em parte substancial da igreja católica. Como afirmou frei Leonardo Boff, "o cristianismo oficial tem compromisso com a dominação, por isso, esperemos pouco dele".

Os outros leros do dia giraram em torno do desenho da enorme Ibis no Morro Pão de Açúcar, na enseada da Urca. Ela fica cada vez mais nítida à proporção que se ergue o sol no céu. A Ibis é um símbolo antigo. Representava, no Egito, a sabedoria esotérica. Veem-se também as figuras de um ganso, uma Ankh (chave da vida, do conhecimento e da imortalidade), e Peixes.

Uma hippie argentina falou que estes lugares fazem parte de campos de intensidade de forças chamados “leys”. Eu tinha visto na Pedra Bonita, próxima à Gávea, numa das faces laterais da muralha, um dragão alado numa encosta de um perigoso e quase inacessível precipício, considerado maldito pelos alpinistas, devido à grande quantidade de acidentes. Dragão alado quer dizer aeronave estilizada.

O papo mais carregado de emoção. O desaparecimento de dois rapazes, filhos de militares de alta patente do Exército, ainda está sendo muito comentado nos jornais. As reportagens citam as três ilhas que daqui do alto podem ser vistas: Alfavaca, com formato de peixe, Do Meio, forma de Cone, e pontuda, parece um homem deitado. Os jornais relatam que eles alugaram um barco pesqueiro no sábado passado, para uma exploração na ilha Do Meio.

No domingo à tarde, quando o dono do barco foi buscá-los, eles haviam sumido. Uma operação de busca pente fino, promovida pelas famílias dos militares, com a participação de barcos patrulha da Marinha e de helicópteros da FAB foi promovida sem resultados positivos.

A hipótese de afogamento descartada, a larga faixa da plataforma continental submersa que envolve e cerca as ilhas, quebra o impacto das ondas, sendo praticamente impossível a morte por afogamento.

Mergulhadores amadores e profissionais que exploraram as ilhas, disseram em entrevistas, que há escadas que conduzem a áreas mais profundas. Um mergulhador mencionou a entrada de uma imensa caverna submarina, mostrada numa suposta foto do local. O folclore afirma ser possível chegar à “caverna do Viking” por um caminho subterrâneo, à partir de uma das ilhas.

Estou crescendo intelectual e espiritualmente, devo isto a estar com o pé na Estrada.

L I V R O S E G U N D O

A METRÓPOLE VISTA DO HORIZONTE DO PÁSSARO ("Quando a Terra é avistada da Lua não são visíveis as divisões em nações ou estados. Isso pode ser o símbolo da mitologia futura. A nação a celebrar." —— Joseph Campbell “O Poder do Mito”)

Dirijo-me à barraca pensando na incrível capacidade de adaptação das pessoas. Desperto de madrugada, olhos em Amô. Fixo os seios nacarados, ímãs. A separá-los de minha língua a suave transparência do vestido. Farto salivar lupino sobre as curvas mamárias.

Que seria do complexo de Édipo se as fêmeas do mundo fossem feitas desse barro. A tragédia de Sófocles não teria sido escrita. Sem problema, transar com uma mãe como Amô.

Uma voz desafinadamente melodiosa, segura pela musicalidade de um violão entoa: "Vou cantar esta sambinha/feito de uma nota só/outras notas vão entrar/mas a base é uma só/esta outra é consequência/do que acabo de dizer/como eu sou a consequência/inevitável de você..."

Desço sua saia abaixo do umbigo. Na ponta da língua os bicos rosados dos mamilos. A música cada vez mais longe: ". . . e voltei pra minha nota/como volto pra você/vou dizer com minha nota/como gosto de você/e quem quer todas as notas/ré, mi, fá, sol, lá, si, dó/fica sempre sem nenhuma/fica numa nota só".

Ela, como se fora um módulo produzido pela suavidade libidinal, de um momento de rara doação e criatividade de Eros, pousa densa e leve sobre o epicentro pulsante de meu corpo nu. Um insight pulsa em minha mente: "Não ter rosto é a sua verdadeira face". A face do prazer. Amanheceu, entardeceu, anoiteceu e madrugou. Outro dia chega e agora também já passou.

Serena sensibilidade adormece-me. Desperto como que de um sonho no qual poderia ficar adormecido eternidades. Movo a cabeça para os lados, à moda dos cães molhados, buscando uma postura mental de vigília.

A meu lado, aberto, observo o zíper externo da mochila. Amô não está na tenda. Vontade de satisfazer meu obsceno desejo de bisbilhotar este nicho externo. Descobrirei nele algum mistério? Que segredo poderia guardar um nicho de mochila? Fosse saudável curiosidade apenas, por que esse complexo de culpa? Trairei sua confiança?

Se Amô voltar de repente, eu estiver mexendo em sua mochila, digo não ter resistido ao impulso de olhar mais de perto esses retângulos. Parecem servir para dividir em zonas, uma representação gráfica de linhas brancas desenhadas em fundo verde. Pequenas teclas de cor amarela iridescente se acham posicionadas no ângulo direito inferior de cada um dos quarenta e cinco retângulos.

A parte superior do retângulo maior ocupa dois terços do total da imagem: a aparência de um minicomputador modelo palmtop , (18 X 12 cm), divide-se em duas: a intermediária (18 X 2,5 cm), e a que lhe serve de base (18 X 1,5 cm). As medidas são aproximadas. O visual mutante é uma espécie de puzzle móvel. A complexidade de seu funcionamento, inquestionável.

A influência das imagens em meu psiquismo é de intenso efeito magnético. A impressão de que posso permanecer dias, meses, anos, olhando para elas, até decifrar seus enigmas. Desejo absorver a complexidade de seus códigos. Decifrá-los. Apalpo a superfície da mochila em busca das baterias. Nada. Em seu interior, só livros.

No retângulo superior, piscam uma série de onze imagens de geometria proporcional. Por todo o contorno da figura, giram rápidas, linhas intercaladas. Fluem no rumo dos ponteiros de um relógio, dezenas de signos geométricos e de outros que, presumo, sejam números. Sucedem-se na direção em que segue o fluxo da sequência de imagens que se iluminam simultaneamente à passagem das linhas de luz.

Na parte intermediária, um 12° retângulo de igual tamanho dos antecedentes, ilumina-se de forma intermitente, ficando o pisca-piscar por momentos, até ser substituído por outro. Quando isso acontece, esse décimo segundo retângulo muda toda a sequência de representação dos signos geométricos em número de doze.

As sequências se repetem por oito vezes seguidas, quando, só então, retornam ao segmento da série inicial. Seduzido pelo inusitado dinamismo da interação intercorrente desse evento visual, exclamo extasiado: "Incrível". Estou ou não participando de um evento visual interdito? Proibido. "Sagrado"? Meu estado mental é de perplexidade, dúvida.

A limitação racionalizante não quer aceitar nem reconhecer como sendo legítima, uma série de acontecimentos que simplesmente não poderiam estar acontecendo. E se todas essas estranhezas são produtos do efeito alucinógeno de um comprimido de LSD?

Deve ser isso. A Mochileira lambuzou os seios com LSD-6 ou um pingo branco (LSD-25). Com quantas microgramas a vadia havia me dopado? Que sacana. Ela sim traiu minha confiança. Olho para o estranho painel de sua mochila. Meus dedos, numa última e definitiva tentativa de descobrir a causa das imagens luminosas sucessivas, apalpam a textura do tecido da mochila. Minha racionalidade deseja fazer parar de fluir a realidade inverossímil das linhas que se movimentam dentro dos retângulos.

Símbolos dentro de símbolos. Códigos complexos que fluem de outros códigos. É fantástico. Mal posso crer em meus olhos. Deve ser alucinação. Realmente, não pode estar acontecendo. Estou, aposto que estou “viajando”.

Onde está essa vadia? Desejo trocar algumas ideias com ela. Preciso vê-la urgente. Necessito de respostas. Busco sem sucesso identificar a etiqueta da "grife" do fabricante da mochila, da loja ou butique de revenda. Nada. Esforço em vão. O vento começa a soprar mais forte. Uma frase impertinente marca presença em minha mente: "Amor, Amar à Estrangeira".

Preciso estabelecer as associações lógicas. Avaliar com prudências os acontecimentos. Não ser passional. Difícil. Estarei realmente "viajando"? Esse visual da mochila dela é real? Só há um lugar onde ela pode estar agora: no alto do planalto da Gávea, sobre a caverna do Viking.

Desde que não estão na parte inferior da Pedra da Gávea, os "guias" também devem estar no planalto. Os estranhos e falsos "guias" do salto do Canguru. Caminho pela vereda que conduz ao planalto. Sou senhor de meus sentidos. A única perturbação na ordem lógica dos eventos racionais, está em que o painel da mochila dela não encaixa em nenhum nicho de minha racionalidade. Dos fenômenos da realidade do mundo, de meu mundo, ele não faz parte.

Ao chegar ao cimo da montanha, os questionamentos excitam com intensidade meu psiquismo. A mente ferve. A Mochileira é a única pessoa do mundo que pode fornecer respostas às minhas indagações. Uma grande nuvem cinzenta, apesar do vento forte, teima em permanecer imóvel nas vizinhanças da altitude da Pedra da Gávea.

Estranho a presença de uma densidade cor âmbar, porém luminescente, que está se formando no espaço interno dos sete círculos concêntricos gravados há séculos, ou milênios, no solo do planalto. Deve ser algum fenômeno atmosférico de altitude. Em poucos segundos a névoa abarca por completo o espaço interior dos sete círculos, adensando-se ainda mais.

Quero retroceder, não consigo. Tento fugir da intenção de permanecer neste lugar. Em vão. Desejo gritar por socorro. Não posso. A névoa se expande. Encontro-me no interior de sua periferia. É como sonhar em câmara lenta. A intuição de que Amô está aqui, a poucos centímetros de mim. E ao mesmo tempo infinitamente distante. Inalcançável. Uma insuportável angústia ameaça se estabelecer, mas, felizmente, se desvanece.

Toda minha ambição está dirigida em poder caminhar até dentro dos círculos, onde, presumo, encontrarei Amô. Algo no interior da névoa movimenta-se. Não consigo progredir um passo sequer em direção ao epicentro. A princípio vejo sombras. Elas mutam em imagens indefinidas de inúmeras pessoas.

Refletem-se na superfície verticalizada dos retângulos, dos monolitos muito polidos, escuros, de uma dimensão de aspecto fria, marmórea, insensível, indevassável. Não consigo discernir com precisão as imagens espelhadas. Nem vencer a pouca distância que delas me separa. A flexibilidade de meus membros é nula. Como se me encontrasse na parte menos densificada, periférica, de um campo de força.

Meu tórax imita a pulsação do campo de força. Sou agora uma simples extensão das vibrações de sua ressonância magnética. Estou sendo "assimilado". A empatia é implacável. O campo magnético está se apropriando dos átomos de meu corpo físico. Incômoda impressão de oscilar em sentidos opostos. Estarei desintegrando-me? Meu estado psicológico está além do medo.

Acredito que Amô encontra-se a meu alcance, à curta distância, dentro do nicho pulsante. Tão perto e ao mesmo tempo inatingível. Não consigo conter-me em mim mesmo. Sou um universo em expansão. Minhas pupilas não cabem nos meus olhos. Minha visão se expande.

Alguma coisa está querendo sair fora de dentro do casulo do campo de força. Deseja nascer. Vencer os empecilhos do útero. Romper a casca do ovo. Ganhar força. Crescer. Libertar-se. Voar.

Não sei quem ou o quê. Sei que sou parte deste esforço desesperado para sair do interior do casulo de forças que me aprisiona. Desejo projetar-me para fora do útero magnético do campo de força. Sim, sou eu, a sair fora da prisão insuportável para a liberdade. Estou nascendo agora, aqui. Sou eu e ao mesmo tempo um ser singular, alado.

Do nada de minhas cinzas gero-me. Estou extinguindo-me e nascendo. Fênix, pássaro mitológico, na posse do dom de voar sobre as luzes da cidade de cimento. Edifícios de apartamentos. Vejo suas luzes. Reflexos do sol poente projetando-se dos vidros das janelas dos prédios. Nas rodovias, a dinâmica do formigueiro humano anoitece.

A cidade vista do ponto de vista do pássaro. Algo mágico acontece. Os seres humanos são assim na realidade. As casas e os apartamentos são seus ninhos. Milhões e milhões de seres vivendo tão próximos uns dos outros. Ao mesmo tempo tão distantes e sozinhos. Como são insignificantes suas crenças, filosofias, religiões e objetivos. De que lhes servem?

Ignoram para onde caminham. A azáfama sapiens reflete-se num grande espelho global inconsciente: ansiedade e pânico. Medo, ira piedosa, lascívia do desespero. Uma vida, milhões, bilhões de vidas desperdiçadas pela crença de que há virtude em serem adversários de si mesmos.

O grande pássaro sobrevoa o mar. Navios singram a água em direção a outros continentes. Barcos pesqueiros estendem armadilhas para peixes. Agrada-me ouvir este ruflar de asas. A força de atrito do vento em meu corpo flutuando nesta altitude. Asas imóveis planam. Observação privilegiada, pertenço a duas espécies universais: sou bípede e alado. Conheço os segredos de ambas. Os véus que separam esses dois mundos para mim inexistem. Sou habitante de um, (como dizer?) trans espaço.

Por sobre as miríades de reflexos marinhos, descrevo uma manobra de 180 graus. Mergulho veloz rumo à superfície iridescente do grande oceano. Voo em arco. Em sessenta segundos, outra vez estou planando de volta à paisagem marítima da Baía de Sepetiba. Sou eu, e ao mesmo tempo pássaro. A sensação vitalizante de estar a sentir os raios solares nessa altitude.

Em poucos segundos estão à vista várias ilhas, entre as quais a Grande, a dos Macacos, a do Grego, das Palmas e de Marambaia. Encontro-me agora, outra vez, nas proximidades do alto da montanha. Estranho enigma: vejo meu corpo alojado no interior dos círculos concêntricos. No alto do planalto da Pedra da Gávea.

Algo de mim no pássaro se observa. Sou eu a me espreitar. Uns três metros, de ponta a ponta das asas. A aparência de um Albatroz gigante. Inacreditável. Contemplo a engenharia do homem e ao mesmo tempo metonímias: infinitos espelhos que se interdependem, sem que seus personagens se conheçam. Uma humanidade que vive apenas de reflexos.

A AGONIA DE TANIA VIA SATÉLITE (“O Erro foi torturar e não matar.” —— Bozo Onagro, O Louco)

Meu corpo físico desperta sobre os círculos desenhados no planalto, às 22 horas. Que está acontecendo realmente comigo? Sou ateu, graças a Deus. Sem disponibilidade para visões místicas. Não ingeri nenhum alucinógeno. A certeza de que Amô é uma criatura muito mais complexa e Estrangeira do que pode presumir minha vã imaginação.

Em companhia destas intuições, desço do planalto em direção à barraca na caverna do Viking. A sensação de intransponível distância entre mim e ela permanece. A certeza de que não mais voltarei a vê-la. No espaço anteriormente ocupado por seus pertences, nada há.

O coração começa a pulsar rápido. Inclino para trás o tronco. As cardos veias em franca taquicardia. Estou dentro da tenda, com a mesma sensação de perda que aconteceu comigo em março desse ano. Nessa data, estou a adquirir alguns livros numa liquidação da livraria Siciliano, no centro da cidade de São Paulo.

Ao voltar à praça da República onde estacionei o fusca. Paro na rua em frente a uma vitrine com muitos monitores de vídeo de tv visão simultaneamente sintonizados no "Jornal Nacional". Cid Moreira divulga a notícia de que agentes da repressão atingiram mortalmente uma guerrilheira urbana codinome Tânia.

Tânias não faltavam na guerrilha. Mas aquela, segundo informam as pulsações das cardos veias, é a "minha". A câmera reportagem mantinha-se à distância do cordão de isolamento policial. Focalizava-se seu corpo exangue no chão da calçada. Os agentes da violência paramilitar desvairada, a serviço dos governos autoritários, proibiam qualquer aproximação em seu socorro.

Tânia estava morrendo "ao vivo", via satélite. Nossos sistemas nervosos mantêm comunicação nesse momento de dor. Por telepatia, seu coração e sua mente compartilham comigo emoções e complexos sentimentos. De um a outro psiquismo. Sem interferência dos cinco sentidos.

A Câmera focaliza dois enfermeiros ao lado da ambulância. Entrevistado pelo repórter, um deles afirma que policiais não permitem que prestem ajuda à vítima. Ela permanece perdendo sangue. Distanciando-me da vitrine chego ao fusca com os olhos marejados. Sintonizo uma emissora de rádio num programa noticioso, na intenção de ouvir mais detalhes sobre a emboscada que vitimou Tânia.

Há uma persistente interferência de outra emissora na faixa de onda do noticiário. A sintonia se fixa no som dos versos. Estranha e pertinente sincronicidade emocional com o sinistro evento.

Vai minha tristeza/e diz a ela/que sem ela/não pode ser.. . As cardos veias ameaçam com nova taquicardia que felizmente não acontece.

A música prossegue fazendo sangrar: . . .E diz a ela/que sem ela/não há paz/não há beleza/é só tristeza/melancolia/e esta saudade/que não sai/de mim/não sai/Mas, se ela voltar/se ela voltar/que coisa linda/que coisa louca/há menos peixinhos/a nadar no mar/do que os beijinhos/que darei/na sua boca.

No outro dia um jornal publica, apesar da proibição da censura, uma foto de Tânia. "Minha" Tânia. Confirmou-se a premonição de sua identidade, através da sintonia da taquicardia. Agora, vinte anos depois, numa situação de perda semelhante, uma voz próxima à tenda repete, ao som de um violão, os mesmos ritmos da canção, no alto da Pedra da Gávea: Vai minha tristeza. . . Estranha sincronicidade. Muita mais estranha na sequência posterior dos acontecimentos.

"SENTIU FALTA DE MIM, GAROTO"???

Tânia gostava de fazer sexo menstruada. Vivia perigosamente. Passava a sensação de estar sempre a quilômetros de velocidade mental por hora à frente do resto dos mortais de sua geração. Talvez tivesse medo de parar para pensar em uma alternativa de vida. Ou tivesse pensado e chegado à conclusão de que inexistia.

Não gostava de seu papel social, de sua representação normal de pequena burguesa feita para os compromissos cosméticos: o cabeleireiro, a depilarem as pernas, os filhos, o lar, o chá das cinco, o clube, a cera negra, o tratamento de celulite, a tv visão.

Gostava da frase de Lennon que afirmava ser a mulher o negro do mundo. Sentia-se o negro do mundo. Colonizada pelo emocional chauvinista do machismo desvairado. Toda vez que via Tânia, uma intensa satisfação emocional iluminava meu coração solitário.

Quando dela me aproximei neste último encontro que passo a narrar, este poema brotou de minha mente. Fruto amadurecido da sensação que tenho de sua presença: Rosa azul/Rara flor de carne e futuro/Porque crês o tempo presente tão insuportável/Milagre, estás aqui/Visível, viva/Tua luta contra a escravidão e a morte/Amor, espaço vital e vida/Pareces saída da saga de Cervantes.

Encontrei-a num shopping. Atendi a solicitação de estar com ela, através de telefonema. Chope, cinema, bar Riviera e motel, nesta sequência. Cem horas apenas, de sexo, carinho, paixão. Virei mundo por ela. Ela, como sempre, às pressas. Presente, mas tinha de se ausentar. Fugindo de uma situação perigosa para outra. Ocupada em estar nesse estado emocional, vivia como que da esperança de transcender, superar o cotidiano de uma existência cheia de perigos. A adrenalina dela à mil.

Seu compromisso político com a guerrilha, uma espécie de ideal sem idealismo. Uma opção a mais, dentro das opções a considerar. Talvez imaginasse lutar a favor de uma Câmara e de um Senado que não fossem constituídos, em sua maioria, por Bozos simplesmente inúteis à causa social. Lutasse talvez, para que o Congresso não tivesse tomado por assaltantes bem remunerados do erário. Muito bem pagos para permanecerem calados e coniventes, enquanto a política econômica se sucede na entrega do país aos especuladores financeiros do FMI. E a tragédia social se alastra como uma peste à Camus.

O grupo dela militava por capital de giro. Os bancos são os únicos lugares com concentração de capital social, onde poderia obter acesso ao dinheiro para garantir, por mais algum tempo, a precária sobrevivência e militância da sigla política marginal pela qual combatia...

— Vocês vão assaltar outro banco, insinuo, enquanto ela se arruma frente ao espelho do banheiro. Sua beleza presta pouco culto à vã vaidade.

— E daí, indaga com provocativa displicência.

— Você não se contenta com emoções tatibitates. Que dona de casa você daria, mulher. Essa energia toda domesticada para criar os filhos.

— Sem essa, carinha. De dona de casa pequeno-burguesa esse país está saindo pelo ladrão.

— Não há nada demais em gostar de comerciais de margarina, bombril e sabão em pó, eles são símbolos do modelo padrão.

— A repressão está vindo com tudo pra cima da gente. Persegue, tortura e mata. Precisamos de grana urgente, tem muita gente que necessita sair logo desse horror.

Presumi que esta pode ser a última vez que a vejo. A previsão se confirmaria. Ao empatizar esses meus sentimentos, ela diz:

— Pode ser a última vez que a gente se ver. É bom estar contigo amor.

Pronunciou as palavras com contida angústia, como se tivesse certeza da afirmação. Falou das embaixadas e dos consulados, mais vigiados do que prisões de segurança máxima. Nem instigo a polêmica. Não gosto de vê-la lutando contra moinhos de vento.

O pertinente pressentimento de suas palavras se confirmou. Parodiando o dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898/1956), ela desafia:

— "O que é assaltar um banco, comparado à fundação de um banco?". Em seguida pergunta se estou precisando de "algum" para o "tx".

— Divide a conta do motel e tudo bem.

— Normal, gato, se possível entro em contato, mas está difícil.

Atrasada para um compromisso, sai batendo a porta. A noite. Lá fora está soprando um vento selvagem e frio. Fiquei a sentir-me desprezado pelo mundo, incapaz de me harmonizar. Ela não mais me guiaria até outra cama de motel. Prefiro não pensar mais nela, a estar sempre à sua espera.

Segundos depois de sair, Tânia volta a abrir a porta, apesar da tensão desses dias de cão, seu humor marca presença. Botou a cabeça para dentro do quarto e indagou, pronunciando uma simples frase que, realmente, significa mais coisas do que possa imaginar a vã filosofia:

— Sentiu falta de mim, garoto? E foi embora. Para sempre.

Sorrio. Olhando para o lugar onde ela esteve presente, ouço seus passos do outro lado da porta, afastando-se. Tânia está aqui e ao mesmo tempo se distanciando para sempre. Exclamei então do fundo do coração:

— Sempre, querida.

"ECCE HOMO" SAPIENS CIBERNÉDIPO ("Os extraterrenos estão preparando o homem para um contato maior." —— Leo Sprinkle)

O epicentro simbólico da sobrevivência da psique é a memória. Agora que a Mochileira não está mais comigo, resta-me a lembrança. Ficávamos longos períodos sem falar. Palavras pareciam fora de propósito. A mais limpa comunicação, a melhor, é a comunicação sem ruídos. A telepatia, mais completa e objetiva do que todas as outras formas de comunicação. Impossível mentir ou hesitar por telepatia.

Memória não é saudosismo. Lembrar para organizar as ideias, aqui, no alto do planalto da Gávea, dentro do espaço capsular da tenda, busco as referências de nosso convívio, os significados dos períodos de telepático silêncio, quando se quebrava o jejum verbal:

Certo dia morno, acampados entre Rio das Ostras e Macaé... A memória intencional sugere sua presença na barraca, Amô lia.

— As pessoas mal saem da fralda da família, são dirigidas ao berçário da escola, algumas conseguem entrar na creche da faculdade, estimulei sua resposta. É isso a base da vida de uma geração?

— Sem uma história de liberdade para contar a seus descendentes, as pessoas nascem, crescem e fenecem no mundo infantilizado. Muda a idade, apenas, e o tamanho dos brinquedos.

— Vida mesmice, sem questionamentos, linear...

— Civilização e cultura dos cibernÉdipos, a serviço inconsciente do arquétipo da Mãe Máquina. A Mochileira fechando o livro contempla o nada. Em seguida murmura, como que de si para consigo:

— Filhinhos da mamãe. Mamãezinha dos cibernÉdipos.

— Que determinismo, sem liberdade de aprendizado, qualquer teoria é mero academismo.

— As seis paredes da faculdade são extensões das seis paredes da escola secundária, por sua vez, é a extensão das seis paredes do lar. Os filhinhos cibernÉdipos. Vivem e morrem dentro de "imobilizadores" que conduzem, vida afora, às seis paredes da cova.

— A mente existe para mantê-los presos, ironizo.

— A mente é um universo em expansão. Quem ignora ser prisioneiro, não se move para sair detrás das grades. Afeiçoa-se ao carcereiro.

— Que mistério bufo, essa vida.

— O que chamam de educação é a transferência de condicionamentos tipo "imobilizadores mentais", serena, impassível, Amô sugere meu raciocínio como continuidade do seu.

— Tudo que ensinam é conhecimento acadêmico: teoria da compulsão.

— A compulsão da teoria. Não desejam abandonar as seis paredes do útero fechado. O mito do "paraíso original" é parte do larbirinto original. Vivem seu pão de cada dia: a carência de liberdade.

— A carência de tudo que a carência de liberdade representa. A lei do eterno retorno ao horário nobre das novelas. Aos programas de domingo.

A Mochileira parou um momento, como quem mede o alcance das palavras, prossegue:

— Inconscientes de que passam a vida congelando suas possibilidades. A realidade para eles é a indigência virtual.

Eu não compreendia bem o significado de suas palavras, mas sabia intuitivamente o que elas queriam dizer:

— As cabeças servem quase que tão somente para separar as orelhas, confirmo. Como diria o poeta: "Que vida mais besta".

DORMINDO NA CRUZ COMO SE NO TRAVESSEIRO

Quando se vive no passado morre-se mais a cada dia. Fazer o quê neste momento, sozinho nesta tenda, no alto da Pedra da Gávea? Reforço os estranhamentos, para melhor compreendê-los. Talvez este seja o trabalho real de toda uma vida sapiens.

A tarefa de achar as palavras para escrever este livro, de acordo com as motivações dos mais recentes e intrigantes fatos e revelações sobre Amô, durou nada menos que duas décadas. Uma experiência cada vez mais singular no que diz respeito aos estranhamentos. O tempo passa, eles aumentam.

Naquela época, gostaria de acreditar que foram produtos do excesso de sol. Do inconsciente excitado. Há vinte anos passei por uma metamorfose kafkiana às avessas: de cibernÉdipo barata sapiens, para a difícil condição de ser humano.

Quando meu racionalismo embrionário não conseguiu compreender as imagens e os ritmos do pequeno painel exterior da mochila de Amô, a atitude certa seria admitir com humildade minha ignorância. Ser prudente e razoável é um objetivo difícil de alcançar.

Ao contrário de reconhecer minha perplexidade, estando diante de um evento além dos limites de meu alcance racional, comecei a agredi-la mentalmente. Esquecido de suas lições práticas de telepatia.

Acusei-a de trair minha confiança. De ter-me feito ingerir comprimido de ácido lisérgico, provavelmente diluído em seus seios, contra minha vontade. Pensei realmente estar "viajando" ao tatear o tecido maleável do palmtop incrustado e funcionando, ignoro a partir de que fonte de energia, no nicho de sua mochila.

Agora, sofrendo a dor da ausência, uma dor quase insuportável, sei que a disponibilidade do nicho semiaberto de sua mochila, não passou de um teste de confiança. Não passei nele.

Eu traí sua confiança. Não gosto de ser meu próprio advogado de acusação. Mas a verdade é esta. Não consegui dominar os subprodutos de minha agressiva subjetividade sapiens. Eu, produto hereditário da compulsão cro-magnon, agi de forma tão previsível. Amô estava captando todas as nuanças de minha atividade PSI, subjetiva, quando me deparei com as inacreditáveis evoluções das imagens do palmtop.

Não mantenho um complexo de culpa por minha resposta condicionada, por meu comportamento subjetivo confuso. Não estava preparado para passar, através de um salto mental qualitativo, a um nível PSI imediatamente superior.

Quem, em minha geração, vivendo tantos conflitos, faria melhor do que eu no teste do palmtop? Para mim, a pergunta vital surgiu como um insight: por que a Mochileira estava promovendo um trabalho de campo, experimental, comigo? Por que eu?

Que critérios de seleção motivaram minha escolha? Ignoro.

MAMÃE MÁQUINA DÁ A LUZ A PAPAI CIBERNÉDIPO ("Comece pelo começo, disse o Rei com ar muito grave, e vá até o fim. Então pare." —— Lewis Carrol: Alice no País das Maravilhas)

Necessito encontrar meu centro de gravidade. Memorizar Amô com prudência e nitidez. Chove. Dentro da tenda armada na caverna do Viking, vou buscar Amô onde sei que posso encontrá-la: na nitidez das lembranças recentes. Tento vencer o vazio de sua ausência objetivamente. Aprender com as reminiscências. Meditar. Memorizar.

Quando na região de Rio das Ostras, estamos a contemplar a escureja das águas da lagoa da Coca-Cola, na praia da Costa Azul. No "mar do Norte" ficam os surfistas, as ondas mais fortes. A Ponta Azul é excelente lugar para banho e mergulho nas piscinas naturais entre pedras e rochedos. Para elas nos dirigimos. São quinze horas.

Ao anoitecer, após caminharmos os quatrocentos metros em forma de ferradura da praia do Cemitério, a mais frequentada, com bares e ofertas de pescados, fomos jantar à luz do luar Crescente. A mente aberta respirando um prana de vitalizante liberdade. Não cedemos às solicitações do cansaço físico ou mental.

Pedimos ao garçom do bar a especialidade da casa: moqueca de peixe com azeite de dendê. Estamos em território fluminense, mas os donos do pedaço são baianos. Conhecem as manhas de condimentar os frutos do mar com temperos de origem vegetal. A fragrância insubstituível.

Duas caipirinhas de vodka, enquanto não chega para nosso consumo, os sabores de duas, das mais de vinte mil espécies de peixes sobreviventes das águas.

Voltamos à tenda às vinte e duas horas. Caminhar após um rango queima mais rápido as calorias. Relax. Corpos na horizontal sobre as esteiras. Sob as estrelas a Selene hipnose. Momento propício para uma sessão Coruja. Ela faz fluir um fluxo de consciência mais profundo. Amô puxa um lero.

A Mãe Máquina chegou lá, antes que pergunte onde, responde: No satélite, na lua. Coloniza a mentalidade dos cibernÉdipos desde tempo imemorial. Anterior ao surgimento do paleantropídeo neandertal. Mutações dirigidas.

Minha mente sempre embarca nos desdobramentos desses leros.

— Desde os primeiros períodos da Glaciação Wurm, no paleolítico médio, meu comentário parece bem vindo.

— A capacidade cerebral dos neandertalenses ultrapassava a dos homens modernos: 1625 cm3, prossegue ela. A Mãe Máquina reforçou o potencial de adestramento instintivo: paranoia de sobrevivência e neurose. A mesma psicopatologia do atual Homo sapiens. Demens.

Este lero me fascina. Faz fluir um pertinente fluxo de consciência. Nem preciso da pequena quantidade de cannabis para iniciar a motivação mental.

Ao ouvir Amô dissertar sobre a matéria, meu psiquismo age como sendo uma extensão de certo nível PSI de sua mente. Ela sabe e incentiva isso. Sirvo a seus propósitos.

Gosto de ordenar as ideias de evolução das várias identidades sapiens do tempo historio grafado. Acredito que este conhecimento melhora minha compreensão do que está acontecendo agora na história.

— Existe, ou é só folclore, um elo perdido entre os paleantropídeos e o homem moderno?

Por momentos ela permanece calada, como se imaginando uma parábola por resposta.

— Imagine um rio profundo, largo e muito longo.

Passo a cismar o Tigre e do Eufrates, em paleolítica antiguidade deslizando, caudalosos, as águas, talvez, sobre um só leito.

Ela pronuncia as palavras, enquanto imagens equivalentes povoam minha mente.

— Segue a correnteza sobre um imenso leito, ampliando-se suas águas até a linha de remotos horizontes.

Neste momento, rajadas fortes de vento jogam areia sobre nossos corpos. A musicalidade rítmica das ondas quebrando na praia a poucos metros, funde-se com o som das águas da margem do rio da narração.

A sonoridade de sua voz possui a estranha propriedade de me distanciar do presente. Como se meu psiquismo estivesse sob a influência provisória de um feedback control signal, proveniente de alguma vibração mais sutil de sua voz.

— Há trinta e cinco mil anos, numa de suas margens, habitavam ancestrais do homem moderno. Ao longo dos níveis e subníveis das cavernas incrustadas numa montanha rochosa.

— Hominídeos cro-magnon. Ela ignora minha interferência.

"Quando nas nuvens os relâmpagos se cruzam, o medo da tribo transforma-se em pavor. As superstições afloram à flor da pele. A tempestade cai sobre a paisagem primitiva. Dentro das cavernas, alguns encolhem-se, fetal mente. Outros, mais agressivos, buscam uma atitude mental mais alerta.”

— Espreitam. Paranoia neolítica ambiental pertinente. Os perigos, as ameaças, realmente estavam presentes: inimigos bípedes, rastejantes, quadrúpedes, alados.

"Um deles mantém entre as manoplas o fêmur destro arrancado do esqueleto de outro caçador que havia caído de uma grande altitude, ao tentar capturar um bisonte seguindo uma difícil trilha numa região montanhosa.”

"Em outro subnível da caverna, um gravador primitivo batia com seu buril tipo bico de papagaio, numa saliência de pedra, na tentativa de reproduzir, o mais adequadamente possível, a figura de uma rena, animal objeto de uma expedição de caça, logo que melhorasse o tempo e fizesse sol."

— O propósito mágico-religioso de abater a presa da caça, após se apossar subjetivamente de seus atributos físicos desenhados. Minha intervenção mostra que estou na frequência da narração. Vodu paleolítico, a arte figurativa e minimalista de Lascaux e Altamira.

A intervenção é como que uma extensão de seu discurso. Ela prossegue:

"Permanecem plantados por milhares de anos no sítio primitivo de seus ancestrais. Os recursos naturais da fauna e da flora vão escasseando. Até que, após longo inverno de geadas, só restam para consumo, insetos, lagartos e pequenos roedores.”

"A mudança de estação normaliza a rotina. O sol, outra vez, como uma bênção, provoca urros de alegria nos membros da tribo, ao raiar intenso e diário outra vez. Não era sem tempo, as provisões já haviam acabado, há meses alimentavam-se de migalhas.”

(A lua Crescente brilha no alto, suspensa pelo invisível fio da gravidade...)

"Exceto pela presença do rio, encontram-se cercados por vasta área deserta. Os mais fortes e ousados buscam ultrapassar os limites do ermo e árido descampado, sem êxito. Os mais arrojados aventuram-se rumo ao desconhecido. Muitos morrem de fome, outros conseguem voltar. Debilitados, prostram-se por dias, vítimas da insolação e da estafa.”

"Quando não resistem, são inumados com oferendas de gravuras e esculturas em osso e pedra, dentes perfurados e pingentes do culto aos mortos. Tentar atravessar a difícil área deserta fica sendo considerado Tabu: a tribo não mais rumina a possibilidade. Passam a viver da esperança de que, um dia, venham a chegar na outra margem do rio.”

"Nas primeiras tentativas não poucos morrem afogados, traídos pelo leito desigual, pelos redemoinhos gorgolejantes, pela correnteza traiçoeira das águas. Os mais insistentes aprendem a andar, sem ousar ir muito longe da margem, mesmo nos períodos de maior seca."

— Quem sabe o gênio das cavernas descobre, talvez, o caminho das pedras, ironizo.

— Juram, numa pantomima de gestos, ruídos vocais, sussurros, grunhidos e murmúrios de sons desarticulados, apontando o dedo, olhando para o alto, que Wotorangotango, seu Deus, está punindo a todos pelas muitas iniquidades.

— A culpa, raciocino, a mais primitiva semente, a que mais frutificou.

— Prosseguem "imobilizados" por gerações e gerações.

— A herança da cultura convencional, confirmo, puxa mais do que cem bois.

Amô, após breve intervalo de contemplação lunar, prossegue:

"Desafiar a tradição é Tabu. Está criada a religião, Wotorangotango seu Deus. Porém, certo dia, passados milênios, um engenho alienígena necessita do precioso mineral, água. Venturoso acidente: a nave estelar, após adejar na atmosfera em direção ao lugar do pouso, firma-se num sítio próximo às cavernas subterrâneas embutidas na montanha de pedra.”

"Um detetor de vibrações com design e tamanho de uma moderna caneta aero gráfica, traduz a variedade de ondas mentais emitidas pela comunidade dos trogloditas. A varredura magnética transforma-se num código alfanumérico de padrão restrito estímulo-resposta."

— Os deuses astronautas eram mesmo uns filhos da mãe, após breve intervalo complemento: Máquina.

"A caneta captava os padrões ambientais e um monitor estabelecia com precisão, os modelos de ação-reação comportamental, através da análise das susceptibilidades magnéticas na direção do campo externo ao posicionamento vetorial da nave. As informações de retorno de campo são analisadas."

Nesse momento Amô pergunta se não está sendo prolixa, chata. Respondo que não é todo dia que se ouve uma história desta. Parece mais uma explicação da falta do "elo antropológico perdido" (inexistente) entre os antropoides remanescentes da idade dos metais, e os técnicos em informática e astrofísica da NASA.

Ela prossegue:

"Thundra, uma star nauta membro da tripulação da nave, sequestra provisoriamente um espécime da raça rudimentar que se distanciou de seu habitat numa incursão ocasional pelos arredores. Conduzido ao interior da nave, alguns testes isomórficos são realizados.”

"Introduz-se um micro campo de chips (eletrodos) da dimensão de um vírus (0,1 mícron), em certos nichos propícios da mente do hominídeo. Após algum tempo, amplia-se a extensão do micro campo em um milhão de vezes, através de células de metal líquido imersas numa solução de íons.”

"A troglodita, conduzida de volta às proximidades de seu espaço habitacional rudimentar, permanece aparentemente igual a seus conterrâneos. Porém, a habilidade associativa de sua mente, estabelece correspondências entre os vários conjuntos da experiência instintiva, motivacional, emocional, pessoal e coletiva, de seus pares.”

"Forças de origem biológica que atuavam de forma inconsciente, independentes da finalidade do aprendizado, transformam emoções primárias em emotividade (formação do arquétipo). O transplante dos chips para o cérebro do exemplar cro-magnon, é o embrião de uma condição subjetiva mais complexa.”

"A experiência de um comportamento mais consciente, sedimenta-se em poucas gerações. Seus descendentes são, agora, mais do que simples amontoados de ações e reações instintivas. Nasce a intencionalidade na mente do rei dos animais. A possibilidade do conhecimento individual específico. Um selvagem apto ao exercício da seletividade.”

“Em vinte milênios começam a capturar animais individuais, e em manadas, para abastecimento vivo de carne e lã. Simultaneamente ao desenvolvimento da criação animal, substituem a colheita e a caça predatórias, por uma produção alimentar sistemática. Os resultados positivos da inseminação artificial aparecem nos primeiros hominídeos descendentes dessa “mãe mitocondrial da humanidade."

— Mãe mitocondrial, que que é isso?

— O DNA não é encontrado somente no núcleo das células. As estruturas celulares denominadas mitocôndrias geram energia e têm também seu DNA mitocondrial (mtDNA). Este DNA agência mutações mais elaboradas, muito mais depressa que o material genético normal contido no núcleo celular.

— Modelo padrão do atual Homo sapiens, afirmo, sem compreender muito bem a explicação sobre a mutação provocada pelo ácido desoxirribonucleico.

“Deste modo, apenas desta maneira, formar-se-iam estruturas sociais diferenciadas. Antes da mutação atuar, eram seres solitários, nômades e caçadores. Independentes, viviam para se protegerem, em grupos, tinham igualmente as mesmas capacidades. Começaram a produzir cunhas de pedras, machados, aproveitavam ossos e demais subprodutos animais. Surgiram os especialistas. Estes, favoreciam a comunidade apenas quando eram favorecidos por ela: se o camponês nutria o artesão, o artesão facilitava o trabalho do camponês com novos instrumentos.”

“Nasceram os impulsos à agricultura: o cultivo de tubérculos, a cereal cultura, que pressupõe uma economia de acumulação e conservação, exigia uma capacidade intelectual maior, um certo nível de desenvolvimento técnico, ferramentas tipo pilões. Tudo isto significou o que estudiosos da pré-história denominam “revolução neolítica”: o aparecimento da agricultura em três momentos: estrumação, irrigação e aradura. O exemplar cro-magnon, filho da mãe mitocondrial, transformou-se de coletor em produtor. Dele se originaria a civilização em geral, em particular a civilização agrícola.”

Eu fiquei matutando de mim para comigo que aquela mãe troglodita, aquela Eva mitocondrial, abriu caminho para a civilização de hoje. Ela foi preparada para parir os descendentes que provocariam um salto qualitativo com a fixação de novos critérios de sobrevivência. A Mochileira tornou à narrativa:

“Saíram do paleolítico para o neolítico quase que de repente, da idade da pedra para a idade dos metais. Em breve seriam tecelões de lã angorá. A indústria têxtil rudimentar começaria a dominar a técnica de coloração dos tecidos com plantas selváticas tintoriais: a barbarrosa, o glastro e a reseda, originando várias maneiras de tecedura: do fio cruzado às urdiduras em xale em rede. Os homens, em ocasiões rituais, passaram a usar tangas de pele de leopardo. Surgiram as profissões: tecelão, carpinteiro, oleiro, escultor. O cão aparece como animal doméstico.”

“Após a inseminação artificial de certa inteligência virtual na troglodita, Thundra e a tripulação da nave ganham altitude. Estacionam a três mil metros do solo para mais alguns testes de equipamento. Setenta e duas horas depois seguem uma trilha pelo hiperespaço, inserindo-se num buraco de verme intergaláctico."

— Buraco de verme, essa não, sorrio, isso é pornografia.

— Paciência, carinha, sorri amistosa. Em vinte anos você vai saber melhor que coisa é essa.

— Hiperespaço, conheço a teoria, mas, mais sorrisos, buraco de verme? Sem essa aranha!

(Como você sabe dessas coisas? Ideoplasmei a pergunta. É muita piração para uma cabeça de mulher se ocupar.)

— Em alguns milênios passaram a exercer a arte e a ciência da agricultura, prossegue ela, com a mesma naturalidade, sem perder a impetuosidade subliminar da narrativa. O povo do outro lado do rio consegue, afinal, chegar à margem oposta. Muitos morrem na travessia. Outros, aprendem a nadar.

— Valorizam mais os ciclos da lua, reforço a linha de raciocínio. Aprendem a pescar e a criar animais domésticos. De simples predadores, passam a produtores de armas, espadas e machados de sílex. Fortificam seu habitat e abrem caminho para a colonização de outros espaços.

— Wotorangotango é gradativamente substituído por formas mais civilizadas de deuses.

— O elo perdido que os cientistas patéticos buscam é a mutação de seu parente e ancestral remoto, concluo. Como quem registra a patente da descoberta da pólvora.

"Milênios depois, vários segmentos da raça descendente da selvagem capturada por Thundra, degeneram. Ela e a tripulação orgânica da nave hibernam. São despertados pelo computador de bordo, apenas para tarefas aleatórias, em alguns sistemas estelares com planetas habitados.”

"CHON, o computador de bordo, está programado por si mesmo, para estabelecer visitas milenares a planetas aonde a starnave tenha estabelecido algum tipo de contato, ou efetuado experiências com a fauna e a flora do lugar.”

"Trinta mil anos depois se encontra outra vez na Terra, que por um paradoxo semântico possui mais de 3/4 de sua superfície de água.”

"Através de sondas transparentes, de indescritível sensibilidade magnética, analisa eletronicamente as variáveis seletivas de ação. A raça humana encontra-se à deriva. Vítima do tempestuoso oceano inconsciente das compulsões instintivas.”

"Uma ou duas famílias, em cada cidade de milhares de habitantes, descendentes da grande mãe cro-magnon, podem ser poupadas da destruição. O resto da população é subproduto dos desvios hereditários degenerativos da unidade genética padrão do ancestral. Em outras palavras: lixo.”

"Um ou dois stars nautas despertos do estado de hibernação, bastam para convencer às raras pessoas que não se entregaram à empatia coletiva das abjeções morais, a abandonarem rapidamente as cidades condenadas."

— Nos livros ditos sagrados, penso em voz alta, são chamados de "anjos".

— Nos dias de hoje, os cibernÉdipos mal desconfiam que a deterioração ambiental externa é produto da deterioração de seu ambiente interior: de seus corpos e mentes, de suas ideoplasmas. Consequência da mesma compulsão cro-magnon que condenou à destruição, populações inteiras de cidades mencionadas nos ditos textos sagrados.

— Wotorangotango agora se chama Progresso, exclamo. Aceleradores lineares, probabilidades dominantes, fenômenos limites, coincidências significativas.

— Os cibernÉdipos condicionados pela Mãe Máquina, só trabalham em função dos interesses dela: eletrodomésticos sofisticados, estações orbitais habitadas, espaçonaves e sondas interplanetárias, monitoração orbital das telecomunicações: O "princípio de incerteza”.

— A Mãe Máquina fundou a nova cultura planetária para servi-la, acrescenta Amô. Há 35 mil anos o primata cro-magnon possuía as mesmas ansiedades dos atuais primatas do colarinho branco que residem em Tóquio, Nova Iorque, Berlim, Moscou, Londres, Paris, São Paulo, Brasília, Madri, Lisboa ou Rio de Janeiro.

— A mesma energia rudimentar do arquétipo troglodita: crença cega nos dogmas e mitos econômicos, determinação compulsiva da vontade, medo da punição quando não está em condições de punir.

— Submissão ao domínio da ideoplasma coletiva pela autoridade messiânica elementar.

Meu raciocínio segue a trilha de suas motivações. Amô para por momentos, dando um tempo em suas solicitações. Impressionado pelo tom linear de sua voz, inalterável por toda a duração da narrativa da parábola cro-magnon, estou certo de que seu interesse estava em me interessar. Motivar-me a descobrir um novo continente subjetivo. Novo horizonte mediterrâneo: aprender a aprender a pensar. Em profundidade.

Como ela conseguiu ser tão articulada, distante, sem flutuação de ânimo? Consequente, racional. Sua respiração e outros fatores orgânicos e psicológicos, sem desvios, imperturbável. Como se, realmente, não estivesse nem aí. Duas décadas depois, hoje, me ocorre valorizar esses detalhes.

Passou a impressão de que a narrativa só deslanchou enquanto contraponto de meu interesse. Empatizo a intenção. Meu amor-próprio reage, coisa de paulista. Uma mulher não pode ter mais pique do que eu para segurar a peteca de um lero, ou seja mais do que for.

Pergunto, auto afirmativo, como quem acha insuficiente a conclusão:

— E Cristo? Ele alertou os herdeiros da grande família cro-magnon contra a determinação destrutiva: "Ama teu semelhante igual amas a ti mesmo".

— Até crianças sabem que o mundo gira conforme outro princípio, replica: leva vantagem de teu próximo, livra tua cara primeiro.

— Um poeta de Estrada brasileiro, escreveu os versos: Estranha lógica/Dois ou três têm o Cosmo/Ao redor/A grande maioria tem a lama.

— Daqui a vinte anos eles farão subir sondas espaciais destinadas a explorar os mais distantes planetas e regiões além limites dessa galáxia. Suas sondas terão nomes de heróis mitológicos e de cientistas cibernÉdipos.

— A serviço da Mãe Máquina, sustento.

— Construirão telescópios espaciais para a exploração visual de outras galáxias. Mas não terão olhos para ver o desespero social de sua própria raça. Amô diz isso sem nenhuma emoção.

— Nem as lamentáveis condições ambientais do planeta. A quem servem essas conquistas? À compulsão imperial de domínio troglodita: pergunto e respondo. Quem se importa?

— À compulsão dos descendentes sapiens/demens da primata abduzida provisoriamente por Thundra é que não, confirma ela. Condicionados a servir pelos séculos e séculos à ingerência subliminar da Mãe Máquina, eles constroem uma civilização mitificando a palavra liberdade, subliminarmente. Ignorando que não têm nenhuma.

Pode o silêncio ecoar? Intensa, silente e queda quietude se sucede por minutos, não sei precisar quantos. Quando Amô voltou a falar suas palavras ecoaram, como se gradativamente vindas de um universo paralelo de significado privativo. Não sei como explicar melhor. A categórica convicção de que ela conhece tudo sobre a origem e a finalidade dos arquétipos da cosmogonia desse sistema solar.

— Quantos bilhões de circuitos impressos serão necessários ser trabalhados pela raça do outro lado do rio, para que descubra que poderá vir a ser mais do que uma extensão emocional, compulsiva, da lógica simbólica dos circuitos mentais e magnéticos interditos?

— Desta vez você foi longe demais. Não sei em quanto tempo conseguirei ordenar toda essa informação.

— Você já processou toda ela, carinha, tá sabendo? Um banho de mar, delícia agora.

De mim para comigo, pensei: o que uma analista de sistemas faz vendendo bugigangas de camelô? Fiquei imaginando como atuam as complexas conexões entre o córtex cerebral e as partes diencefálicas. As transmissões químicas e elétricas mais sutis do psiquismo cro-magnon.

A "TURMA" DE MIRASSOL

Desperto dessas meditações com Regina esfregando unhas numa parte lateral da barraca e dizendo:

— Hei irmão, estamos saindo fora. Até outra vez. Foi bom te conhecer.

Levanto a cabeça do chão da tenda, enrugo a testa abrindo bem os olhos, num posicionamento mental de vigília PSI. A voz dela chega a mim como se vinda de lugar distante. Improviso uma resposta:

— Tudo bem, Regina, prazer em conhecer você, vocês, digo, ainda meio embaçado pelas reminiscências.

Abro o zíper da barraca, cabeça fora do vinco. Ninguém à vista. Hortênsia, Paula, Jonas, Faustinho , todos haviam descido. O tempo nublado. Regina, Helena, LC, Daniel ou JJ, todos se ausentaram.

Resta-me também descer a Pedra da Gávea. Seguir até a rodoviária e voltar para sampa. Não sem antes tentar revê-la, saber onde se encontra a Mochileira. Se for possível.

Desço a Pedra na ansiedade de vê-la outra vez, mesmo intuindo a impossibilidade. Quantas respostas poderia obter. Prevalece a sensação de distância intransponível. Volto ao apartamento de sua amiga, Isa, em Ipanema. Nele havíamos pernoitado antes de botar o pé na Estrada em direção ao litoral.

Chego ao endereço às 21 horas. Aperto a campainha do apartamento. Um marmanjo, tendo ao lado uma velhinha de olhar indagativo, abre a porta. Cumpro a etiqueta da educação. A seguir, pergunto pela Mochileira, por sua amiga, pela butique. Nada.

O cara diz ter alugado o apartamento não faz quinze dias. Falo com o porteiro e depois com o zelador do prédio. Em lugar da butique, há uma loja de revenda de discos e fitas magnéticas.

— Saíram sem dizer para onde, explica ele.

— Nem bilhete com novo endereço? Um vizinho com quem tenham mantido relações de amizade, um telefone? Nenhuma pista a seguir?

— Sumiram, ninguém que eu conheça sabe pra onde, repete o porteiro.

Desejo desafixar o pensamento de sua lembrança. Sigo a pé até Copacabana. Compro ingresso para assistir a sessão das 22 horas de um filme chamado O Enigma de Andrômeda. Não consegui concentração bastante para formar opinião sobre ele.

Caminho até o Leme. Pago uma diária num hotel. Solicito da portaria que me despertem ao meio-dia, quando vence a diária com tolerância de uma hora.

Dia seguinte, após almoçar no restaurante da rodoviária do Rio de Janeiro, compro as passagens de volta para São Paulo às 14 horas. Tempo chuvoso. Chegarei em Sampa às 20. Viajo próximo a uma mulata, colírio de coxas, à Sargentelli. N. Sra. da Poltrona ao Lado, do outro lado do corredor.

Sobre seu colo oferecido, a presença de um rádio gravador ligado. Uma fita magnética reproduz um programa de rádio com músicas de bandas de "rock" que estão na crista da onda. Traduzo os versos da letra da música Let it Be, na voz de McCartney:

“Na noite escura/Há uma luz que brilha em mim/Brilha até chegar a manhã/Let it Be/Desperto ao som da música/Mãe Maria vem a mim/Falando palavras sábias/Let it Be/Existirá uma resposta/Let it Be”.

A associação de estímulos através dos sentidos, é igual para todas as pessoas, em qualquer lugar do mundo. Ao ouvir Let it Be, a memória associativa conduziu-me à evocação de acontecimentos em Parati, onde essa música também marcou presença num contexto mui significativo.

Na noite anterior à carona que nos conduziu ao Rio, no ônibus da equipe de filmagem dirigida por François Winwen, Amô e eu nos fixamos numa das mesas de um bar e restaurante ao ar livre. Elas estavam dispostas sob uma tosca armação de palha tipo cabana.

Das caixas de som provinha a musicalidade envolvente, que toda uma geração carente de afetividade (os filhos da guerra-fria familiar, política, econômica e social), consumiam como se fosse delicioso maná sonoro. E era mesmo.

Os Beatles representavam a contracultura na década de sessenta/setenta. Let it Be, o hino emocional de uma geração sem pai nem mãe, órfã de todos e de tudo. Até de si mesma.

A canção, letra e música representavam uma refrescante ducha de água fria no calor insuportável das tensões.

" When I find myself in times of trouble ((Quando me encontro em momentos difíceis)

Mother Mary comes-to me (Mãe Maria vem a mim)

Speaking words of wisdom ((Dizendo palavras sábias)

Let it Be (Deixe estar)

And in my hour of darkness, she is standing right in ((Em minhas horas de estres ela está firme)

Front of me (Frente a mim)

Speaking words of wisdom (Dizendo palavras sábias)

Let it Be... (Deixe estar)

Estamos nos comes e bebes de caipirinha de vodka com tira gosto de peixe frito, quando me ocorre perguntar:

— Amô, qual seu segredo? Por que você se ausenta da tenda sempre no mesmo horário, próximo as 22 horas?

A resposta, aparentemente simples, desnorteou. Desorientou-me, não apenas pela entonação (igual a da voz de Tânia) provocativa da frase:

— “Sentiu falta de mim, garoto?”

Uma repetição exata, à moda da pronúncia de Tânia, de sua intencionalidade emocional. A Mochileira se tocou de minha lividez e perplexidade. Hipnótica e didática, articulou algumas palavras da maneira mais impessoal possível. Como de praxe.

— "Há mais coisas entre o céu e a Terra do que pode imaginar a vã filosofia."

— Isto não responde minha pergunta, resisto, surpreso, mas afirmativo.

Criando uma situação evasiva, ela gorjeou à meia voz, os versos da letra da música ainda a repercutir, grandiloquente, das caixas sonoras. Insinuou, desta forma, que os versos da canção seriam sua resposta:

“And when the broken hearted people, living in the world agree (Quando as pessoas de corações feridos se harmonizarem neste mundo)

There will be an answer (Haverá uma resposta)

Let it Be (Deixe estar).

For though they may be parted, there is still a change ((Embora estejam distantes, separadas, ainda existe uma chance)

That they will see (Que eles vão discernir)

There will be an answer (Haverá uma resposta)

Let it Be. (Deixe estar).

A tradução livre sugere que a gramática é menos pertinente do que a intencionalidade.

Desperto ao som da voz do motorista de ônibus que avisa: "Vinte minutos para o lanche". Sinto-me imigrante viajando em direção a maior cidade da América do Sul. Rumo aos shopping-center frequentados pelos cibernÉdipos dos corações solitários.

Busco organizar as ideias. A cabeça à mil por hora. Preciso ordenar a percepção exata da sequência dos eventos. Senão, a incrível riqueza de conhecimentos armazenada neste período de livre aprendizado no campus alternativo da Estrada, pode se reduzir ao pó da piração.

Em meu ciclo de amizade existem meia dúzia de pessoas com condições de honrar este modelo de know-how existencial. Os preconceitos vigentes dos membros da cultura sedimentada, do establishment ("Foudation"), são mais fortes do que as recentes experiências dos peregrinos da cultura alternativa.

Como pode haver diálogo entre os dois lados do "muro da vergonha?". De um lado se encontram as pessoas que aceitam todo tipo de despotismo, passivamente, sem nada questionarem. Ou questionando apenas muito superficialmente.

De outro lado, os pioneiros de uma nova mundividência. Antecipando-se às vivências das contradições de seu tempo. Vivendo-as, abrindo trilhas, isolados. Tendo de conviver e superar a ignorância e o desprezo da cultura estabelecida. O dogmatismo podre.

Neste momento, as frases do poeta simbolista Arthur Rimbaud (1854-1891), são como um bálsamo sobre as feridas abertas de minha ansiedade: O Poeta Torna-se Vidente Através de um Longo, Imenso, e Racional Desregramento de Todos os Sentidos.

Não com o objetivo de ser poeta ou vidente, ganhei a Estrada. Nem tampouco desregrei todos os sentidos por longo tempo. Mas as frases, um incentivo e um elogio àqueles que desafiam a própria fragilidade, frente a avassaladora intransigência das forças sociais pseudo organizadas, fornecem alento à minha mente. Mimo à minha solidão.

O ônibus estaciona na plataforma 12. Sinto-me Estrangeiro. Imigrante a caminho de uma cidade do interior de São Paulo com quarenta mil habitantes: Mirassol. Filho pródigo, voltando às origens. Convém adaptar-me às leis que regem o ciclo do eterno retorno à mesmice da vã rotina. Aprendi muito sobre a inflexibilidade dos condicionamentos que regem a vida das pessoas.

Não apenas minha aparência está diferente. Posso sentir como meus cabelos longos, a barba por fazer, agridem as pessoas de aparência dita normal. Elas ficam afetadas com minha proximidade. As vibrações não se harmonizam. Que faço entre elas? Não vejo o mundo pela lógica simplista de seus olhos padronizados. A vida é mais que rotina, relógio de ponto. E uma poltrona frente ao "espelho mágico" da tv visão.

Ser sonhador, estrangeiro, não é fácil. Pessoas que hostilizam os poetas de uma geração, com suas atitudes depreciativas deveriam exercitar a autocrítica. Pensar nas frases de alguém que advertiu: "Não desdenhe dos nossos sonhadores. Suas palavras tornam-se os feitos da Liberdade."

Fico mais tranquilo após estes pensamentos. Desembarco do coletivo na rodoviária de São Paulo. Do rádio de um passageiro soam os versos de uma das músicas de Boby Dylan: " As pedras do caminho/Deixe para trás/Esqueça os mortos/Eles não levantam mais/Um vagabundo esmola pelas ruas/Vestindo a mesma roupa que foi sua/.../Risque outro fósforo/Outra vida/Outra luz/Outra cor/E não tem mais nada/Negro amor. . . "

O locutor de uma tv ligada dentro de uma banca de revistas da rodoviária informa, dentro da programação do "Jornal nacional": "A frente fria no sul do país vai permanecer por toda a semana. Previsão do Centro Regional de Meteorologia e Climatologia do Estado de São Paulo, ligado ao Departamento Nacional de Meteorologia do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária."

Sorrio: como são ridículos os locutores da prolixidade. Buscam transmitir aos tv espectadores uma credibilidade de faixada, de burocratas da informação ascética, institucional. Autoritária. Os nomes longos e pomposos. A afetação da ditadura transpirando pelo sangue e pelos poros do suor da nacionalidade. A censura e a repressão contaminando tudo. O câncer nacional, inconstitucional presente até nas formas de redigir as notícias.

Seguem informações sobre o projeto Grande Carajás, a usina de Tucuruí. O que os locutores não dizem é que a política de investimentos da ditadura em obras faraônicas hipotecou o Brasil até pra lá do ano 3000. Só Carajás e Tucuruí consumiram 35 bilhões de dólares. Os setores mais necessitados da sociedade, educação, cultura, habitação, permaneceram na indigência. Quem diria, no Brasil ainda hoje é dia de ditadura econômica.

Ônibus para Mirassol só amanhã. Estou na fila para pegar um "tx" até o hotel "Cruzeiro do Sul", próximo à estação ferroviária.

— Hei cara, é você mesmo? a exclamação de Xico Gorgulho, braços estendidos em minha direção.

Na sequência aproximam-se Márcia e Stela. Surpresa. A sensação de uma identidade especial entre membros de uma geração que viveu à margem da cultura oficial, os questionamentos mais atuais. Como se membros fôssemos de uma mesma orfandade espiritual, mental, parapsicológica.

— Que é que vocês estão fazendo neste pedaço de asfalto, indago satisfeito. As pedras rolam e se encontram.

— Cara, depois a gente conta, responde ele. Aqui é bandeira estar.

Abraços. Beijos em Márcia e na ex-namorada Stela. O carro de Xico, um Opala, está estacionado irregular na pista reservada aos "tx" que transitam pela rodô. Pode atrair a atenção e a ira das canas, sempre de prontidão para reprimir com insana veemência, qualquer pequeno deslize da população civil.

Entramos no carro após firmar meus pertences sobre o bagageiro no teto do veículo. Disseram estar acampados até então, numa área de camping residencial em "Ubachuva". Um casal hippie ofereceu duzentos gramas de uma verdinha de boa qualidade. Estava na paranoia de pegar um bus, correr perigo de dançar com a coisa em cima.

— Presença beleza em troca da carona, diz Stela. Beleza pura, carinha.

— A Serena e o Vítor, disse Márcia, um casal muito legal. Tem de ver esse lado também, o da amizade.

— Normal, confirma Xico, cânhamo "xuxubeleza". Casal muito doido, "brother".

— Deve estar embarcando agora para a GB, diz Stela. Com mais de um "kg" na bagagem. Não é fácil.

— Tudo bem, torna Xico, tá envolto em folha de bananeira.

— Pra quebrar a maresia, justifica Márcia. Sem a bandeira da maresia não há flagra pelo cheiro.

— Pensou se os "hôme" dão um baculejo na mochila deles? insiste Xico.

— Nem fala, advirto, isola, pra não azarar a moçada.

Paramos numa churrascaria na Bandeirantes, a caminho de Mirassol. Ninguém estava no rango. "Baixaram" duas cervejas e três conhaques. As ideias fluíram sobre as impressões e experiências da Estrada. Agora é a vez de um tira-gosto de queijo-prato e outro de contrafilé. A oitenta quilômetros por hora são seis horas de viagem. Forrar o estômago é preciso.

Afirmo estar vindo de uma peregrinação pelo Estranho Caminho de São Thiago do litoral fluminense. A referência Estranho Caminho de São Thiago se deve ao filme homônimo de Buñuel.

— Estás com cara de Luna Bar, Baixo Leblon, a insinuação dele é pertinente.

— Pintou uma girl no pedaço dele, incita Stela, renovou geral as emoções. Conheço a fera.

— Não encana, baby, afirmo, está chegando perto.

— Se você vem perto eu vou lá, desafia Stela. Ah a Estrada, nela a gente vê melhor como gira o mundo.

— Agora é dá um tempo na curtição, saca Márcia. A vida não é só litoral não.

— Estou contigo e não abro, replico.

Sobre a mesa Xico deposita um livro que há poucos momentos estava no bolso de seu jaquetão.

— Diário de Estrada? Indago.

— Este livro, ah, está "maus". Trouxe de cima do balcão de um bar. Li umas frases, gostei, tá comigo. Alguém "esqueceu" ele com essa intenção.

Não tinha nome da editora nem do autor. Folheei as páginas que restavam. Fixei a atenção nas seguintes frases: "Ah, voltar de novo a essa vida/Lançar os olhos sobre nossas monstruosidades/Este beijo/Veneno mil vezes maldito/Minha fraqueza/A crueldade do mundo/Piedade Deus/Ocultai-me/Não estou em condições de proteger-me."

Abri o livro em outra página, li: “Sem dúvida sempre tive falta de fé na história/Esquecimento dos princípios/Silenciarei sobre isto/poetas e visionários ficariam enciumados/Sou mil vezes o mais rico/Serei avaro como o oceano.”

Li espontaneamente. Em voz talvez um pouco alta, a julgar pela reação das pessoas na mesa. As garotas beijaram-me como se fosse eu o autor dos versos.

— "Do caralho", cara, exclama Xico. Esse autor, não sei quem é, mas deve ter vivido a Estrada. Sentiu a barra de voltar para o mundo normal.

— Vamos "chegar" pessoal, alerto, o lero está beleza, mas as condições de navegação não estão nada fáceis.

— São 450 km, lembra Stela, mais de seis horas de viagem.

— Esta garoa desce tranquilo até amanhã, a garantia é de Xico. Pé na Estrada.

— Fosse só asfalto, tudo bem, lembra Márcia. Mas há o trecho de estrada de terra. Vamos colher cogumelos em Nova Aliança.

— Vocês estão mesmo fazendo a cabeça, digo exclamativo.

Todos sorriram a valer. Por quê?

— Para nós você estava na USP, cara, implica Xico. Tremendo careta. Discente de história e coisa e tal.

— Cabeça de ideias curtas, é a vez de Stela. Na rédea da academia, sabe como é?

— Minha avó já dizia, caretas, reajo com certo sarcasmo, "o gato ruivo do que usa disso cuida".

— Com pinta de mestrado e coisa e tal, reforça Márcia.

— "O bom julgador julga os outros por si", saquei.

— Legal que a gente errou na avaliação, Stela murmura, enquanto passa a mão no alto de minha coxa esquerda, beirando a genitália na ponta dos dedos.

De repente, não mais que de repente, pintou uma "larica" geral. Chamou-se uma "pizza" grande, um tira-gosto de filé e dois outros de azeitonas. Pergunto de mim para comigo: numa longa sucessão de eventos semelhantes, que número define a probabilidade de ocorrência desta coincidência?

Encontrar Márcia, Stela e Xico Gorgulho dirigindo-se para uma cidade de quarenta mil habitantes, no interior de São Paulo, a 470 km aproximados da Capital... Não é coincidência demais?

— A política cultural "tá maus", Stela fala com enfado. Os milicos estão a ferrar todo mundo. Os milicos representantes do "Reich dos Mil anos".

— Plínio Marcos, Dias Gomes, Neville de Almeida, reforça Xico.

— Até o porralouca do Cacá Rosseti está proibido, complementa Márcia.

— É pano de boca pra todo mundo que não banca a macaca de auditório da ditadura, argumento.

— Sem chance, Xico adverte: arte pra eles é trabalho de veado e comunista.

— O que tem de nego no desespero, rebate Stela, matando a família e indo ao cinema.

— É uma história de horror que não se vende nos gibis, afirmo. Eles são o modelo da política da corrupção a seguir. O resto da população são todos bandidos da luz vermelha.

— Puta filme, confirma Xico, só passa em circuito de fim de semana em museu. Vale a pena ver de novo.

Ele dirige o carro ao lado de Márcia. Estamos há duas horas na Estrada. A singela musicalidade da voz despretensiosa de João Gilberto se faz ouvir do "deck". Harmoniza as emoções: "Chega de saudade/A realidade/É que sem ela/Não pode ser."

A calcinha de Stela estala no meio das coxas.

"... A realidade é que sem ela/Não há paz..."

Ela repete, como se um clone fosse da sexualidade da Mochileira, movimentos eróticos contidos, suaves, que aumentavam a intensidade voluptuosa de meu membro no vaivém de sua xaninha apertadinha. Maravilha.

"...Não há beleza/É só tristeza/Melancolia/E essa saudade/Que não sai/De mim/Não sai..."

Seu corpo subindo-descendo de meu eixo carnal ereto. Epifania, epicentro. Libido fluindo, pianíssima.

"..., mas.../Se ela voltar/Se ela voltar/Que coisa linda/Que coisa louca/Há menos peixinhos/A nadar no mar/ Do que os beijinhos/Que darei/Na sua boca..."

Vagina, caverna mágica: delícia de sexo.

“...Que é pra acabar/Com esse negócio/De você viver/Sem mim/Que é pra acabar/Com esse negócio/De você/Longe de mim..."

— Gostoso, amor, Stela repete: delícia. Não pára. Não pára não. Assimmmm. Bommmmm. gostosooooo. Querido, aiiiiaiaiiiaiiii. Ahhhahahhh. Demaissssss. Ohhhhaaaanneeesss.

"...Que é pra acabar/Com esse negócio/De você/Viver sem mim..."

A serenidade da canção fluindo no ritmo das emoções, dos gritos, gemidos e sussurros. A substância seminal jorra longe dentro dela. Novos sentimentos fluem do prazer, do desejo: uma, duas, três vezes. Saciando a fome de querer, de viver, de desejar. Feelings fálicos, rumo ao interior universal, estelar, vaginal da mulher. Da fêmea Stela.

NO VENTRE DA MÃE BALEIA ("ED QUID AMABO NISI QUOD AENIGMA EST." —— De Chirico).

Quarenta e cinco quilômetros, a distância que separa Mirassol dos pastos de Nova Aliança. Meia hora de carro, se tanto. Em plena região rural, o Opala começou a estancar. O sistema elétrico falha. As luzes dos faróis, faroletes e do interior do veículo minguam. De dentro de duas mochilas no porta-malas, são retiradas lanternas. Ao serem acionadas suas luzes cintilam por breve espaço de tempo, segundos, em seguida consomem-se por completo.

— Que merda é essa que está havendo? Reclama Xico irritado. Comprei as baterias hoje de tarde. As lanternas estavam funcionando normais.

— Estranho, "brother", comento.

— Olha o gado, é um pasto, Márcia fala um pouco apreensiva, vamos colher uns cogumelos.

Ela e Stela afastam-se em direção a uma duna. Apesar dos altos e baixos do terreno, ele estava coberto por uma longa esteira de grama. Pensei que fossem fazer xixi. Mas as duas ficaram de pé, imóveis, olhando fixamente para um sítio distante uns seiscentos metros aproximadamente.

A madrugada fria, o chão do lugar muito irregular. A presença de um tênue nevoeiro e a umidade do ar: os cogumelos deste pasto devem ser realmente um barato. O chão esburacado e escorregadio. Presume-se muita bosta de vaca. Lembrei da capa dupla do disco do Pink Floid. Stela e Márcia gesticulam, solicitam nossa presença. Querem que nos aproximemos mais.

— Vem aqui, ver daqui.

Chego junto dela, aperto sua mão estendida. Xico, chegando-se mais, atende os apelos de Márcia. Ficamos observando, fascinados, o pisca-piscar pulsante, hipnótico, rítmico, de luzes nas cores branca, amarela, vermelha, azul, negra e violeta. Um show de cores. Quase um arco-íris.

— Vamos chegar mais perto, convida Stela, parece um palco armado para um festival de "rock".

— Vai haver um festival de música aqui, satirizo, e a gente estava por fora.

Seguimos em direção das emissões luminosas pulsantes. Se de longe causavam tanto efeito, de perto, nem pensar, causariam muito mais. A sincronia com que pulsavam, exatamente simultânea, causa estranheza, aguça a curiosidade. Fosse o que fosse, gostaria de ver de perto.

De carro, impossível uma aproximação. Mesmo se o motor estivesse funcionando e os faróis acesos. Não há amortecedor que aguente rodar por sobre uma superfície tão desigual. Na grama molhada, os pneus deslizariam, a força de atrito semelhante a de um esqui em pista de gelo, se não atolassem nas poças de lama.

O fenômeno luminoso fascinante. Vale enfrentar a oposição da situação crítica do terreno. A princípio avançamos mano a mano. Quinze minutos depois Stela e eu apressamos o passo mais a direita, contornando uma larga fenda no chão. Márcia e Xico, com o mesmo propósito dirigiram-se pela esquerda.

— Mas que merda de droga de bosta de pasto, clama Xico irritado, vim me melecar todo. Devo estar de miolo mole. De bobeira nessa onda.

— Calma, cara, diz Márcia sem convicção, "take it easy". Apesar de todos os esforços não houve progresso no sentido de uma aproximação com o local das luzes.

— Essas luzes são apenas sinais de identificação emitidos por balão de pesquisas meteorológicas, exclama ele, com indisfarçável irritação.

Estava apenas esboçando uma explicação racional, dentro dos limites de seu padrão referencial. Esfregava com Márcia, o tênis na grama úmida, limpando a meleca em que haviam pisado.

— Gente, o carro ficou sozinho com "tudo em cima”, Márcia advertiu. Arriscamos nos perder neste lugar.

— Estamos tentando há meia hora, ele exagera, sem conseguir nada. Vamos para o carro Marcinha, se acharmos o caminho de volta.

Desejo tanto como Stela vencer os estorvos do pasto. Não está nada fácil. Muito esforço e pouco progresso. De repente, um ruído estranho, como se alguém estivesse se aproximando, chapinhando em água rasa. Apressando os passos pesados, aproximando-se de nós. Pelo impacto do corpo estranho no solo, seu peso deve ser enorme. Se for hostil, estamos "maus". Medrei.

— "Pé de pato te esconjuro, mangalô três vezes", exclama Márcia, apreensiva.

Eles correm presumindo-se em direção ao carro. Súbitos gritos apavorados dela. Clamores espantados de Xico ambos perdem o equilíbrio, batem de encontro aos corpos de animais no pasto, caíram de costas na grama próxima ao corpo dissecado de uma rês.

Na cabeça do quadrúpede um orifício perfeitamente redondo, da dimensão um pouco maior que uma bola de gude. Das vísceras do animal e ao redor, se faz sentir um forte odor de enxofre. Não havia nada dentro dela, como se o conteúdo total do cérebro, as partes anterior e posterior do encéfalo tivessem sido extirpadas. Vários palitos de fósforos foram acesos e dirigidos ao interior da cavidade craniana do bovino. Estava oca, e suas vísceras secas. Como se todo seu sangue tivesse sido drenado.

O animal não foi vítima de nenhum predador, que havia chupado com canudinho o conteúdo craniano dele. A dissecação fora efetuada com instrumentos cirúrgicos para estudo dos órgãos de sua anatomia. O que houve foi uma retaliação anatômica.

Stela e eu apertamos as mãos, estávamos desnorteados. O que quer que esteja havendo, tínhamos de sair fora do local o mais depressa possível. Na pressa de nos afastar, pisarmos de mau jeito numa reentrância do terreno, por pouco não repetimos a cena de Márcia e Xico.

Mantivemos a postura involuntariamente apoiada no dorso enorme de uma besta castanha, prenha. Pelo volume da barriga, prestes a parir. Nervosa, batia ininterruptamente os cascos traseiros presos, por uma escassa corda amarrada na parte inferior das pernas, numa poça de água barrenta. Talvez estivesse em pânico por causa das luzes. Passamos as mãos por suas costelas proeminentes, agradecendo desta forma, o providencial apoio de seu lombo.

O animal acalmou-se um pouco. Nós também. O ruído dos pesados passos, agitando tenebrosamente a grama molhada, fustigou os ânimos exaltados. Teria sido apenas impressão? O som dos cascos na poça de lama muitas vezes ampliado devido aos efeitos de nossos inconscientes excitados? Por pouco não perdemos o controle e berramos, como o casal amigo. As pulsações luminosas prosseguiam à distância.

Stela está desolada, oprimida, decepcionada. Seguramo-nos as mãos, voltamos. Poucos passos depois, um grito apavorado de Márcia ecoou à pequena distância: "Huuuuaiiiaiaiaiaiiiii".

Dois pássaros, em vôo transversal rasante, cruzaram-se próximos às nossas cabeças. Voltaram em seguida em sentido contrário, insinuando-se em manobras de vôo, à nossa volta.

O Falcão ("Falcus peregrinus"), da esquerda para a direita. A Coruja, em sentido inverso. Numa atitude instintiva de defesa, levanto os braços sobre a cabeça. O olhar permaneceu atento. Humilhante admitir, mas, apesar de serem apenas duas pequenas aves, provocaram medo, senti-me ameaçado.

Avaliando a situação, um sentimento de vergonha. Contribuiu para isto a surpreendente audácia e hostil impetuosidade das aves. Elas agiram como se fossem guardiãs avançadas de um território que estava sendo profanado por intrusos: nós. Não nos forneceram nenhuma possibilidade de defesa com seu ataque de surpresa.

Mesmo por que, que intenção teriam de nos molestar? Que poderiam um Falcão e uma Coruja contra nós? Do ponto de vista psicológico, causaram grande impressão. O Falcão afastou-se emitindo trinados intermitentes, como que fazendo eco a uma sequência de pios desferidos pela Coruja.

A repetição de sons harmônicos de diversos timbres impressionou pela sensação de que ambas as aves, ao se distanciarem, transmitiam impressão de grande regozijo, resultado de satisfação, contentamento, com os sobressaltos provocados por suas intervenções de surpresa.

Novos gritos de assombro se fizeram ouvir. Xico berrou de raiva, como se reprovando o excesso de excitação de Márcia. Com seus berros, conseguiu suavizar as próprias tensões. Corremos em direção a eles. Xico puxava a namorada pelo braço, tentando afastá-la da proximidade de um rabo de vaca que se movimentava de um para outro lado do próprio lombo, roçando a cara de ambos.

Tensa, ela relutava em sair do lugar. Os pulsos dobrados em direção aos lados do corpo. Mãos apertadas, dedos duros, como se fossem "flaps" aprumando a postura, braços na vertical, tensos e rígidos.

Observando a cena, começamos a sorrir. Passada a surpresa inicial, Márcia e Xico também sorriam. Algo estranho está acontecendo aqui. Nenhum de nós com disposição de ficar para saber o quê. Chega de imprevistos e de sobressaltos. A nítida intuição de que é preciso sair do lugar. Paranoia, talvez. A ideia de que alguém está seguindo a gente.

Tateando pelo caminho de volta, paramos em seguida. Um equino aproxima-se a galope, sem montaria, a trotar em nosso redor. A crina ondulante de uma égua branca, prenha, agita-se como se fosse uma longa cabeleira seguindo o compasso rítmico do galope. A visão, demasiado surrealista: as patas pisoteando a grama, no movimento alternado do galope pareciam progredir em câmera lenta, sulcando o chão na diagonal do trote.

Distante uns doze metros, nos contornava em círculos. Mantinha-se em nossa vizinhança, apesar do gênero "equus" ser arredio à proximidade do gênero humano. Antes de completar três voltas, o Falcão pousa sobre seu dorso, de lado, ficando de frente para nós, a princípio, agitando as asas, como se estivesse com dificuldade de manter-se equilibrado cavalgando.

Para nosso pasmo, seu corpo hirto fixou-se em segurança, enquanto a fêmea do cavalo diminui o ritmo do trote, para logo depois, contendo-se, virar o corpo e começar a trotar na direção inversa aos movimentos de um ponteiro de relógio. Agora vem juntar-se ao Falcus, a Coruja, dando uma de "amazonas", equilibrando a parte posterior de seu corpo no lombo do Falcão.

Os dois pássaros conseguem manter-se perfeitamente ajustados ao galope, no dorso do belo exemplar equino. A impressionante beleza surrealista da situação ímpar, de excêntrico, excepcional adestramento, prosseguiu por mais três giros de 360 graus. Três perfeitas circunferências a nossa volta.

Depois delas, arfante, inclina o longo pescoço para baixo e para os lados. Escouceia o ar aos pinotes. Parece esforçar-se, com inútil bravura, por retroceder. Os pássaros voam. A atitude do equino, de desesperada resistência e oposição direcional, após algum tempo é vencida. Os pelos molhados pela tênue neblina e pelo suor do esforço físico realizado sob tensão, contra sua vontade. Convence-se afinal, da insensatez de seu intento: retorna, resfolegante, à direção sugerida pelas aves, na velocidade de galope.

Seu dorso grande grávido, reluz como nuvem branca na paisagem da neblina em direção às luzes pulsantes. A Coruja e o Falcão seguem-na voando em círculos, a níveis flutuantes de baixa altitude. Posicionam-se em pleno voo na parte posterior do animal, como se a dirigir, escoltar a força de seus músculos cervicais e dorsais. Conseguem, de maneira admirável, corrigir seus desvios de percurso.

Revelam-se hostis. Emitem ruídos guturais de agressiva sonoridade. Investem a fragilidade de seus pequenos corpos contra as magníficas potências musculares, desproporcionais a seus respectivos tamanhos.

Os pássaros conseguiram intimidar também nosso ânimo. Produziram certa apreensão. Cisma. Presumem-se perigos potencial e real. Se resolvessem nos acossar, agindo de modo semelhante para conosco?

Tentassem nos impelir, obedecendo a algum comando remoto, extrassensorial, em direção ao fenômeno luminoso? A poucos instantes estávamos dele querendo nos aproximar. Agora, distanciarmo-nos o mais depressa possível.

Enquanto guiavam o equino, as aves conseguiam pairar a pequenas distâncias do chão, examinavam o ambiente e as próprias ações, como que a se vigiarem mutuamente. Nada disso é característico do comportamento da espécie a que pertencem. A Coruja possui dificuldades em manter-se adejando. A pequenas altitudes, não é característica do Falcão a mesma performance.

Uma experiência visual inesquecível. Provocou grande estranheza a disposição das aves de guiar a égua na direção do evento luminoso, impulsionando-a a adentrar-se na região de neblina mais espessa, contra a vontade do instinto animal fogoso, obstinado em fornecer resistência.

Nem o MIT está em condições tecnológicas de criar um desempenho artificial tão perfeito em máquinas que simulem a aparência de animais de Inteligência Artificial Superior (robôs), seres mecânicos dissimulados: pedestres ou alados.

— Tá esquisito "brother", Xico apressa o passo. Vamos sair fora daqui depressa.

Quase a correr, Márcia busca, alternando-se com ele, tomar a dianteira. Revezam-se, ansiosos por sair do lugar, movimentando-se com rapidez, aos borbotões. Tropeçam um no corpo do outro. Perdem o passo e caem, ora ela, ora ele, alternando-se nas quedas.

Apesar de uma possível "espada de Dâmocles" pairando sobre nossas cabeças, não consigo conter os sorrisos. A associação com as personagens do curta-metragem de Polansky, Os Mamíferos, lembrou a situação cômica de humor negro. O casal Márcia e Xico estava realmente perturbado. Stela e eu, idem. Sentíamo-nos, não sem motivo, ameaçados por uma possível nova sequência de ocorrências imprevisíveis.

Pouco depois, confirmando a projeção mental e emocional de nossos temores, se faz ouvir, outra vez, ela, a coisa, chapinhar pesado, agressivo.

Acreditamos, na primeira vez, que esta manifestação tivesse sido produzida pelo impacto dos cascos da égua castanha, na depressão natural do charco. Estas impressões somavam-se às vibrações anímicas de nosso inconsciente excitado. Tememos que, desta vez, fomos "pescados", como peixes numa tarrafa.

O chapinhar na grama úmida, logo em seguida transformou-se em pesados passos ameaçadores. Aproximava-se a breves intervalos de tempo, aos saltos. Seja o que for, estava nas imediações. Próximo. A nos espreitar. Pode ainda estar. Sabe-se quando se está sendo ostensivamente observado.

Talvez a coisa estivesse buscando um ângulo de ataque favorável, a partir do qual nossa possibilidade de defesa fosse ínfima. Paranoia. O atrito de seus saltos fazia tremer o chão ao redor. Observo a acentuada lividez da pele de Márcia e Xico. Um misto de temor mescla-se ao cínico estímulo de sorrir. Stela e eu poderíamos, do ponto de vista deles, estar a espelhar uma aparência de palidez semelhante.

Os "prodígios" no pasto em Nova Aliança nos afetavam e iludiam de maneira uniforme.

Para onde correr? Podem peixes fugir de uma malha de pesca espessa? Estamos numa arapuca alienígena: se formos abduzidos? A ideia não é fantástica tanto quanto possa parecer. Apesar das estatísticas de abdução não serem divulgadas por instituições oficiais, existem muitos depoimentos de abduzidos que foram libertados.

Minha ansiedade está no limite do pânico. Correr, nem pensar.

Seríamos presas fáceis numa corrida em campo aberto. E se fossem dois ou três agindo de forma sincronizada? O "fog" está a adensar-se.

Na expectativa de que pudesse acontecer uma agressão, mal podemos identificar um bípede (ou quadrúpede?), a uns doze metros à nossa esquerda. Pelo que vimos, de relance, somando-se à rapidez do animal, braços curtos, a altura, o peso, a cínica expressão risonha, aos pulos, chegou-se à conclusão de que "aquilo", "aquela coisa", só poderia ser um Canguru.

"Passou batido", distanciou-se para alívio geral, como quem conseguiu seu objetivo. Qual? A tensão passou após longa transpiração. Alívio. A ausência de estímulos ambientais discriminativos, prenúncio de um possível acontecimento desagradável, temível. Trouxe consigo um sentimento de gratidão provisório, por quem quer que fosse responsável pelo conjunto de eventos inusitados.

Permanecemos sujeitos às influências organizadas e dinâmicas desse campo de força. Ele prossegue interagindo sobre nossas percepções. Suas influências poderiam evoluir de meras encenações pitorescas, com a atuação de animais nem sempre inofensivos, para uma ação de alcance e intensidade imprevisível, traumatizante.

Negócio agora é sorrir de nosso medo e fragilidade. Está divertido, até tensões divertem. Mas não vale a pena comprar ingresso para assistir à próxima atração desse programa de mistificações inusitadas. Está claro que estamos sendo observados. E se alguém que nos observa cismar que servimos para ser treinados como novos personagens de um circo alienígena?

Apaziguados os ânimos, matutei de mim para comigo, tentando fazer as contas com números inteiros: que faz um mamífero marsupial, encontrado apenas na Austrália e na Tasmânia, aos pulos, num pasto de gado em uma cidade do interior paulista com pouco mais de quatro mil habitantes, há 26 mil quilômetros de Sidney, Austrália?

Chega de surpresas. Apressamos o passo no caminho de volta. Apreensivos. Hesito crer em ter visto um Canguru a 16 mil milhas de seu habitat natural mais próximo. Estou mais tranquilo. Acredito ter saído da zona de maior turbulência psicogenética que influenciava nossos sentidos.

Surpreendentemente Xico entra numa de negação compulsiva do fenômeno visual:

— Aquelas luzes são faroletes de localização ligados a um balão de pesquisas. Propriedade da marinha ou da aeronáutica. UFO é alucinação de maluco. Provocada por anseios reprimidos do inconsciente coletivo.

— Foda-se Jung, reajo: e quem mais acreditar nessa baboseira. Você está por fora, bicho, não acredita nem no que seus olhos veem.

— O próprio Jung negou esta afirmação inconsequente, permeia Stela, em resposta à insinuação de Xico de que estávamos todos a delirar.

— Se não posso acreditar em meus sentidos, comento, não sou confiável nem a mim mesmo. Meus sentidos são meu elo com a realidade. Confio neles. E você: sai dessa de esquizofrênico.

— Aquilo é real ou não, cara? desafia Stela irritada, dirigindo-se a ele, olhando nos olhos.

— Não adianta entrar numa de São Tomé, é a vez de Márcia. Não são faroletes coisa nenhuma. Não sei o que é, mas está lá, posso ver. Tá de porre, cara?

— É como dizer que estão queimando uma roça, Stela está aborrecida. Você não vai conseguir tapar o sol com uma peneira. Olhem.

Ela aponta o carro. Aproximando-se dele, Xico deu-se por vencido. As evidências, muito mais fortes do que sua impertinente negação. Os cogumelos foram esquecidos. Meio ressabiado, legitimou a estranheza visual dizendo:

— Tudo bem, pessoal, vocês venceram. Essa coisa é mesmo anormal. Desculpa moçada, não sei como explicar minha reação.

— Você não está sozinho, digo, conciliativo. Os cientistas da NASA estão na mesma situação.

— Isso aí, carinha, reforça Stela. Você não é bobo de acreditar na opinião oficial de que UFOs são apenas distorções visuais tipo refração do brilho de Vênus, balão de festa junina, distorções provocadas por "inversões térmicas".

— Basta olhar pra vê, balbucia Márcia. Não é avião, nem o super-homem, helicóptero, farol ou nuvem refletindo as luzes da cidade. Não é meteorito nem planeta.

— Nem uma suruba entre Batman e Robin, sorrisos.

— A mente é como paraquedas, afirmo, só funciona quando aberta. Veja: não é Marte, Vênus nem "atmosferas de Menzel".

Só agora lembro do binóculo. Ele pode permitir uma observação mais nítida das luzes pulsantes. Devem ser quatro horas da madrugada. Aqui está ele na mochila. O Opala na mesma, sem motor ou bateria. Fixo as lentes do instrumento ótico no fenômeno luminoso e exclamo:

— Incrível, pode ser a mesma origem das outras esferas. Como é que pode? Difícil acreditar.

— Que esferas, cara? Indaga Xico. Passo a luneta, todos querem ver.

Fiquei pensando por momentos no que vi agora, aqui. Lembrei da mímica da hippie grávida na praia das Neves. Ela buscava simular com os dedos das pequenas mãos bem abertas, o tamanho da circunferência das bolas a cores que haviam visto: ela, o namorado e um acompanhante. Sua versão do fenômeno estava sob o calor da passionalidade, impressionada porque um dos globos, separando-se por momentos dos demais, havia sindicado seu ventre.

Pelo binóculo observei, há pouco, várias esferas a cores entrando nos retângulos luminosos pulsantes. O tamanho lembrou o gestual da mulher explicando a dimensão das bolas a cores. Seriam sondas de exploração ambiental? Pela descrição dos hippies na praia das Neves, estas devem ser iguais, ou muito semelhantes, aos globos que eles viram.

Estranhei Márcia a caminhar de costas, apressando-se, como se querendo afastar-se rapidamente de alguma coisa estranha que dela se aproxima. Xico, que estava de cócoras, impulsiona o corpo para trás e para o lado em que se apoia numa das mãos, como se desejasse sair correndo em direção contrária ao pasto.

Stela, que há momentos havia me devolvido o binóculo, surpresa, grita para mim, apontando em direção à pulsação das luzes. O que vejo imobiliza-me. Não há nada a fazer. Sair correndo, para quê? Não há defesa possível.

Imensa nuvem, guardo a impressão da cor âmbar, aproxima-se veloz, imergindo a todos em seu ávido turbilhão: nos abocanha. Apodera-se de tudo em seu trajeto inexorável. Engole-nos como se fosse a arcada de uma formidável baleia. Estamos dentro de seu ventre.

O INCRÍVEL PODER DE FASCÍNIO DOS "BUTTONS"

Três semanas depois Stela telefona. Combinamos ir até a casa de Márcia, às 20 horas. Os pais dela estão viajando com seu irmão menor. A residência está por conta da família do caseiro. A casa principal, lugar perfeito para um brainstorming.

— Há uma coisa que Xico quer dizer. Ele acredita que devemos todos saber.

— Claro, vamos trocar ideias. Também tenho coisas a dizer. Você?

— Sim, acho que sim, todos temos.

Mais tarde, na casa de Márcia, estamos dispostos a avaliar a experiência incomum. Agora é aprender a conviver com isso. Após meia dúzia de latinhas de cerveja, não conseguimos entrar no lero central da reunião. O motivo pelo qual estamos reunidos permanece subliminar. Nada das palavras acontecerem. Um clima de singular inquietude aos poucos se estabelece. Uma sensação de mal estar. Márcia vomita. Xico ameaça vomitar.

Paramos com a cerveja ou a vomição pode ser geral. Ninguém entra no assunto. Súbito, Xico diz que anota locais e a quilometragem percorrida entre eles. Desta forma mantém o motor do carro regulado visando um consumo mínimo de gasolina.

Gaguejando, consegue dizer que no tanque do Opala havia mais combustível do que deveria haver, e que o velocímetro do veículo mostrava apenas um número: seis. Pergunta se alguém sabe explicar isso.

Por que os relógios estavam parados às quatro horas? Ficamos no pasto em Nova Aliança pelo menos uma hora. Havia um paradoxo de tempo e outro de quantidade de combustível. Chegamos ao consenso de que realmente houve um contato. E que, toda vez que desejamos lembrar dele, nada mais conseguimos do que uma forte dor de cabeça. Fumar maconha e biritar, agora causam mal estar e vômito.

— Algo mudou em nosso organismo, palpita Stela. Consequência do contato.

— Vamos manter essa história entre a gente, pondera Xico. Não quero ser estigmatizado como parte do grupo de malucos que viu um disco voador.

A ignorância das pessoas sobre este assunto é reforçada pela postura oficial dos governos. Há consenso também quanto a isso.

— Melhor ficar "na moita", insiste Márcia. Não vamos divulgar esse contato.

— Se alguém mencionar minha participação, confessa Xico, digo ser piração de quem falar.

— Nessa história de ufologia, comprova Stela, vai ser um deboche geral. Infelizmente é assim que acontece.

— "Os malucos que viram o disco voador", sem essa, ironizo.

A reunião está terminada. Hesitei em contar sobre meus estranhamentos no período de convivência com a Mochileira. Porém, ao ver o estado de desbunde e ansiedade do grupo, optei por dividir com ele, as impressões e sentimentos que desejava manter meus, apenas.

Comecei por contar por que, perplexo, exclamei no pasto em Nova Aliança, ao fixar com a lupa o evento luminoso: "Incrível, pode ser a mesma origem das outras esferas. Como é que pode. Difícil não acreditar".

— Vocês decidem se há alguma relação entre o que aconteceu em Nova Aliança e minha experiência anterior, quando em companhia da Mochileira.

— Estás blefando, mano, deprecia Xico. Corta essa de "suspense". Não vai querer dizer que há novidades.

— Seria mesmo demais, intervém Stela: sou toda ouvidos.

— Estou pagando "pra ver", desafia Márcia.

Do encontro com os hippies na praia das Neves, passei à narração de meu primeiro contato, e a subsequente convivência com a Mochileira.

A síntese de minha história exclui os momentos de maior dramaticidade. Os mais inverossímeis, não mencionei. Sobre os incríveis eventos vividos no planalto da Pedra da Gávea, silencio.

Como encontrar palavras para explicar a complexa magnitude do acontecimento mitológico? A sensação de ser um grande pássaro, planando a centenas de metros do solo, entre correntes de ar de altitude? Diriam ou pensariam que pirei. Quem poderia, em sã consciência, acreditar numa experiência tão fantástica? Desconfio que o atual nível de racionalidade sapiens não passa de mero mito.

Se contasse a metamorfose, não poderia censurá-los por suas dúvidas quanto à minha sanidade. Julgo os outros por mim. Se algum deles me contasse uma história dessa, como poder crer em sua veracidade? Da "parábola do povo do outro lado do rio", faço um sucinto resumo. Mencionei Thundra. Nada de específico, generalidades apenas.

Ao final da narrativa (eles me ouviram atentos), disse que a Mochileira desceu a Pedra da Gávea enquanto eu dormia. E que não a procurei depois de me sentir rejeitado por ela.

— Você não trocou nenhuma figurinha? Camiseta, lembrança, qualquer coisa.

Em resposta, abro uma pequena sacola, tiro de dentro dela e deposito sobre a mesa dois pequenos "buttons" e três conchas marinhas, dizendo:

— Não é muito, argumento, mas é melhor do que nada.

Os dois "buttons" chamaram a atenção. Um deles, de simbologia de fácil identificação, reproduz a imagem de perfil de uma Coruja dorso a dorso com um Falcão. O símbolo impresso no segundo "button", ninguém faz ideia do que significa. Simplesmente desconhecido. Inexiste referência visual anterior.

As relações funcionais entre atividade psicológica e experiência visual Coruja/Falcão, não se estabeleceram imediatamente. A memória resistiu em lembrar a beleza surrealista evidente da sequência de cenas das quais participaram a égua prenha branca e os pássaros.

Concluímos, algum tempo depois, que houve um estímulo hipnótico a bloquear a lembrança das percepções, sensações e ideias provenientes de nossa experiência no pasto de Nova Aliança.

Houve perturbações visuais e digestivas. Dores de cabeça intermitentes, mas que em poucos dias cederam, felizmente, substituindo-se por sonhos que, a princípio tinham a animosidade visual de pesadelos, medos, conflitos.

Foram precisos alguns dias mais para que nossa memória pessoal e coletiva do evento do pasto voltasse ao normal. Quase nada conseguimos lembrar dos acontecimentos. Os que sucederam ao envolvimento do grupo pela imprevisível, inesperada, repentina nuvem âmbar, que nos tragou como se fosse o boqueirão de uma baleia descomunal. Quanto tempo permanecemos em seu ventre?

Stela mostra-se fascinada pelos "buttons", mais que Márcia. Pelo "button" do símbolo Estranho, principalmente. Ao vê-lo pela primeira vez, na noite da reunião, exclama extasiada: "Como é belo este signo". Enquanto carinhosamente o afaga entre mãos

Nenhum de nós tinha visto sua representação visual em outro lugar.

Por dias fizemos exaustiva pesquisa. Resultado nulo. Não serviu de símbolo em feiras hippies, nem de logotipo para conjuntos musicais. Nenhum movimento ecológico ou político reivindicou seu uso, dentro ou fora dos limites da cultura alternativa. Nenhuma referência religiosa, impressão em selo ou numismática.

Márcia e Stela reproduziram-nos muitas vezes. Desenharam a simbologia dos "buttons" com surpreendente dedicação, devoção, se não exagero. Fizeram esboços com lápis de cor, nanquim, bico de pena, tintas acrílicas e pinturas a óleo. Tal compulsão em desenhá-los beirava o fanatismo.

Irritado com tão exagerada concentração pictórica, meu juízo crítico maneirou a intensidade de minha censura, ao contemplar a indiscutível qualidade de algumas pinturas produzidas a partir do original dos signos embutidos nos "buttons". Havia a misteriosa presença de um profundo sentimento feminino essencial, invisível. Transcendente.

Vendo essas telas, aprendi que a arte é uma porta que se abre à percepção de uma Antiguidade vitalizante. Uma metáfora de infinitas variações com o propósito de orientar a humanidade no sentido de manter-se muito acima da compulsão cro-magnon sapiens/demens que dormita sobre o ilusório e esplêndido berço das aparências.

Compreendo mais intensamente, que Amô foi uma experiência decisiva em minha vida. E que os desenhos e pinturas dos "buttons", trabalhados por Márcia e Stela, têm muito dela. Eles serviram de ponte entre meu incipiente nível consciente, racional, e a parte decisiva da psique inconsciente incorporada por meu eu. Ele agora detém a chave da interação dos processos rituais de controle instintivo, secreto, invulgar, da realidade.

O entusiasmo delas pelos signos me contagiou. Tão forte sentimento de empatia não pode ser questionado. A visualização dos desenhos e pinturas motivou um fenômeno paranormal: a percepção de uma vitalidade simplória, trivial, cotidiana, pertencente a uma unidade indivisível. Pertinente aos aspectos qualitativo e quantitativo de todas as coisas observadas: tudo o que é pessoal é igualmente coletivo. E vice-versa.

Por que os "buttons" seduziram, dominaram por encantamento, "enfeitiçaram" Stela e Márcia com tanta intensidade? Afirma a noção de complementaridade do físico Niels Böhr, sobre a intensidade desse modelo singular de estímulo, que, no estudo da microfísica, o observador participa da experiência básica das situações, sem que seja possível determinar com exatidão, o quanto suas ideias "conscientes" interferem nos resultados. Analisemos dois contextos experimentais:

Na microfísica se investigam sistemas atômicos e subatômicos, nos quais se utilizam procedimentos quânticos. Existem semelhanças entre as várias noções de complementaridade, onde um mesmo fenômeno, na observação de cada uma delas, pode ser medido e investigado separado, mas não simultaneamente. Nem pensar criar abstrações visando identificar ao mesmo tempo, diferentes categorias de experiências específicas, separadamente uma das outras.

Como ignorar a intensidade do estímulo que produziu uma dinâmica interiorização da atividade psíquica de Márcia e Stela, como se ambas estivessem mesmerizadas? A manifestação do fenômeno físico identificado por Niels Bohr, inclui a participação psicológica do observador consciente. Os físicos atuais aceitam apenas a ideia do observador consciente.

Wolfgang Pauli, denomina de "probabilidades dominantes" as leis que permitem um arquétipo emergir do inconsciente. A ciência atual considera impossível descrever o inconsciente, assim como as partículas da microfísica. Conhecê-lo, seria como conhecer a matéria em si. Ele é um universo em expansão: influencia todas as descobertas científicas, e todos os fenômenos de todas as vidas, todo tempo, em qualquer lugar: é universal. Cósmico.

Por que o inconsciente pessoal de Stela e Márcia possibilitou o inesperado desenvolvimento de qualidades plásticas de raro e excepcional engenho? A noção de complementaridade se encaixa com perfeição nos motivos psicológicos "totais" (conscientes e inconscientes), que despertaram nelas uma sintonia com alguma força (interior e exterior) muito intensa.

Posso contra-argumentar que estão apenas querendo se distanciar de uma situação de tédio cotidiano. Buscar um isolamento necessário para que possam melhor avaliar os conflitos internos, sequelas de suas experiências alternativas. Fora dos padrões da cultura papai-mamãe.

Transformaram um galpão no sítio da família de Stela, que servia de depósito de peças sobressalentes de equipamentos agrícolas, em oficina de pintura. Trabalham também gravações em madeira. Estão grávidas, fertilizadas pela crença de que, ao produzir com prolixidade e talento variadas configurações dos signos dos "buttons", poderão, talvez, restabelecer uma sintonia essencial, mágica, com o mundo. Ou vir a poder resgatar para si mesmas, um conhecimento vital, original, que talvez houvessem perdido.

Vital, mas bloqueado pela sutil sedimentação da poeira das eras, das gerações, que atualmente impedem a conexão essencial entre os elementos espontâneos que estimulam no psiquismo, a compreensão dos fenômenos supostamente complexos, mas realmente simples, que harmonizam o observador com as influências contrárias, paradoxais, das manifestações da psique consciente e inconsciente.

Agiam, Márcia e Stela, como seus ancestrais que pintavam as figuras dos animais que pretendiam capturar ou abater na próxima caçada, e que serviriam de alimento para a tribo. Desenhavam as figuras dos "buttons" como se pretendessem captar os conteúdos subliminares por eles emitidos.

Mirassol possui um Museu Histórico e Científico, e uma gruta com mais de setenta metros abaixo do nível do solo. Existem, nessa cidade, fósseis, vestígios petrificados de seres vivos que habitaram a Terra na "era mesozoica", quando surgiram mamíferos, aves e répteis gigantescos (dinossauros), grandes florestas e as rochas sedimentares e vulcânicas.

Grandes anfíbios e pássaros povoavam a fauna. No final desse período surgem os primeiros mamíferos, os "marsupiais", com órgão em forma de bolsa (antepassados remotos do Canguru). Estudiosos de paleontologia frequentam, a título de estudos científicos e pesquisas, os fósseis de Mirassol.

Todos participamos dos mesmos acontecimentos no pasto de Nova Aliança. Porém, a tendência para desenvolver um diálogo ativo, avaliar significados e propósitos, promover atividades de reprodução pictórica dos símbolos, são méritos a creditar às primeiras pesquisas de Márcia e Stela. Com que finalidade? A rápido, curto e médio prazos, nenhuma.

O interesse delas concentrou-se no estudo de uma "arqueologia anímica". Os "buttons" são meus. Por que não despertaram tantos interesses em mim? Chegaram a minhas mãos através de meu convívio com a Mochileira. Xico Gorgulho não se mostrou também tão fixado neles.

A necessidade de uma compreensão lógica dos fatos se impõe. O rei dos animais é racional, presume-se. Acontecimentos significativos e probabilidades dominantes são produzidos de maneira acidental, devido à ativação de um arquétipo. Adaptações e mutações dirigidas podem ocorrer em "diminutos" espaços de tempo, relativamente às mutações devidas ao acaso.

O darwinismo, segundo opinião de expoentes da ciência moderna, p. ex., Wolfgang Pauli, tende a uma fraude. Levando-se em conta a inter-relação entre a psique inconsciente e os processos biológicos, a seleção de mutações devidas ao acaso, segundo afirmam evolucionistas atuais, teria exigido muito mais tempo do que a idade conhecida do planeta Terra.

Significa, do ponto de vista científico vigente, que a mutação dirigida implantada no espécime troglodita da aldeia do "povo do outro lado do rio", agenciada por Thundra, é um acontecimento significativo acidental: produziu a ativação de um arquétipo. A história narrada pela Mochileira, a parábola do "povo do outro lado do rio", identifica-se com as concepções científicas da atualidade.

Os símbolos dos "buttons", a estranha experiência no pasto de Nova Aliança, minha convivência com Amô, fazem parte de uma conjuntura de fenômenos interativos. Do mesmo modo que as raríssimas coincidências ("sincronicidades"), posteriores a todos esses eventos até aqui narrados.

Tais "sincronicidades" e coincidências aconteceram, quando um grupo de cientistas desafiou os procedimentos oficiais da hierarquia de uma instituição científica dos Estados Unidos prestigiada em todo o mundo: o "Scripps Institute of Oceanograpy".

Minha limitada racionalidade não exclui a possibilidade de que o estudo do encontro de todas essas circunstâncias, esteja subordinado a uma ideoplasma original de mutação genética da espécie sapiens, agenciada por Thundra (Mochileira) há trinta e cinco mil anos, aproximadamente.

Tal mutação caracterizou-se a partir da reestruturação das células cerebrais (neurônios e sinapses) inseridas através de chips neurais implantados no cérebro do exemplar cro-magnon capturado por Thundra há trinta e cinco milênios.

A incrível dedicação de Stela e Márcia na reprodução das imagens dos "buttons", se deve ao fato de elas representarem arquétipos identificados com a origem e os desdobramentos da vida racional mais primitiva: o conhecimento mais antigo e mais original da raça humana: o chip implantado há milênios na mente inconsciente (pessoal e coletiva), do exemplar feminino capturado pela star nauta Thundra.

Elas reproduziam símbolos de uma afirmação anímica de plenitude e lealdade aos "inimigos naturais da espécie": animus versus anima. A animosidade natural que libera a raça humana da velhice, da doença e da morte: cada criança nasce do útero da mulher para garantir essa perenidade, essa mutação genética.

Passaram-se duas décadas, vinte anos, uma vida: março de 1992. Márcia, hoje, mãe de um casal de gêmeos, formada em enfermagem, mora numa pequena cidade litorânea no interior de Sampa. Reside próxima à praia. Stela, PhD em Oceanografia Biológica, com mestrado em Biologia Marinha. Trabalha atualmente em pesquisas oceanográficas para o "Scripps Institute of Oceanography", sediado em La Jolla, Califórnia.

Eu, docente de História. Xico, professor no curso de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Domingo, dia 8, encontro-me na casa de Márcia. Tudo que ela precisa é manter seu emprego e sua residência singela, ver crescer os filhos Marcela e Mário. As ondas do mar são um imenso relógio natural marcando a presença do tempo quando quebram na praia. Nas paredes de sua casa, a presença dos desenhos mais recentes do casal de filhos com catorze anos, começo da puberdade.

Na cabeceira da cama, um espelho grande. Ela gosta de se ver fazendo sexo. Numa das paredes da cozinha, um pequeno écran de couro gravado: O Mar Está Para A Esperança Dos Homens Como O Sono Faz Sonhar. A frase de Cristóvão Colombo. Causou efeito.

No "hall " a presença de duas xilogravuras de 70 X 47 cm. Na parede da esquerda, a reprodução xilogravada do símbolo Desconhecido. Do outro, um quadro em madeira representando a deusa Ísis amamentando o filho Hórus. Ísis, a deusa Vênus e o planeta Vênus eram uma só coisa. Um lugar no céu noturno e muitos nomes: Estrela Oriental, Ishtar, Astarte, conceitos femininos incorporados à Natureza e à Mãe Terra.

— Notícias de Stela?

— Ela pede que lhe mande os "buttons" para fazer uma análise em espectrometria "Mössbauer".

— Traduz.

— A espectrometria mede os comprimentos de onda da liga do metal de que, presume-se, foram produzidos os "buttons".

— E "Mössbauer", insiste Márcia.

— Esse tipo de espectrometria indica o estado de oxidação dos elementos químicos que possuem mais de um estado ferruginoso simultâneo. O Ferro (Fe) e o Titânio (Ti), p. ex.

— Os dois "buttons" ou só um?

— Basta um, o do símbolo Desconhecido fica contigo, não é?

Sempre vou achar mui estranha, se não exagero, a paixão delas por estas representações simbólicas. Uma das quais, nem sabemos o que significa. Por que apenas agora, duas décadas depois das ocorrências no pasto em Nova Aliança, Stela pede o símbolo metálico para análise?

Ela justifica-se mencionando certas "ocorrências pertinentes", coincidências ou sincronicidades. E o fato, nada desprezível, de só agora estar em condições profissionais, técnicas, de agenciar algumas pesquisas.

Márcia pergunta se os "buttons" estão comigo. Respondo que sim, mostrando-os.

— A mesma aparência luzidia, admira-se, não depreciou nem um pouco. Lindos, incrível.

— Um joalheiro analisou. Disse ser material sintético envernizado, sem valor de compra no mercado.

— Você quer vendê-los?

— Só avaliar um possível valor de câmbio.

— O que pensei, mentalizei, consegui. Talvez tenha desejado pouco. Talvez subestimado minhas reais possibilidades.

— Talvez não, você está ótima deste jeito.

— Aceitar limites é uma forma de ser coerente. Se minhas metas estivessem muito distantes das condições reais de alcançá-las, talvez tivesse me desgastado mais e conseguido menos do que tenho agora.

— Você tem tudo, querida: beleza física e espiritual. Filhos, essa praia, um emprego, segurança financeira, um ex-marido e um amante que supre suas necessidades emocionais básicas. Você é minoria privilegiada, amor.

— Stela foi bem mais longe, não é mesmo?

Proporcionalmente. Mirassol produz, em média, um milhão de caixas de laranjas. Uma das maiores arrecadações de ICM da Oitava Região Administrativa do Estado. Maior parte dessa grana vai para as contas bancárias da família dela. Você acha que isso influiu alguma coisa?

— Sem comentários.

Caminhamos até a varanda. As ondas quebrando na areia da praia. A qualquer momento os filhos estarão de volta. Foram passar o "weekend" com o ex-marido, um economista que trabalha e reside em Sampa. Pediu para mantê-la informada sobre os resultados da espectrometria "Mössabauer" dos "buttons".

L I V R O T E R C E I R O

TRADUZINDO O "BUTTON" DO SÍMBOLO DESCONHECIDO ("Comparando a velocidade com que o cérebro humano pode experimentar a vida, ela vivera meio milhão de anos de vida humana desde seu nascimento. " —— Orson Scott Card Orador dos Mortos)

Passaram-se vinte dias. Volto a fazer contato com Márcia. Chego num sábado às dezoito horas. O casal de filhos havia comemorado aniversário recentemente. O casal nasceu no último dia do signo astrológico de Aquário (18 de fevereiro). Stela, apesar da distância, onipresente, torna-se a figura central dos leros. Mencionei seu casamento com um americano, atual diretor de laboratórios do "Scripps Institute of Oceanography".

Mãe de uma garota de quatorze e de um rapaz de quinze anos, Stela mandou fotografias da família na correspondência.

— Ela está ótima, comenta Márcia, olhos úmidos. As recordações da amiga fluindo das fotos.

— Olha só o detalhe, provoco, as duas medalhas do cordão no pescoço dela: vocês duas possuem gostos parecidos.

Márcia dirigiu-se ao banheiro, foi buscar uma pinça de pelos acoplada a uma lente de aumento. Posicionou-a sobre o rosto de Stela, fotografada ao lado dos filhos e do marido. Sorriu, ao observar as gravações nas duas pequenas medalhas em forma oval que pendiam da tênue corrente de ouro em volta do esguio pescoço.

Reproduziam a imagem do Deus egípcio Horus/Falcão e da Coruja, ambas as aves se nutrindo mútua e indivisivelmente na postura costal lombo a lombo. Na outra plaqueta, um baixo relevo oval da efígie do signo Desconhecido.

Passo às mãos de Márcia a carta de Stela. Nela inexiste qualquer intimidade que deseje preservar apenas para mim. Os próximos parágrafos são seu resumo, incluindo-se meus comentários.

Após discernir sobre a atual condição familiar e profissional, Stela afirma estar fazendo parte de uma equipe de pesquisa oceanográfica que promove estudos submarinos para um Projeto financiado pelo governo americano, promovido pela "National Oceanographic and Atmospheric Administration".

Os mergulhos são orientados na direção Norte-Nordeste. Seguem pela grande bacia oceânica até as Pequenas Antilhas, ao Sul, de onde devem retornar à Flórida. Trabalhar para o governo americano facilitou outras pesquisas paralelas de caráter mais pessoal. Abriram-se, como num passe de mágica, os canais de acesso aos arquivos informatizados da "Search for Extraterrestrial Inteligence".

De posse da chancela oficial que lhe credencia a fazer ampla pesquisa, os entraves burocráticos kafkianos caíram como castelos de carta ou areia. Agora pode digitar alguns teclados de terminais de computadores ligados em rede, no interior de salas fechadas por portas eletrônicas encimadas por legendas que advertem: SOMENTE PESSOAL AUTORIZADO. Nos parágrafos a seguir resumo as informações contidas na carta de Stela:

"Esse símbolo pertence a um alfabeto muitíssimo antigo e primitivo. Nos dias atuais é parte do idioma berbere ou camítico, privativo de pequenas tribos do Saara meridional. As duas trilhas verticais indicam as Colunas do Templo em Todas as Moradas da Mãe: O meio círculo superior representa a letra "M", de Mãe, em todas os alfabetos, de todas as línguas. A seta central simboliza o Menir ou Fálus da Criação: Ser Um, o Deus Desconhecido. A linha horizontal na base do logotipo representa os horizontes todos, em todos os planetas habitados pela raça humana no Universo. Sua tradição afirma: Somos as Mães do Templo Universal Fertilizadas pelo Deus Desconhecido.”

"Estudiosos e eruditos em linguística confirmam que esse símbolo fazia parte do alfabeto atlante falado pelos habitantes do continente submerso da Atlântica, há doze, quinze mil anos. Segundo transcrições de hieróglifos muito antigos e de textos interditos, inacessíveis aos estudiosos modernos, restritos à Biblioteca Secreta do Vaticano, esse signo reporta-se a mais universal de todas as formas de hostilidade.”

"A hostilidade existente entre Anima (arquétipo feminino da psique do macho) e Animus (arquétipo masculino da psique da fêmea). Vale para as espécies todas de animais. Há registros de sua grafia no período paleolítico nos mais antigos fósseis humanos. Caracteriza-se pelo aparecimento de artefatos de osso e pedra lascada, desenhos e pinturas rupestres."

"A paleontologia costuma associá-lo a fósseis que indicam a época do surgimento da agricultura, sem ignorar sua Antigüidade muito mais remota. Tanto no Oriente, na região Palestina, como no Ocidente, na América, entre o décimo e o quinto milênio a.C. (O povo do outro lado do rio, mencionado pela Mochileira, é muito mais antigo).”

"Para os cabalistas árabes e hebreus, devotados ao culto patriarcal, a imagem estilizada do "M” feminino, representa a mulher do Príncipe das Trevas, Lúcifer. No primitivo berbere, coruja escreve-se "Lilith". As civilizações trogloditas eram matriarcais.”

"A Vênus de Lespurge, pequena estátua de mulher com ventre exagerado, representava o culto da fecundidade no paleolítico superior. A datação da estatueta: 20 mil anos a.C. Minerva, na mitologia latina, Deusa das Artes e da Sabedoria, entre os gregos, Palas ou Atenas, filha de Júpiter/Lúcifer semelhantes não apenas na grafia. O logotipo de Horus é um Falcão, filho de Isis (Terra) e de Osiris, (Lua). Horus descende da mais avançada civilização pós-Atlântida dos tempos antigos. A civilização egípcia, tal como a troglodita, era matriarcal.”

"Osiris, apesar do caráter masculino, significa um fogo sutil e encantador. Horus, espécie de Prometeu, instruiu os seres humanos na ciência e na arte de dominar o fogo hermético, sagrado, do Espírito. Horus = Espírito. Na mitologia grega, a Coruja era a mascote da deusa Atena, geralmente relacionada à Lua. Ave noturna, possui os olhos adaptados para localizar a presa sob a fraca luminosidade do luar, não suportando a luz do Sol.”

“Para os antigos gregos, seu olhar é símbolo do conhecimento racional em oposição ao conhecimento intuitivo. O primeiro tipo de conhecimento vem da reflexão racional sobre os fatos, enquanto a intuição vem da percepção simples e imediata dos eventos”.

“As Corujas se orientam através da reflexão da luz do sol através da Lua, nunca pela percepção direta da luz solar. Na Abissínia, no deserto superior da Núbia, há cinco mil anos, construiu-se o Templo da Deusa Lunar em Allor. A Abissínia é também conhecida como sendo A Primeira Terra de Ísis."

JÚPITER, EUROPA E A MOCHILEIRA

"Um homem pode sentir-se tudo menos um herói vencedor." Marie Louise von Franz (O homem e seus símbolos)

Stela, cientista, parece querer comunicar que o resultado total de suas pesquisas, até esse momento, ultrapassa os limites da soma de suas partes. Como se quisesse resumir a condição de interdependência e perene transformação dos acontecimentos.

Márcia prossegue lendo a carta, enquanto vejo a MTV sem som. Zerei o áudio pelo controle remoto da Mitsubishi. Facilita, neste momento, a percepção telepática das impressões emocionais sobre a leitura que ela faz da carta de Stela. Segue agora o texto, "ipsis litteris":

" Pode ser apenas uma coincidência de horários. Mas é exatamente entre 21 hs 59 m e 22 hs 10 m que o satélite Europa, do planeta Júpiter, emite diariamente sinais de onda de 21 cm de comprimento. Essa coincidência pertinente ajusta-se ao horário em que a Mochileira costumava, segundo seu testemunho, ausentar-se da barraca.”

(Seria ela uma versão atualizada da "filha de Júpiter"? Raciocino.)

"Intrigados com essas emissões de onda, os físicos Philip Morrinson e Giuseppe Coceoni, em 1959, sugeriram aos radio astrônomos da Terra, que dirigissem suas pesquisas de emissão e recepção de ondas cósmicas, neste comprimento de 21 cm. Afirmavam, através da redação de artigos editados em revistas científicas, ser ele ideal nas tentativas de comunicação entre civilizações extraterrenas com a Terra.”

"Através dos raios ópticos Laser e Maser novos métodos de comunicação são possíveis, se milhões de "joules" são irradiados por um refletor de 200 m, em onda de 21 cm de comprimento, todos os sinais emitidos desta forma vencem distâncias, a rápido prazo, de até 1000 anos-luz.”

"De acordo com pesquisas científicas atuais de divulgação restrita, tais emissões são provenientes de uma sonda espacial situada em órbita definitiva no satélite Europa. Seu objetivo: chamar a atenção dos remanescentes extraterrenos que se encontram na Terra, para determinado acontecimento cíclico catastrófico, semelhante ao que submergiu a Atlântida, há aproximados 12 mil anos."

A carta termina com Stela solicitando que eu mande uma autorização escrita, com firma cartorial reconhecida, autorizando a destruição parcial do "Button" Coruja/Falcão que precisa ser cortado em lâminas finas, para que os cientistas tenham acesso a uma pequena pedra detectada em seu interior, um diamante talvez, ou uma espécie desconhecida de mineral cristalizado.

Ela adverte que os trabalhos de laboratório não podem prescindir da destruição parcial da pedra em seu interior. Os cientistas envolvidos na pesquisa divergem quanto à metodologia científica mais adequada na investigação da estrutura cristalina interna do "button", visando causar o menor dano possível ao cristal.

Para agilizar a pesquisa, sugeriu que telefone para sua casa, e que o telefonema possa ser gravado em fita magnética. Desta forma, a autorização verbal gravada antecipa-se à autorização cartorial escrita, agilizando o início do processo de pesquisa da pedra.

Márcia pergunta ansiosa:

— Você autorizou, não?

— Claro, baby, que pergunta. Dê-me um motivo para negar.

Logo após essa, recebo outra carta de Stela pormenorizando os resultados da espectrometria "Mössbaum". A equipe está apreensiva, as pesquisas estão sendo realizadas à revelia. Sem autorização oficial.

— Querido, Márcia ansiosa me espreita, não aceito dizer que você não tenha trazido essa carta para mim.

OS MIL OLHOS DO DR. "MABUSH"

Segue-se um resumo literal da nova carta de Stela, afora os parágrafos mais intimistas:

"Os resultados das análises de laboratório detectaram a presença de feixes de partículas de constituição energética semelhante, mas nunca igual, aos elementos encontrados em minerais na Terra (minerais de meteoritos).”

"A quantidade mais reduzida de cargas positivas por Íon, nos minerais da liga metálica do "button", indica proveniência de ambiente original altamente redutor. Extraterreno. Não é fantástico?”

"A pesquisa está sendo efetuada num certo clima de paranoia. Exige conhecimentos científicos muito especializados. Opera-se com tecnologia de ponta."

"Nossa equipe, Levine, Widder e eu, estamos arriscando nosso futuro dentro da hierarquia do Scripps Institute of Oceanography. Pelos trâmites dos canais oficiais não conseguiríamos muita coisa. E os resultados das pesquisas com o “button” seriam, com certeza, considerados assunto de segurança nacional.”

"Não são poucos os riscos, mas achamos que valem a pena, se os resultados puderem contribuir no sentido de popularizar esse contato de quarto grau com Befaps (agora sei que houve). Enquanto não houver obstrução oficial de nossa iniciativa, nem pressões proibitivas, vamos prosseguir as análises, dentro de um modelo de trabalho tipo simulação heurística de eventos.”

"Todos os equipamentos de pesquisa do Scripps Institute são monitorados eletronicamente. Temos a nosso favor a influência de meu marido, Robinson Levine (PhD em Física Teórica), diretor de laboratórios do SIO, e a excepcional habilidade de seu assistente, Peter Widder, em operar, programar e analisar sistemas informatizados. Widder é PhD em Física Molecular.”

"Ambos viveram os anos sessenta, a contracultura. Esse período permanece presente em nossos corações e mentes. Levine mantém a ideia de liberdade pessoal que transcende as exigências do rigor mortis dos regulamentos internos, das diretrizes e bases oficiais. Widder viveu a infância e a juventude aspirando a maresia das praias da Califórnia.”

"Não é à-toa que navegamos no mesmo barco. Raro encontro de mentes abertas à vivência de um conceito realmente democrático de pesquisa. As demais personagens envolvidas seguem a onda da simulação heurística de eventos raros. A gente usa ou não uma coisa chamada livre arbítrio. Minha avaliação da situação, sem querer ser mais realista do que o rei, é que é crítica.”

"Essa carta, p. ex., pode ou não estar sob censura. Como ter certeza? Teoricamente, o governo dos Estados Unidos é democrático. Mas tenho minhas dúvidas se é um governo do Povo, pelo Povo e para o Povo. Quem garante, por quanto tempo, que os testes com o “button” permanecerão sigilosos?”

"Estamos facilitando nadinha para os esbirros científicos a serviço da Defense Intelligence Agency S/A (para a qual prestam serviços o FBI, a CIA e quejandos), não temos dúvida de que, mais cedo ou mais tarde vão interditar nosso trabalho, nos mantendo sob implacável investigação. Vamos torcer para, quando isso acontecer, ele já esteja concluído.”

"Acreditamos que os equipamentos eletrônicos de propriedade do governo americano são propriedade do Povo. Do Povo que jamais terá acesso a eles. Se a pesquisa do “button” fosse oficial, estaria definitivamente sob a égide de algum obscuro parágrafo proibindo sua divulgação. Seus resultados seriam considerados assunto altamente secreto (Only Your Eyes), como nas fábulas modernas de espionagem à 007."

"ACROSS THE UNIVERSE" ("OS UFOs são pilotados por um povo que abandonou a Terra há milhares de anos. Ele volta em peregrinação às origens." —— Einstein)

Passaram-se três semanas, nova carta de Stela. Hoje sigo rumo a Boiçucanga, ao sul de São Sebastião. É onde habita Márcia. Mais precisamente na praia da Baleia, próxima a Camburi. Estaciono o carro no gramado ao lado da casa. A visão do mar claro, transparente, ao longo do que sobrou da mata atlântica.

A casa está deserta. Numa fenda ao lado da porta da varanda, a chave e o bilhete: "Volto logo, esteja em casa, querido". A condução de Márcia é uma bicicleta. Com ela vai e volta do trabalho, passeia, faz visitas.

Mudo a roupa esporte pela sunga. Vou correr pela praia, bater uma bola, se houver gente jogando. Duas horas depois escurece. Volto para casa. Aqui está Márcia: bronzeada, sorrisos, saudável:

— A moçada está no sítio da tia Wanda em Itatibaia.

Fomos jantar em Boiçucanga, na Vila Caiçara. Afirma não saber como Stela, o marido e seu assessor, possuem coragem para arriscar suas carreiras profissionais tão bem sucedidas:

— Se batalharam tanto pra isso, tudo que conseguiram de melhor na vida, até agora, por que por essas conquistas profissionais em jogo?

— Eles só têm a ganhar, ao enfrentar a maré de riscos. Por incrível que pareça.

— Não sei não, a política oficial é contrária à divulgação desse tipo de coisa: desmentem, boicotam, vulgarizam, censuram, proíbem.

— Isso mesmo, afirmo.

— Eles estão fazendo tudo à revelia, uma pesquisa marginal.

— "Take it easy", baby, estão agindo dentro de uma estratégia mais ampla de probabilidades fortuitas, digo, eles são cientistas. Lembra deste detalhe.

— Li um livro de Charles Berlitz que contava como o serviço secreto da marinha americana, empenhou-se em manter sob a rubrica "segredo de Estado" uma pesquisa sobre UFOs.

— Estamos todos sabendo disso, acredite, concilio, a carta de Stela que tenho em mãos não chegou a mim via Correios. A mulher de um casal amigo dela, residente aqui em Sampa, trouxe a missiva, muito reservadamente.

A mulher disse ter visitado a casa de Stela em La Jolla e que, no meio de uma conversa informal sobre trivialidades, ela escreveu um bilhete solicitando que fizesse a gentileza de entregar a correspondência que tenho em mãos e que, por motivos de foro íntimo, não poderia comentar nada verbalmente.

— Estranho, você não acha? Aí tem coisa.

— Estranho mesmo, opino. Ela pressentiu algo, microfones de escuta escondidos, coisas assim. Compreendeu que não deveria fazer comentários verbais sobre o que estava acontecendo quando recebeu o envelope das mãos de Stela. Havia até uma solicitação escrita nesse sentido.

— Que diz a carta, indagou Márcia apreensiva.

— Você mesma vai ler. É mais surpreendente do que as fantasias de um bom escritor de Ficção Científica.

— O Xico, rebate ela, frequenta seminários de ufologia e Parapsicologia em São Paulo. Levou um lero com um dos conferencistas. Como é mesmo o nome dele? O cara é muito conhecido no exterior, e um ilustre desconhecido no Brasil, exceto nos meios especializados.

— André Carneiro, Rubens Scavone, José Carlos Paes? Lembro em seguida que José Carlos Paes é poeta e tradutor, não parapsicólogo ou escritor de FC.

— Sim, esse, André Carneiro. Xico contou a história do, como é mesmo o nome?

— Paradoxo.

— Isso mesmo, ele sugeriu uma hipnose/regressão. Poderá revelar muito mais de tudo que aconteceu no pasto em Nova Aliança após termos sidos envolvidos pela nuvem âmbar. A opinião do parapsicólogo é a de que, talvez, tenhamos sido hipnotizados para esquecer os eventos que, por acaso, tenham ocorrido.

— Lembro-me da sensação de estar no ventre de uma enorme baleia, mais nada. Talvez essa sensação tenha sido induzida por hipnose, é possível.

— Esse André logo estará de volta da Suíça, confirma Márcia. As sessões de hipnose regressiva talvez revelem experiências realizadas conosco e que ignoramos. Em minha mente essa história pertence à duas décadas passadas, com uma mensagem para o século XXI. Para o futuro. Por que você não escreve um livro sobre tudo isso?

Fica o desafio: escrever um livro sobre a Mochileira. Voltamos para casa na ponta da Baleia. A impressão de que ladrões haviam revistado a residência. Gavetas mexidas, colchões fora do lugar. Discos, livros, tudo bagunçado. Deram uma geral na geladeira e até na caixa d’água. Nada levaram. Que estariam buscando?

— A carta de Stela, exclama Márcia. É possível que a tenham achado se buscaram em seu apartamento em São Paulo.

— Você está lelé, mulher, afirmo, piscando um olho. Os filhos da mãe não encontraram ouro, dólar ou joias, nada de valor real, por isso foram embora sem levar nada.

Num pedaço de papel escrevo as frases: "Se revistaram a casa em busca da carta ou do "button" do símbolo Desconhecido, devem ter instalado microfones de escuta".

— Desculpe, amor, que ideia absurda a minha.

A carta está comigo, dentro do bolso interno da jaqueta. Mais tarde ela terá acesso à leitura. Saboreamos duas garrafas de vinho tinto. Conversamos sobre amenidades. Namoramos no sofá da sala e na cama. A liberação instintiva da libido sob pressão.

A empatia, identificação de objetivos. Nosso ânimo não se abateu nem um pouco com a ameaça de roubo. Estariam em busca da carta? Problema deles. Precisamos nos fortalecer. Agir dentro de uma estratégia emocional objetiva. Não conseguiram nos intimidar, se era esse o objetivo dos agressores.

A carta está comigo, dentro do bolso interno do blazer. Mais tarde ela lerá. Tudo que "eles" conseguiram foi nos advertir. Existem forças dispostas contra nós. Elas estão agindo, não é paranoia. Está em nossas mãos burlar a estreiteza de sua vigilância. “L´esprit d´ equipe”.

Vamos agir em sintonia, não ficarmos indefesos. Alguém está se mobilizando no sentido de obter, à força, a carta de Stela em meu poder. Presumo que seja isso. Fomos para o chuveiro. O barulho da água caindo sobre nossos corpos serve para “baratinar” uma possível escuta instalada em algum lugar da casa.

Após o banho, sob os cobertores da cama, passo a Márcia o original da carta de Stela. Ela lê. Dela é o resumo a seguir:

"Não fosse a tecnologia de ponta representada pela espectrometria "Mössbauer", teríamos creditado os resultados obtidos, a erros grosseiros de análise. Ou a defeito no equipamento. O produto das operações de pesquisa de laboratório é tão inverossímeis, que, naturalmente, ajudam, por si mesmos, a manter sigilosos os testes.”

"Apesar da minuciosa seriedade com que foram efetuados os testes, por mais de uma vez , os resultados prosseguiram inaceitáveis para os padrões científicos vigentes. Somos como personagens de uma história de FC. Não estivéssemos diretamente envolvidos na pesquisa do "button", como poderíamos crer em tamanho absurdo?”

"A liga metálica do “button” contém minerais muitíssimos raros, outros, (pasme), inexistentes em nosso planeta. O titânio, elemento de número atômico 22, metálico, branco, prateado, leve, resistente, usado em ligas especiais, de modo algum poderia ser encontrado na fórmula (Ti3). Nem a imaginação de Spielberg e de seus roteiristas poderia chegar a conclusões fantásticas, inacreditáveis, inverossímeis”:

"TAENITA, outro metal da liga, de dureza mediana. 65% níquel, 35% ferro metálico. Magnética, de coloração prateada. Maleável como se fosse ouro. Possível de ser encontrada apenas em ambiente de atmosfera muito rarefeita.”

"TITANAUGITA, piroxênio, fórmula química incomum: (Ca, Na, Mg, Fe2+, A1, Ti3+)2 [(Si, A 1)2 06].”

"NIOCALITA, Ca4 Nb (0, F)3 [(Si 04)2].”

"TORITA, Th Si 04. Mineral típico de meteoritos. Exclusivo de ambientes demasiados redutores, tal como, presume-se, seja o núcleo da Terra."

"A pedra interna dentro do button era um diamante verde, dureza dez na escala de Mohs. Límpido, totalmente livre de impurezas ou inclusões. Carbônio puro. Perfeito exemplar da mais dura e brilhante das pedras preciosas.”

"Traçada uma linha vertical e outra horizontal sobre a localização da pedra preciosa no interior do “button”, firma-se a aparência exterior de uma suástica cristã.”

Nesse contexto de acontecimentos sincrônicos, não mais me surpreendo com fatos de significação simultânea. Enquanto Márcia lia a carta de Stela, uma emissora FM transmite a melodia de Lennon & McCartney "Across The Universe". Uma empatia intensa, subliminar, com os acontecimentos que estão sendo vivenciados neste momento.

Transcrevo, em tradução livre, os versos da música.

“Words are flowing out like endless rain into a paper cup (Palavras fluem como uma chuva sem fim num copo de papel)

They slither while they pass, they slip away across the universe (Deslizam e se dissimulam através do universo)

Pools of sorrow, waves of joy are drifthing through my opened mind (Piscinas de mágoas, ondas de alegria estão a perpassar em minha mente)

Possessing and caressing me (Fruindo e acariciando-me)

Jay Guru Dev a Om (Glória ao Mestre)

Nothing´s gonna change my world (Nada vai mudar meu mundo)

Nothing´s gonna change my world (Nada vai mudar meu mundo)

Images of broken light which dance before me like a million eyes (Imagens fugidias dançam em minha mente com milhões de olhos)

They call me on and on across the universe (Eles me chamam outra vez através do universo)

Thoughts meander like a restless wind Inside a letterbox (Ideias oscilam como um vento intranquilo numa caixa de correios)

They tumble blindly as they make their way across the universe (elas vão fluindo enquanto fazem seu caminho através do universo)

Jay Guru Dev a Om (Glória ao Mestre)

Nothing´s gonna change my world (Nada vai mudar meu mundo)

Nothing´s gonna change my world (Nada vai mudar meu mundo)

Sound of laughter shades of Earth are (Sons de risos sombras amorosas ecoam pela Terra)

Ringing throughter my open view inciting and inviting me (Expandem minha visão, incitando, motivando-me)

Limitless undying love which shines around me like a million suns (Amor eterno sem limites brilha em minha volta um milhão de sois)

It calls me on across the universe (Me chamam através do universo)

Jay Guru Dev A Om (Glória ao Mestre)

Nothing´s gonna change my wolrd ((Nada vai mudar meu mundo)

Nothing´s gonna change my wolrd ((Nada vai mudar meu mundo)

Nothing´s gonna change my wolrd ((Nada vai mudar meu mundo)

Nothing´s gonna change my wolrd ((Nada vai mudar meu mundo)

Jay Guru Dev A Om ((Glória ao Mestre...)

Jay Guru Dev A Om (Glória ao Mestre...)

Jay Guru Dev A Om (Glória ao Mestre...)

Jay Guru Dev A Om (Glória ao Mestre...)

Márcia, mais que atenta, examina o conteúdo da carta em estado de meditação. Escreveu num pedaço de papel, reproduzindo a frase de um dos parágrafos da carta de Stela: "Quem é Thundra? Significa algo para você? Nos parágrafos originais Stela tinha escrito:

"Após os cortes em lâmina no “button”, e da fragmentação parcial do diamante verde na parte interna, usamos recursos simples de microscopia para ampliar a observação de seu interior. Depois de uma ampliação de 1500 vezes, surge, nítido, o nome Thundra. Significa algo para você?"

— Lembra da parábola da Mochileira sobre o "povo do outro lado do rio"?

— Sei, e daí? Escreveu em resposta à redação de minha pergunta.

— Do sequestro provisório de um troglodita, dirigido por uma tripulante da nave?

— Sou toda ouvidos.

— Thundra, nome da star nauta que conduziu o hominídeo à nave.

Nos parágrafos finais da carta, Stela insinua que o "button" do símbolo Desconhecido e a atual correspondência devem permanecer, como nos filmes de espionagem "Only your eyes". Pelo menos até que se consiga uma maneira segura de se divulgar toda essa história, sem vulgarizar seu conteúdo.

Segundo a avaliação de Stela, há indícios de uma auditoria administrativa no SIO. A equipe que pesquisou o “button” sente-se vigiada de perto. É preciso popularizar esses acontecimentos, torná-los públicos. De que forma? Agora existem elementos suficientes para se superar o receio de sermos considerados como sendo "os malucos que viram o disco voador".

As evidências tecnológicas, os resultados científicos irrefutáveis das pesquisas de laboratório, efetuadas no mundialmente prestigiado Scripps Institute of Oceanography, são suficientes para nos livrar deste estigma.

A carta de Stela termina com este apelo: "Escreva a história, você, por sua vivência com a figura da Mochileira, pode fornecer uma visão mais ampla e objetiva das partes dispersas que podem vir a tornar mais claros, os elementos desse enigma. Não vacile nem perca tempo: a hora é essa."

Márcia ficou bastante excitada após a leitura da carta.

— Tenho a nítida sensação de que estão em apuros, vaticinou. Quem revistou a casa estava à procura do “button” do signo Desconhecido que está contigo.

Rabisquei de volta numa folha de papel uma resposta às suas apreensões:

— Agora fazemos parte de uma história de espionagem? O “button”, mesmo tendo um micro diamante nele incrustado não vale o risco, certo?

— Não é valor financeiro. Se o símbolo Desconhecido estiver ligado a seitas de fanáticos guardiões de uma ordem religiosa milenar? O Oriente Médio está cheio de xiitas.

— Estamos em plena guerra-fria? Pondero. Meu apartamento em São Paulo deve estar uma bagunça.

— Negócio seguinte, cara, rabisca Márcia no papel. A carta de Stela é um pedido de mobilização de sua parte. Faça alguma coisa, já.

— O que? Ir a um jornal, nem pensar. Escrever para o Itamaraty? A diplomacia dos EUA é muito mais eficaz e competente.

— Escreva um livro, garatujou Márcia, impaciente. De alguma forma a equipe científica que pesquisou o "button", e você mesmo, estarão mais bem protegidos.

— Dureza enfrentar os trogloditas que se julgam donos dos destinos do mundo. Lembre-se, não sou escritor.

— Ah sim, redige a frase, subestimando minha afirmação: "O que é que você está fazendo agora?"

— Isto é um diálogo escrito, não um livro.

— Cai na real, cara, reage. Eles puseram em risco direitos, privilégios e vantagens profissionais numa instituição de pesquisa de elite. Agora é sua vez de fazer alguma coisa.

— E se o que escrever não interessar a nenhum editor brasileiro? "Ficção Científica", vão comentar, só a de autores da Europa e dos EUA.

— Escreve assim mesmo, arrisca.

— A história é difícil, pode ficar inverossímil, confusa.

— Essa é uma coisa que você deve pagar pra vê, desafia ela. Não se subestime, nem banque o advogado de acusação de você mesmo.

— Está valendo. Se um editor se interessar ou não, será problema posterior. Vou começar a escrever nessa próxima semana. Depois é depois. A gente vê como fica.

— Não esquenta, sugere Márcia. Escreva sem censura, com sinceridade, a intenção não é faturar os leitores do Sidney Sheldon, ou os do Paulo Coelho.

— Editor de livro quer é ganhar dinheiro, inexiste filantropia nessa área.

— Vamos nos concentrar nas soluções, insiste ela, não nos problemas. Não dá para ignorar a invasão de minha casa. A solução não é registrar um boletim de ocorrência. A solução é a gente se mobilizar e fazer a coisa certa.

Nesta noite fiquei pensando: se os serviços de segurança dos Estados Unidos estiverem empenhados em conseguir a posse do “button” e da carta de Stela, a qualquer momento seus agentes podem ficar mais ostensivos. Estão usando os recursos contumazes: invasão de domicílio e geral total e irrestrita.

Que virá depois? Spray paralisante? Ou uma droga intravenosa tipo pentotal (tiopental), que reduz o nível de censura consciente do Ego. Essa droga permite que, num rápido interrogatório, uma pessoa externe segredos, revele pensamentos, sentimentos e desejos íntimos. Outros compostos derivados do ácido barbitúrico provocam ação sedativa semelhante: fenobarbital, pentobarbital, amobarbital, amital, barbital: todos induzem ao sono hipnótico.

Na narcoanálise ou narcossíntese, psiquiatras e psicólogos clínicos injetam sódio pentotal ou sódio amital, em doses de 0,2 a 0,5 g em solução de 5 a 10%. O paciente em estado hipnótico transfere ao agente investigador qualquer material psicológico reprimido. Estará apto a responder, através de associações livres, perguntas, por mais capciosas que sejam as intenções do agente promotor do inquérito.

E se Stela, Levine ou Widder forem submetidos a interrogatórios à base de sódio pentotal ou amital? "Eles" descobririam imediatamente que os resultados das pesquisas de laboratório não foram apenas produto de simulações heurísticas de combinações raras, aleatórias, de processos químicos.

"Eles" sabem que o outro “button” está comigo, assim como o original da carta de Stela pormenorizando os resultados das pesquisas: as fórmulas químicas exóticas, sem precedentes, de enorme valor industrial, militar e estratégico: temas de segurança nacional.

Existem paranoia e paranoia. A análise racional da situação reforça a pertinência de uma ansiedade seletiva. Exclui total a possibilidade de delírio de perseguição. Essas coincidências estão longe de ser ilusões de punição.

Na manhã seguinte fomos à praia. Márcia conduzia o "button" do símbolo agora não tão Desconhecido, dentro de um papel impermeável, no interior de um absorvente modelo "sempre livre". A manhã está um "luar de verão". Sol aberto, calor e vitalidade.

Passamos o dia na praia. Ao mudar de absorvente Márcia posicionava o impermeável contendo o “button” no novo "nicho". Ao entardecer voltamos para casa. Notamos a presença constante e pouco discreta de uma camioneta modelo utilitário F-1000, com três indivíduos sempre próximos. O mesmo utilitário que desembarcou um passageiro com roupas de banho, nas proximidades de onde nos encontrávamos. Mantêm-se a uma distância aproximada de uma quadra ou cem metros.

TIO SUGISMUNDO: PROGRESSO À WOTORANGOTANGO

O grande líder da democracia americana deve estar torcendo para que seus agentes tenham êxito na apreensão deste "material estratégico". A liga é leve e sua superfície mantém a aparência reluzente, sem riscos na superfície, manchas, ou indícios de desgaste. Deste material é feito o "button": duro e indeformável.

Sua evidente resistência e leveza pode ser explorada na fabricação de armamentos, na produção de aeronaves. Mesmo sabendo que os russos desativaram os serviços secretos a serviço da psicose cro-magnon, da paranoia das lideranças destrutivas à "Dr. Fantástico", "tio" Sam quer estar sozinho na vanguarda das opções de comando, comunicação e controle da nova pseudo ordem mundial.

Dogmas e tabus de hoje são estímulos ambientais tão modernos, como os tabus e os dogmas de há 40 mil anos passados: formas modernizadas do mesmo caráter compulsivo, irracional, herança da "grande Mãe ancestral".

Tais lideranças estão empenhadas em fazer prevalecer sentimentos de submissão, veneração ou repúdio às incorporações sobrenaturais de uma ideologia política que investe nos telescópios que fotografam outras galáxias, enquanto três em cada cinco habitantes do planeta passam fome, não têm educação ou habitação própria.

Atualmente no Brasil, um pastor, a serviço do totemismo universal, desenvolveu um discurso com forte carga afetiva de motivação anímica de arquétipos coletivos. Os sectários desse líder religioso (vampiro de almas), são motivados, aos milhares, a se reunirem em encontros coletivos em torno do totem moderno, o pastor espertalhão.

Compensam dessa forma, a desagradável, insólita, tediosa, monótona e incipiente condição de precária sobrevivência emocional, financeira, econômica, intelectual e espiritual. A carência pessoal e coletiva de afeto e sentimentos legítimos faz com que canalizem facilmente a afetividade reprimida na direção do totem religioso, moderno e oportunista.

Desta forma sentem-se amados e creem amar alguém. As lideranças políticas cro-magnon, que nas campanhas políticas eletivas fazem a mesma coisa, estão pouco interessadas em punir o vampirismo anímico e financeiro do "bom" pastor. É a "lei de Gérson" vigente: Leve a maior vantagem possível, foda-se o resto do mundo que eu não me chamo Raimundo.

É a lei do progresso e da religiosidade à Wotorangotango. Essa, a modernidade que preconizam e representam pessoal e coletivamente.

CASAL UFOLOGISTA DÁ SEU RECADO

"Ninguém jamais ousou atacar a peste emocional como princípio integral da organização básica da humanidade. Não há leis que protejam diretamente o amor e a verdade." (O Assassinato de Cristo) Wilhelm Reich

Meia hora depois de entrarmos em casa, o carro de Xico Gorgulho estacionou na porta da residência de Márcia. A presença dele e da namorada, acompanhados de um outro casal, criou um ambiente de cordial proximidade.

O casal que acompanha Xico e a namorada, insinua-se em nossa intimidade com dedicada simpatia. Ela e ele estão na meia-idade, mas vivificaram o ambiente com sua energia transparente e adolescente. Fazem parte de uma equipe de especialistas ligados ao "Centro de Investigações Sobre a Natureza dos Extraterrenos" com sede no Rio de Janeiro.

Há mais de quatro décadas os associados do CISNE promovem seminários, conferências, pesquisas em parceria com periódicos da imprensa internacional, a exemplo das revistas especializadas "UFO" e "Flying Saucer Review", da Inglaterra.

Esse casal realmente se mobiliza no estudo de atualização sobre o fenômeno UFO. Recentemente estiveram presentes no 1°. Congresso Mundial de Ufologia, em Tucson, Arizona. Dele participaram 14 países. Marcaram presença na "UFO Expo West", em Los Angeles, Califórnia, assim como no 9°. Congresso Mundial de Ufologia Científica, em Curitiba.

Movemo-nos dentro de circunstâncias subjetivas que fazem, por vezes, de nossa realidade, um pesadelo. As ligações telefônicas DDI dirigidas à residência de Stela e Levine, em La Jolla, Califórnia, transmitem a mesma resposta gravada numa secretária eletrônica. Solicita nome, recado, telefone, e, numa voz que não é nem dela nem dele, nem dos filhos, promete que Stela ou Levine em breve ligam de volta, estabelecendo retorno do contato.

Passaram-se dias, nenhuma resposta, nem carta. Os telefones do "Scripps Institute of Oceanography" foram substituídos por novos números que, depois de identificados, permitiram que obtivéssemos novo tipo de argumentação falaciosa como resposta. A secretária atendente, instruída nesse sentido, repetia um lero lenga-lenga sem fornecer nenhuma informação que pudesse levar à localização dos três, ou de, pelo menos, um deles.

Diziam que os três cientistas estavam participando de projeto restrito de pesquisa em ambientes que, por motivos de segurança, mantinham-se isolados de contatos externos. Maneira sutil de dizer que, de alguma forma permaneciam incomunicáveis.

XICO: A família de Stela recebeu carta datilografada recente, subscrita por ela. Comunica que "está tudo normal".

EU: Estranha normalidade, as cartas de Stela sempre foram manuscritas.

XICO: Diz que Levine e Widder estariam a serviço de um projeto restrito, trabalhando numa instalação militar subterrânea em White Sands, Novo México.

As taças contendo vinho tinto animavam a conversa. A omissão do nome do casal deve-se à sugestão dele. A senhora "fulana" pediu para não ser nominada, da mesma forma que seu marido. Serão mencionados por "ELA" e "ELE". Motivo de foro íntimo, apenas.

Meu interesse no diálogo com o casal de ufólogos conhecido de Xico, versado em métodos científicos de pesquisa do fenômeno UFO, está em poder obter respostas sobre os procedimentos e as ideias que poderiam motivar conexões através de contatos entre humanos e ufonautas.

A ilustre presença do casal na casa de Márcia é motivada, presumo, pela possibilidade de manipular e visualizar o original do "button" do sinal Desconhecido.

ELE: O número do telefone, o endereço de vocês, com certeza se encontra em mãos dos que investigam esse contato. Os serviços de segurança dos EUA querem apropriar-se do outro "button". Eles só vão considerar esse "affaire" solucionado, após terem-no em sua propriedade.

Houve uma quase imperceptível mudança de "nível quântico" (como explicar?) da termodinâmica PSI-ambiental, induzida talvez por um subproduto de reações somáticas de sensível e geral constrangimento.

Nem foi preciso descrever os componentes dinâmicos, sub-reptícios, de um autoritarismo de lamentável e hostil realidade. Possíveis intervenções arbitrárias, obstinadas, em minha liberdade de manter comigo, de livre e espontânea vontade, um objeto do qual sou proprietário: o outro "button".

ELA: Leo Spingkle, parapsicólogo norte-americano, afirma que certos ufonautas estão alertando a Terra, suas lideranças políticas, para a urgente necessidade de compreenderem o salto qualitativo no interior da mente coletiva dos humanos. Salto ou mutação iminente, prevista para o final da segunda década do século XXI. Das gerações passadas, pouca gente vai ter cabeça para acompanhar o novo ritmo PSI universal.

EU: Talvez mutações dirigidas haja milênios, estão próximas a emergir no caráter das novas gerações, num possível desdobramento neo-original da mente "sapiens".

ELE: Há indícios de que estão acontecendo agora, aos milhões. A participação do "inconsciente coletivo" enquanto agente sincrônico de uma psicologia da "unidade indivisível" de origem interior.

ELA: "Unicidade" porque racional e mística. Wolfgang Pauli, Erich Neumann e Carl Jung afirmam em seus livros a unidade psicofísica de todos os fenômenos da vida. O inconsciente enquanto possibilidade de estar ligado a canais de comunicação micro e macro físicos. Da matéria cósmica orgânica e inorgânica.

ELE: Sintonizado com vibrações universais de alta, média e baixa densidades no ecossistema mental e físico, cósmico e telúrico.

EU: Um arquétipo é um evento sincrônico, "psicose", e ao mesmo tempo material. Significa uma interação entre realidade orgânica e realidade inorgânica. É isso?

ELA: Sim, em termos. Está acontecendo uma tragédia social. Um Holocausto de parte da população planetária. Os sintomas tendem a se agravar cada dia mais. Matanças e chacinas nos meios rural e urbano, de minorias desprotegidas pelo poder político e econômico, cada vez mais omissos, serão em breve acontecimentos rotineiros.

ELE: Um holocausto de parcelas cada vez maiores da população do planeta, sem que se oficializem conflitos, revoluções ou guerras.

XICO: Há um genocídio de crianças, adolescentes sem escola, aposentados, indígenas, trabalhadores do mínimo, pagando para trabalhar.

MÁRCIA: Políticos fazendo discursos pró-descamisados, falando em "resgatar a dívida social", enquanto assaltam famigeradamente os cofres públicos.

ZÉLIA (namorada de Xico): A câmara vota o salário-mínimo, enquanto seus membros ganham milhares de vezes o salário do trabalhador. É a sociedade estamental, aos moldes do absolutismo medieval.

ELA: E a unidade psicofísica de todos os fenômenos da vida, captados pelo inconsciente pessoal e coletivo das pessoas "sapiens", como é que fica? Neste momento, chega à minha mente consciente, sob a forma de um nítido "insight" a fala da Mochileira: "Eles ignoram que foram criados para servir não à sua raça, mas ao perene aperfeiçoamento da Mãe Máquina que, na realidade, lhes despreza infinitamente."

ELE: Um por cento da destruição da camada de ozônio, significa cem mil pessoas cegas por ano. E cinquenta mil casos de câncer de pele. Em cinquenta anos, se não houver nenhum agravamento da situação, o que é muito improvável, serão destruídos mais 4% da faixa de proteção dessa camada.

XICO: Se a liberação de CFC prosseguir nos níveis atuais.

ELA: 50 mil quilômetros de terras desertificadas surgem a cada ano, reduzindo as áreas de plantio de alimentos, num planeta cada vez mais carente deles.

Outra vez lembro de outra frase da Mochileira: "Vencer o ser humano, ou perder o planeta para a compulsão suicida do arquétipo cro-magnon".

ELE: O complexo científico-industrial-militar está se mobilizando para investir 1 e meio bilhão de dólares, só de início, na criação da Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (COBRAE).

XICO: Será muito instrutivo ver um filme brasileiro chamado "Brasil Ano 2000".

ZÉLIA: Os trogloditas usam "black-tie".

EU: Os ignocratas, mauricinhos de terno e gravata, se julgam acima da lei.

MÁRCIA: "Brasil Ano 2000", vale a pena ver de novo. "Alphaville 60" também.

EU: É uma modernidade à grande pai cro-magnon, como diria Thundra.

ELA: Thundra?

ELE: Quem é Thundra?

XICO: Grande pai cro-magnon? Eu também estou por fora, cara. Vamos falar a mesma linguagem, está certo?

ELA: Sente-se uma região obscura nesta conversa. O presságio de uma revelação que apenas cintila a nível superficial. Uma secreta cumplicidade, fatos que você não sabe ao certo se revela ou não para nós.

Certo mal estar quebrou, por momentos, a harmonia ambiente. Como se houvesse interferências na comunicação subliminar, telepática, do grupo.

ELE: Em casos de contactados este procedimento é normal. Hesita-se em estabelecer um plano narrativo. Dissimula-se, como quem percorre um caminho em semicírculos.

ELA: Não fôssemos de confiança, seu amigo não nos teria trazido para compartilhar da intimidade de vocês.

EU: Sei, certo, é que . . . (Fiz um rápido resumo de minha convivência com a Mochileira).

ELA: Os bloqueios mentais são compreensíveis. Não é fácil falar de certos segmentos do contato. Xico falou de um parapsicólogo. . .

XICO: André Carneiro.

ELA: Promoverá sessões de hipnose regressiva.

XICO: Quando chegar da Europa, em fins de 93.

EU: A experiência no pasto em Nova Aliança, Xico contou a vocês. O nome Thundra estava impresso no “button” pesquisado pelo SIO em La Jolla. Acho que Thundra e a Mochileira são a mesma pessoa, é inverossímil, mas é isso mesmo.

Houve um certo tumulto no grupo, a ansiedade por saber mais sobre minha convivência com Amô. O lero ficou um tanto quanto flutuante, entre o realismo fantástico e a realidade, à primeira vista, algo inconsistente dos eventos.

ELA: O nome dela era apenas Mochileira? Todas as pessoas possuem nome.

EU: Não uma pessoa tão incomum. Talvez não tenha me interessado em saber. Que interesse poderia ter um nome, se haviam coisas muito mais importantes por saber. Pintou um branco quanto a esse negócio de nome. Talvez tenha sido hipnotizado para não perguntar, não lembrar, esquecer. É estranho, não sei dizer.

Em minha cabeça pintou uma ideoplasma: "De que serve substantivar a flor da pele da liberdade?"

ELE: As praias, o sol, a contracultura . . .

Apesar da pretensa aceitação de minha justificativa, e da benevolente tentativa de legitimar meus argumentos, pairou uma certa incerteza geral. Pensaram talvez que eu quisesse guardar seu nome como se fosse um talismã. Não acreditaram que fosse possível conviver com uma pessoa sem saber seu nome.

EU: Por que a "política do avestruz" dos governos quanto a contatos ufológicos?

ELA: Não interessa aos poderes constituídos a divulgação da própria ignorância quando da manifestação de civilizações extraterrenas. Sentem-se frágeis demais quanto a uma nova mundividência que teriam de criar para explicar a origem do ser humano no planeta. As origens do ser humano, e os desdobramentos da cultura e da civilização.

ELE: Seria necessária uma nova maneira de ver o mundo, uma nova religião: não interessa aos patriarcas da mistificação a verdade sobre sua origem e desenvolvimento. O conhecimento dos mesmos direitos à educação, habitação, alimentação, à lei. À Cidadania. O mundo globalizado está em mãos dos descendentes políticos do "Reich dos Mil anos".

ELA: Os contatos com ufonautas indicam a necessidade urgente de uma mudança na disposição PSI das lideranças políticas da Terra.

EU: Esses ufonautas são mais utópicos do que Thomas Morus? Ignoram que os arquétipos que controlam a compulsão instintiva (pessoal e coletiva) que "eles" chamam de "progresso", agem e reagem dentro de uma superestrutura destinada a favorecer a corrupção?

ELE: Muitas lideranças atuais representam esses arquétipos que você mencionou. Elas se alimentam do sangue, do sofrimento, da pobreza, da ignorância, da violência que favorece a lastimável decadência da humanidade.

ZÉLIA : A política da crueldade gerenciando uma realidade de campo de concentração.

XICO: Os ufonautas querem mudar isso? Só vendo, não dá para acreditar. Mais fácil o presidente dos xiitas descamisados e seu sócio serem punidos pela "justiça", e o poder judiciário prendê-los: o impossível começar a acontecer para todo mundo ver.

ZÉLIA: Ou o pessoal do "Petróleo do Planalto" ir para a cadeia.

XICO: Não vai acontecer, "nem que a vaca tussa".

ELE: Essas lideranças, como já dissemos, se alimentam da energia anímica amplificada, de ressonância coletiva alternada, das taras, misérias, carências, da loucura e da ignorância da humanidade.

ELA: A cleptocracia vampiriza o analfabeto, o doente, o aposentado, os descamisados do salário-mínimo.

EU: Na "Odisseia", Ulisses evoca os dotes sobrenaturais de Tirésias, o adivinho, após degolar um cordeiro negro à margem de uma sepultura. Esse é o tipo mais elementar de sacrifício de sangue.

MÁRCIA: O deus de Abraão e os deuses Astecas e Maias reclamavam sacrifícios de sangue.

ZÉLIA: O padre bebe o sangue de Cristo, simbolicamente, em cada missa. Come um pedaço de seu corpo santo, como um canibal num ritual simbólico.

XICO: Desculpem, ainda não percebi como os contatos com ufonautas podem mudar essa atitude "sapiens" ampla, total e irrestrita.

ELE: Os contatos com ufonautas não mudam nada. Apenas advertem as lideranças políticas para o perigo de desperdiçar a mais valiosa matéria-prima do planeta: seus habitantes, seus semelhantes de raça.

ELA: A ideia dos contatos é mostrar a essas lideranças que depende delas a atitude de mudar. De influenciar a inversão da "polaridade compulsiva", da psicose destrutiva de seus ancestrais, seus avós de raça: seus arquétipos.

EU: Um arquétipo é um modelo básico, uma energia PSI radical, totalizante. Não contemporiza com nada nem com ninguém. Exceto ao nível da farsa, a exemplo do presidente dos xiitas descamisados.

ELA: A noção de complementaridade PSI não está definida. Ela pode incluir a totalidade da psique. A noção de arquétipo como sendo o epicentro da psique da "modernidade cro-magnon".

ELE: Não há como compreender essa totalidade, sem abandonar a compreensão dita objetiva dos fenômenos físicos da atualidade. A física clássica é um anacronismo: vê determinismo nas leis causais da natureza.

ELA: A realidade é uma "unicidade" de representação qualitativa e quantitativa, regida por leis abstratas complexas de interação social, humana. Realidade é teatro universal, acontecendo em todas as partes da aldeia Terra. É Complementaridade.

ELE: A mensagem dos "saucerianos" transcende a síntese do conhecimento científico atual mais avançado. As diferenças entre teologia, religião, ciência e política passam a inexistir, cedem lugar à noção de "unicidade". O ser humano são seus atos pessoais e coletivos, seus pensamentos, palavras e ações a todo momento, em qualquer lugar do mundo: onde quer que estejam.

ELA: As pirâmides são um símbolo dessa ideia. A "árvore da vida" presente através dos milênios. A base, símbolo de um mesmo tronco sólido. Polígono de pedra, raiz da coesão geométrica, expande a descendência humana nas direções cardinais. Do Cosmo às "moradas do Pai . . ."

EU: Ou da Mãe.

ELA: E vice-versa.

ELE: Os primeiros instrutores, destinados a permanecer no planeta e criar as raízes de uma descendência ascensional, chegaram à Terra, após cruzar distâncias imemoriais.

ELA: Suas vidas passaram pela estreita passagem através da porta da iniciação. Foram trazidos de muito longe, condicionados a permanecer na Terra, estabelecer nela uma organização estável e permanente. Isto significava incomensurável desprendimento de suas origens cósmicas: aceitar estar confinado aos pesadelos das Trevas.

ELE: Ísis, Mãe das Trevas, não nasceu de útero terreno. Sacerdotes, membros de sua corte, cumpriam os rituais de adaptação repetindo com Ela: "Contempla O Horizonte Da Nova Morada De Teus Descendentes Com Humildade".

ELA: Osíris afirmava sua identidade nos cerimoniais de adaptação, repetindo, com a ajuda de sacerdotes, em circunstâncias planetárias das quais não podia fugir, constrito a aceitar a sintaxe do fastidioso processo de convivência com o fenótipo rudimentar dos seres humanos: "Estranho Membro Da Família Dos Tempos, Aceita Com Enternecida Submissão, Os Estreitos Limites De Tua Filiação À Terra".

MÁRCIA: A civilização egípcia era matriarcal. O Faraó sentava-se no trono de Ísis, simbolizando uma criança no colo da Mãe Terra, da Mãe das Trevas. Não compreendo onde estão querendo chegar . . .

ELE: Contrariando a teoria "darwiniana", todos os seres emanam, originam-se, evoluem, por um processo de progresso descendente, gradativo: dos níveis espirituais mais elevados, às mais sedimentadas formas de materialização. Essa é a síntese simbólica das pirâmides: seu objetivo hermético.

ELA: Os deuses desceram ao plano denso do planeta, plantaram as "árvores" (pirâmides), estabeleceram a Fundação do Conhecimento Cósmico Global. Criaram uma descendência. Sua herança pertence a todos os povos da Terra. Fazer com que todos tenham acesso a ela é o grande medo dos políticos.

ELE: A própria dinastia dos Faraós foi dizimada pelo Deus dos escravos hebreus. Humilhada a casa real das últimas dinastias, seus descendentes ainda hoje não aprenderam a lição.

ZÉLIA: As lideranças econômicas e políticas atuais também não. A avidez pela posse de bens materiais se adensou de maneira anormal, doentia, alucinante.

OS MERCENÁRIOS DO HORROR

Estávamos concentrados na argumentação do casal. Porém, aonde, exatamente, estavam querendo chegar? A que conclusões? Ou não estavam querendo chegar a lugar algum a mais. Talvez alguns de nós não estivéssemos preparados para compreender a argumentação pertinente às revelações desse contato. À livre fluência das ideias e da sabedoria de suas revelações.

EU: Que valor funcional possuem as advertências dos ufonautas, através dos contatos?

MÁRCIA (reforçando minha indagação): Ficarão apenas observando os terrenos se destruírem, como se fossem os "urubus" daquele conto de Asimov, à espreita do momento de recolher os destroços desta civilização?

ELA: Advertência não significa intervenção. O que as lideranças da Terra podem fazer para mudar sua trágica destinação compulsiva a cro-magnon, não depende dos ufonautas, mas da ação de transformação social, política e econômica dos governos. Dos organismos internacionais que os representam.

ELE: A persistência na expressão irracional predatória da compulsão cro-magnon significa opção por estarem submersos no véu ilusório de "Maya". É problema para os terrenos solucionarem.

MÁRCIA: Vocês estão dizendo que os ufonautas não vão intervir. .

ELA: Exceto através de contatos aleatórios. Intervenção quer dizer interferência direta, exercer domínio sobre os destinos do planeta. Mudar à força. Não há indícios de que seja desta forma.

XICO: Ninguém garante que advertências vão ser motivação suficiente.

ELE: Ninguém, acho eu. Talvez da divulgação dos contatos surja uma resposta.

Haverá uma resposta, lembrei da frase da Mochileira quando no bar ao ar livre em Parati. Ao cantar os versos da canção dos "Beatles".

XICO: Em países europeus as lideranças extremistas estão ganhando adeptos. Recentemente, até os Estados Unidos tiveram seus dias de Beirute.

Nesse momento, três tubos de metal, com vinte centímetros de comprimento, rolaram na sala, vindos do corredor e da porta do quarto de Márcia. Fumaças branca e amarela envolveram o ambiente. Nossos olhos começaram a lacrimejar, consequência da excitação da membrana pituitária. Fluíam espirros intermitentes, com farta secreção nasal e salivar.

Com esforço conseguimos manter os olhos abertos e a atenção voltada para meia dúzia de terroristas usando máscaras antigás no rosto. Apressados, fecharam portas, janelas e persianas, viraram os cômodos da casa de Márcia, pelo avesso. Não sabemos ao certo se faziam parte do mesmo grupo agressor que, anteriormente, promoveu uma devassa na residência dela e em meu apartamento.

Buscávamos, sufocando, saídas em direção ao espaço exterior da residência. Os sintomas se agravam: a pressão aumenta o mal-estar. Crescente ânsia de vômito.

Os agentes do terror, armados de metralhadoras portáteis, imunes aos efeitos imediatos morais do gás, reprimiam com violência nosso intuito de sair do sufoco, em direção ao espaço aberto e mais oxigenado do quintal ou da rua.

Combate corpo a corpo nessas condições, só em filme de mocinho: Rambo contra os malvados vietnamitas, ou o Chuck Norris que, sozinho, já venceu a guerra do Vietnam umas seis vezes. Protegidos dos efeitos do gás esternutatório revistavam, agressiva e minuciosamente, todos os cantos possíveis da residência. Quebravam espelhos e móveis, colchões e almofadas foram abertas à faca.

Uma agente de cabelos negros e trançados desnudou Márcia com rispidez. Essa, em nítida desvantagem física, ainda tentou reagir. Levou violento golpe de cotovelo no queixo e um impacto de testa da agressora no nariz. O sangue esguichou na camisa preta da terrorista. Escorria em filetes contínuos e abundantes, lambuzando a camiseta de Márcia.

A mulher, possessa, abria em direção aos lados suas pernas, após desnudá-la da calça "jeans". Praguejava palavras num idioma que, pela pronúncia, deve ser de origem oriental. Um agente juntou-se a ela para descer até os calcanhares seu vestuário. A calcinha, inclusive.

Com furiosa inquietação, estimulada pelo ânimo traiçoeiro que favorecia as ações, mantinha uma mão no pescoço e outra entre as coxas de Márcia, invadindo o espaço do púbis retirando dele o absorvente menstrual "sempre livre" colado à vagina.

A terrorista puxa a proteção externa do absorvente, úmido de sangue menstrual, apalpa-o, cheira seu conteúdo e sorrir satisfeita. Levantando a mão destra para o alto, após ter puxado do absorvente um pedaço de plástico, conduziu-o vitoriosamente às mãos do comandante da operação terrorista. Manteve sempre uma atitude verbal de vituperação e insultos (a boca contraindo-se logo abaixo do limite bucal da máscara antigás.)

O terrorista que parecia comandar as ações pegou das mãos da subordinada o reduzido volume, puxou o invólucro de plástico rasgando-o para os lados e aproximou o "button" do símbolo Desconhecido de um monitor com teclas laterais. Ao pressionar uma delas, enquanto promovia uma "varredura" magnética por toda sua extensão, ouviram-se sons de "bips" em interrupções simultâneas. O grupo de agressores parecia acompanhar com atenção penetrante e irada, o pisca-piscar de micro luminosidades no painel do mini monitor.

O comandante dos terroristas pressiona outra tecla. De pronto cessa o ruído grave e apagam-se as luzinhas do painel. Minhas pálpebras piscam, as pupilas tentando acompanhar os acontecimentos, os olhos esbugalhados, lacrimejando. Um suor frio desce da testa. Ao gotejar dentro dos olhos, causa uma ardência incômoda, como se fosse uma espécie de colírio ácido.

Abriu-se na parte superior do monitor uma pequena comporta. O oficial da operação introduziu nela o “button”.

Ao ruído do encaixe, ouviram-se sons que imitavam os impulsos sonoros de um telefone quando ocupado.

Uma pequena tela, na parte posterior do encaixe piscava intensamente, projetando uma luminosidade amarelada, do reduzido micro vídeo. "Eles" agora se deram por satisfeitos. Pronunciavam palavras ininteligíveis, mas afirmativas.

Aproveitando-se da repentina e simultânea diminuição da tensão entre os agressores, Xico, numa atitude suicida, encontrou forças para atingir a base de um ferro elétrico na parte posterior da cabeça da terrorista que havia hostilizado Márcia.

Os efeitos do gás talvez não lhe tenham afetado tanto. A mulher caiu desmaiada, não sem antes emitir um dolorido espasmo, atraindo a atenção e a hostilidade dos integrantes do comando que já estava em fase de retirada. Como conseguiu tônus muscular para tal façanha?

Um petardo, violento chute de uma botina militar, desferido pelo comandante, atingiu a genitália de Xico. Prostrou-se no chão ofegante, ao modo dos devotos de Alá quando em penitente oração, voltados para a Meca. O líder do grupo, insatisfeito com a selvagem reação, empunhou uma pistola automática Mauser em direção à cabeça desprotegida de Xico, enquanto vomitava imprecações numa língua incompreensível, talvez um dialeto árabe.

Seu parceiro mais próximo, segundo em autoridade, com uma das mãos pressionava o pulso do chefão para cima, tirando a mira da arma da direção da nuca de Xico. Com a outra, exercia coação sobre o ombro do braço que empunhava a arma, reforçando, verbal e agressivamente, advertências ao chefe, presumo, sobre os perigos que uma vítima mortal representaria para eles.

Atirassem em Xico, mais indícios facilitariam a identificação de suas identidades, após a consequente investigação policial. Ainda relutante, o líder, afinal, pareceu render-se às insistentes vituperações do parceiro, gritadas em seu rosto.

A vida de Xico apenas por um fio. Para o assassino contido, aquela mulher atingida pelo golpe do ferro elétrico, representava, talvez, em seu inconsciente, a animosidade vital de sua Anima. E vice-versa.

Para ela, agora sem sentidos, prostrada no chão, sangrando, o entusiasmo anterior, mostrado ao dirigir-se a ele empunhando o "button", traía uma indisfarçável admiração por seu posicionamento de liderança: agressivo, de comando autoritário. Espelhava-se ele no interior de seu Animus.

Antes de levantar a mulher atingida por Gorgulho, depositando-a sobre seu ombro esquerdo, chutou várias vezes o corpo de Xico que estava a sufocar numa crise de vômito. O sangue da mulher grudava nos cabelos, descia pela nuca, coloria de colérico rubro a vestimenta negra.

Ansiosos por sair do lugar o mais rapidamente possível, os terroristas berravam palavras de mútuo comando, numa tonalidade colérica de crescente e autoritária ansiedade. A compulsão obsessiva do chefão, antes de atender, finalmente, aos apelos dos subordinados, prevaleceu. Com uma rápida manobra manual, inverteu a posição da pistola, golpeou, com a pesada coronha da arma, a indefesa cabeça de Xico.

Não estavam interessados nas fórmulas químicas. Ignoravam as equações descritas na carta de Stela, de fácil localização, no bolso de uma camisa esporte revistada por "eles", no guarda-roupas do quarto de Márcia. As fórmulas estão escritas com letras de fogo em minha memória. O original da carta não faria, para mim, a menor falta.

Eles conseguiram o "button". Quem lhes informou de sua existência? Por quê? Desprezaram o original manuscrito por Stela? Obtiveram o "button" do signo, para quem? Para quê? Sua localização no absorvente menstrual de Márcia, inspirou-se em que tipo de cerimônia ritual, ou é padrão de investigação comum ao grupo (para)militar ao qual pertencia a terrorista?

EM FAVOR DA DEMOCRATIZAÇÃO DESSE CONTATO ("A opressão da mulher é o que torna todas as outras opressões possíveis: a dos seres humanos entre si e da humanidade enquanto meio ambiente." —— Rose Marie Muraro: A Mulher no Terceiro Milênio)

1o. de julho de 1992. É um tempo difícil, mas livre de pressões externas por não haver mais "buttons". Há a necessidade íntima de comunicar essas experiências. Esse mundo é mais estranho do que possa parecer. Todos fazemos parte dele. A realidade exige mudanças urgentes, decisivas. Só a comunidade dos seres humanos despertos do sono e dos sonhos cromagnon poderá lograr obtê-las.

Pesquisas sobre literatura costumam afirmar que os leitores querem respostas. Que os autores devem fornecê-las. Haverá uma resposta? Talvez. Se proveniente do inconsciente coletivo, do senso comum. Do "inconsciente coletivo" a serviço do coletivo.

Joseph Campbell (1904/1987), ex-pesquisador, professor e escritor sobre mitologias do "Sarah Lawrence College" (EUA), em resposta a uma pergunta do repórter Bill Moyers, afirmou: "Acho que buscamos uma forma melhor de vivenciar o mundo que nos permita estabelecer contato transcendente. Isso é o que a alma pede". Será essa uma das respostas? É possível.

O que as atuais lideranças planetárias estão promovendo, não representa a realidade do que deveriam promover, se considerassem as perspectivas econômicas e políticas de seus eleitores.

Os eleitores são os responsáveis pela massa de produto interno bruto de trabalho produtivo do mundo. Eles são responsáveis pelos recursos substanciais que são distribuídos das e para as instituições de corrupção institucionalizadas, desde os tempos mais remotos do mercantilismo e do absolutismo econômico, escravista e político.

Presumo que minha experiência enquanto membro do grupo que partilhou os acontecimentos do pasto de Nova Aliança, pode e deve ser compartilhada com o maior número possível de pessoas. Antes, não pensava assim, só pensava em me preservar das críticas negativas que poderiam vir. Hoje, acredito que é preciso democratizar esse contato. De que maneira?

Encontrarei editor, leitores, que se interessem em editar este livro? Não sei. Sei que estou fazendo minha parte ao escrevê-lo. Se cada pessoa fizer sua parte, em defesa de seus interesses, pessoal e coletivo, os partidos políticos e as instituições que representam, em breve, não terão tão frágeis telhados de vidro.

O incêndio na floresta da corrupção política e econômica é grande nas instituições de representação popular no país inteiro. Por menor que seja a contribuição da gota d’água no bico do colibri no sentido de apagá-lo, por ser mínima, nem por isso é menos necessária.

STELA: CONDUZINDO-SE ATRAVÉS DA LONGA E SINUOSA ESTRADA ATÉ A MINHA PORTA

Márcia e Xico reencontram-se. Os indícios são de que, nesta existência não mais haverá separação de corpos e mentes entre eles. Após sair do período de hospitalização, ele dedicou-se "full-time" à tarefa de pesquisar, acompanhando de perto, como se fosse um repórter, as investigações policiais que visavam identificar os responsáveis pelo covarde ataque à casa de Márcia.

Os resultados da investigação policial foram tímidos, como era de se esperar. As polícias civil e federal, não encontraram armas, impressões digitais nem munição nos carros abandonados pelos terroristas em fuga. Há indícios de que fugiram via embarcação marítima: barco, iate ou navio.

Os tentáculos da CIA e quejandos se estendem mundo afora, porém seus agentes não costumam falar árabe, muito pelo contrário. Os terroristas poderiam ser xiitas religiosos, remanescentes de uma seita com uma liturgia muito antiga. Guardiães de algum segredo remotamente ligado ao símbolo do “button” do signo Desconhecido.

Não tenho elementos para afirmar com precisão, se os combatentes da coação e da violência eram religiosos fanáticos ou agentes disfarçados a serviço de alguma agência internacional de segurança tipo CIA, ou agentes de um suposto Arquivo X do FBI.

Há a possibilidade de que fossem mercenários prestando serviço provisório à espionagem americana. Estariam simulando ação terrorista de comando semítico de origem oriental. Como saber ao certo? Uma coisa aparentemente tão irrisória, um “button”, tornou-se alvo de identificação de origem extraterrena. Uma série de testes comprovou, através de métodos e técnicas de medida de intensidade de radiação luminosa, não ser ele proveniente do planeta Terra. Esta rede de ações, essa constante interferência internacional justifica-se? Certamente.

Sábado, 25 de julho de 1992. Minha situação emocional, do ponto de vista afetivo, quase zerou. Em compensação, o sentimento de dedicação pela atividade docente cresceu. Celibatário do coração solitário, posicionei, no toca-fitas, uma fita cassete gravada com vários estilos de música.

Uma seleção sonora a meu gosto: mpb, mpi, clássicos, música de câmara e dodecafônica, sacra, canto gregoriano, jazz e blue. Os sons começaram a ressoar uma melodia que trazia para próximo de mim, a presença subjetiva de uma afetividade cara e longínqua.

Dirigi-me à porta para atender a campainha. A portaria do prédio não havia comunicado a chegada de alguém pelo interfone. Poderia ser uma vizinha simpática que costuma exercitar comigo, de improviso, seu decadente poder de sedução. Tudo bem. Pensei: "chega-mais, chega-mais".

Ao abrir a porta, a mais inesperada e agradável das surpresas possíveis. Uma das três mais bem-vindas de todas as criaturas de meu conhecimento terrenal: Stela. Um imenso fluxo magnético, uma enorme ternura nos envolve num longo e terno aconchego. A letra da música na voz de McCartney ecoou, atenuando o ritmo cardíaco. Meu coração, a galope, bate feliz quando te vê. Quantas razões, motivações e por quês.

Indiscernível tranquilidade, simples e intensas emoções. As frases brotavam sem ser verbalizadas. Nosso sentimento expande-se, propaga-se. Para que palavras? Por todos os espaços da sala, da cozinha, do banheiro, do quarto: amor, carinho, ternura, sexo, volúpia.

Às 22 hs dentro da banheira de água morna, ela pergunta:

— Quantas vezes você gravou esta canção nessa fita? Há dez horas ela se renova sem causar enfado. Como se não se repetissem seus significados. Cada vez que ouço, ela flui com um novo recado. A sensação de estar ouvindo pela primeira vez se renova. Não é estranho isso?

— Defeito do toca-fitas. Sintonia de uma intenção que se supera, mistério. Não sei explicar.

— Está bom assim.

Stela canta os versos da melodia frente ao espelho triplex do banheiro. Visualizo simultaneamente as faces esquerda e direita de seu rosto. Com tesão e ternura, nossos olhos se encontram em franca permuta de sentimentos e emoções. Cara a cara, meu corpo cresce dentro de seu corpo. A se fortalecer com a ascendente sucessão do sentido das frases da composição de Lennon e McCartney:

The long and winding road, that leads to your door (A longa e sinuosa estrada que me conduz à sua porta)

Will never disappear, I ve senn that road before (Jamais desaparecerá, já vi essa estrada antes)

It always leads me here (Sempre me conduz aqui)

Lead me to your door (Conduz-me até sua porta)

The wild and windy night, that the rain, washed away (A noite selvagem a chuva levou)

Has left a pool of tears, crying for the day (Ficou um jarro de lágrimas à espera do dia)

Why leave me standing here (Por que ficar aqui sozinho)

Let me know the way (Mostre-me o caminho)

Many times I´ve been alone and many times I´ve cry (Muitas vezes fiquei sozinho, muitas vezes chorei)

Anyway you´ll aways know, the many ways I´ve tried (De qualquer modo você jamais saberá de quantas formas tentei)

But still they lead me back, to the long winding road (Ainda assim elas me guiam de volta à longa e sinuosa estrada que me conduz à sua porta)

You left me waiting here, a long, long time ago (Fiquei à espera há um longo, longo tempo)

Don´t keep me standing here (Não me deixe mais esperando)

Lead me to your door (Conduza-me até sua porta)

But still they lead me back, to the long, winding road (Ainda assim me conduzem de volta à longa e sinuosa estrada)

You left me waiting here, a long, long time ago (Fiquei à espera aqui, há um longo, longo tempo)

Don´t leave me standing here (Não me deixe mais esperando)

Lead me to your door (Guie-me até sua porta).

EFEITOS DAS LIDERANÇAS À CRO-MAGNON ("Que quer dizer redefinir nosso relacionamento com o céu? Que será da visão da vida de nossos filhos se tivermos de lhes ensinar a ter medo de olhar para cima?" —— Al Gore-EUA Earth in the balance)

Stela contou que ela, o ex-marido Levine, e o ex assistente no gerenciamento dos laboratórios do SIO, assinaram documentos jurídicos afirmando uso irregular dos equipamentos de propriedade e uso restrito do governo americano. Após negociações, o "button" foi confiscado, e os resultados das pesquisas interditos.

Minhas declarações, verbal e escrita, autorizando as pesquisas, que evidenciavam ser de minha propriedade o objeto em causa, foram parte do acordo forense. O "button", o que restou dele após a espectrometria "Mössbaum", foi confiscado por determinação judicial competente, enquanto prova material de uso ilícito de utensílio ilegal, em território americano.

No acordo que subscreveram, aceitaram a proibição da divulgação dos resultados dos exames de laboratório nos meios científicos, acadêmicos e leigos, sob pena de desmentido oficial do "Scripps Institute". A equipe dispersou-se. Por razões administrativas, Levine e Widder foram mantidos a serviço de instituições congêneres em território americano.

Prosseguem prestando serviços científicos ao governo americano, desta forma, mais facilmente, podem ser mantidos sob vigilância. Stela, considerada "persona-non-grata", teve seu contrato de participação em pesquisas oceanográficas revogado. A vigência do contrato original prolongava-se até junho de 94 (equipe SIO, área de tecnologia biológica marinha).

A revogação deveu-se à sua relutância em aceitar subscrever os termos impostos pela documentação "juris et de jure" ("de direito e por direito"), que estabelece a presunção legal e não admite argumentação nem prova em contrário.

As acusações foram suspensas. Após a subscrição dos documentos, foram cancelados os processos e o julgamento dos envolvidos na pesquisa ilegal (espectrometria “Mössbaum dos “buttons”). Seus resultados interessavam, aos serviços secretos estadunidenses, empenhados em manter o boicote sistemático à divulgação pela imprensa, de fenômenos UFOs. Exceto aqueles que podem ser facilmente desacreditados.

Levine foi juntar-se a uma equipe de cientistas que pesquisa os efeitos do rombo na camada de ozônio sobre os polos. A falha nessas camadas é errática (desloca-se para várias regiões do globo).

As lideranças à cro-magnon estão invertendo o "status" cósmico e telúrico do Sol: de fonte de vida, luz e calor, à fonte de perigosas ameaças de radiação corpuscular ou eletromagnética de partículas de grande energia que interagem com a atmosfera da Terra. Mesmo que todas as medidas de proteção fossem viabilizadas H O J E, por todas as lideranças políticas e governos das nações filiadas à ONU, os atuais efeitos nocivos se prolongariam até 2100.

A POPA DE "ARGO" LEMBRA A HIPPIE PUPPY

Stela revelou: dos motivos que despertaram sua curiosidade em pesquisar os "buttons", duas décadas após a aventura no pasto em Nova Aliança, um aconteceu por mero acaso. Ao digitar um dicionário informatizado sobre Biologia Marinha, observou no monitor do micro, que a concha "Argonauta nodosa", uma das três conchas que sobraram de meu convívio com a Mochileira, apresentava uma "singularidade isolada".

A "excentricidade" que caracteriza a "Argonauta", está em que ela só pode ser encontrada no leito oceânico mais profundo. Sob águas muito afastadas da costa marítima, nos limites das águas territoriais, a mais de 200 km do litoral. No Brasil, equivale às profundidades oceânicas da porção de mar alto do Rio Grande do Sul. E só muito raramente, no Rio de Janeiro.

Só agora posso compreender o pasmo do casal de alemães que adquiriram um exemplar dessa concha, exposta à venda num final de semana incrementado de turistas em Parati. Minha irritação com a insistência do sujeito em indagar, com sotaque carregado: "Aonde senhorrr conseguirrrr dessa conchar?"

A vontade de responder, após certa insistência: "Não enche o saco, chucrute". Porém, como o freguês quase sempre tem razão, ponderei: "Jeder macht kleine dummheit": “qualquer um faz pequenas tolices”.

Argonauta, na mitologia grega, significa tripulante lendário da nau mitológica "Argo", constelação austral denominada "Navio". Divide-se em quatro sub-regiões: Carina ou Proa, Puppis ou Popa, Vela e Pyxis Náutica ou bússola. As fêmeas desse importante família de moluscos cefalópodes, expele bela concha com variados ornamentos, que serve de oposição ao órgão ovo opositor.

A "Fissurela clenchi" e a "Donax hanleyanus" são conchas comuns. A primeira encontra-se entre as algas das rochas entremarés do Rio Grande do Sul ao Pará, popularmente conhecida por "vulcão". A "Donax" marca presença nas faixas de areia entre marés do Rio Grande do Sul ao litoral do Espírito Santo. É comestível, vulgarizada pelos nomes de "baguala", "sernambi", "borboleta" e "Moçambique".

Fico a imaginar a extensão, a profundidade, a atualidade, a beleza, os mistérios do mar. A extensão oceânica, continental, do grande oceano Inconsciente. Imagino os melhores membros de uma geração partindo para a Estrada em busca de descobertas. Tendo a vontade e os pés por Caravelas. Os passos a navegarem as novas terras de seus descobrimentos.

O Novo Mundo não está fora, senão dentro de cada um. No distanciamento pertinente das estruturas arcaicas visando gerenciar o próprio destino. O poema de Pessoa evoca Camões. Pousa poeticamente, como uma síntese dessa navegação: “Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal/Por te cruzarmos, quantas mães choraram/Quantos filhos em vão rezaram/Quantas noivas ficaram sem casar/Para que fosses nosso, ó mar/Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena/Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor/Deus deu ao mar o perigo e o abismo deu/Mas nele é que espelhou o céu.”

SATÉLITE EM ÓRBITA, OU RADAR, DETECTOU UFO NO PASTO EM NOVA

ALIANÇA? ("O maior perigo da atualidade é representado pelas pessoas que se negam a admitir que a época ora em fase inicial, é um organismo definitivamente diverso do passado." —— Max Plank)

Stela permanece no Brasil. Após divórcio, rejeitou propostas de trabalho especializado em livre-docência, em instituições de ensino superior nos EUA. Sua pós-graduação em Biologia Marinha a habilita exercer essa função. Por razões de foro íntimo, deseja permanecer no Brasil. Ela é mesmo incomum, paradoxal.

Enquanto profissionais da área docente dariam tudo para ter a oportunidade de exercer docência nos EUA, ela rejeita propostas de permanecer em território americano. Inexiste restrição legal que impeça seu casal de filhos de estar junto ao pai. Exceto que os contratos de trabalho de Levine fazem dele um nômade da pesquisa científica.

Mantém residência fixa na Califórnia, mas está sempre viajando. Stela contou que o esquema informatizado regido por Widder no sentido de manter longe de suspeitas as pesquisas do “button” através do "heuristic program", esteve sempre monitorado através de "modem", espécies de linhas telefônicas que interligam a unidade central de processamento a uma rede de terminais periféricos, uma das quais com conexões no Departamento de Segurança Operacional.

O "heuristic program" permite ao cérebro eletrônico criar rotinas alternativas dentro de um programa, na sequência completa de instruções da "Mãe Máquina": análise de problemas, diagrama de fluxo, desenvolvimento de sub-rotinas, locação de áreas na memória, especificações de formato nos terminais de entrada e saída, etc.

Após a tradução dos sinais digitais em signos analógicos, através do "modem", os padrões de rotina do "programa-base", indicam ou não a existência de "contrassenso analógico", ou "paradoxo operacional pertinente", existente entre um programa linear de rotina e uma progressão de "simulação heurística" ou diferencial.

Segundo ela, Widder e Levine talvez estivessem arriscando nada. Poderiam ter feito um acordo com a segurança do SIO a partir de certo nível de desenvolvimento das pesquisas, quem sabe orientados por seus superiores de hierarquia, a excluí-la do mesmo. Stela revelou sua decepção com a facilidade com que ambos se convenceram a subscrever a documentação jurídica direcionada. E pela maneira como foi pressionada por eles a fazer o mesmo, desistindo de resistir às pressões oficiais.

TRÊS NOVOS HABITANTES NASCEM A CADA SEGUNDO. A TERRA PERDE 1 HECTARE DE SOLO FÉRTIL A CADA OITO SEGUNDOS

Que significa tudo isso? Os primatas cro-magnon "sapiens" do "mundo desenvolvido" iniciaram uma compulsiva expansão econômica a partir de 1945, depois do segundo conflito mundial. Crescimento e progresso à Wotorangotango: a degradação indiscriminada do meio ambiente prossegue, selvagem sintoma da compulsão cro-magnon, até os dias de hoje.

As lideranças fazem questão de prosseguir ignorando que os recursos naturais do planeta não são inesgotáveis. Em 1968, na baía de Minamata, no Japão, trezentas pessoas (números oficiais), morreram intoxicadas por resíduos industriais de mercúrio. A pesca contaminada era comercializada livremente nos mercados. Milhares de japoneses foram intoxicados.

Se os países do Terceiro Mundo prosseguem seguindo os mesmos modelos de desenvolvimento econômico dos países ricos, a qualidade de vida, o que resta dos recursos naturais do planeta, estarão esgotadas em pouco tempo. Afirmam cientistas e místicos que estamos vivendo o limiar de uma Nova Era. Uma Nova Era do Caos?

Oitenta por cento da população brasileira está concentrada nas grandes cidades por falta de mínimas condições de sobrevivência no interior. Ao invés de reconhecer e investir na cidadania dos eleitores que neles votaram, os políticos com trânsito no executivo tratam-nos como se fossem mosquitos e insetos.

A principal aeronave que servia a um público testa de ferro do desgoverno collorido, denominava-se mui apropriadamente "Morcego Negro". O nome é uma revelação. Sabe-se que um único morcego caça setenta e cinco "mosquitos" (eleitores descamisados) a cada quinze minutos. E até 3,3 gramas de "insetos" (trabalhadores do salário-mínimo, com educação rudimentar, subalimentados, sem casa própria) por hora.

Trezentos "morcegos" têm apetite para devorar mil gramas de "insetos" por hora. Ou as verbas de bilhões de reais dos eleitores desprovidos de seus direitos elementares de cidadania.

Bens tais como a água, o ar, a camada de ozônio, a natureza, a vegetação, as crianças, os idosos, ("mosquitos e insetos"), são considerados sem valor pela economia dos morcegos.

A Universidade de Frankfurt adverte: milhares de crianças alemãs morrem devido a doenças pulmonares, consequência da chuva ácida.

A acidificação das chuvas na Suécia transformou em "atividade de risco" a pesca nos lagos. Nas cidades da costa do Atlântico Norte, a água dos lagos ficou 30% mais ácida nos últimos vinte anos.

Nas cidades mais industrializadas do planeta, são lançadas na atmosfera, oitenta a cem milhões de toneladas de enxofre por ano. E vinte milhões de toneladas de nitrogênio, gazes liberadas pela queima de combustíveis fósseis.

O organismo do animal humano e dos outros animais, sofrem alterações genéticas irreversíveis. Consequência da degradação dos solos e dos alimentos pelas chuvas ácidas. A desertificação é o estágio terminal da degradação dos solos pela erosão, em todas as partes do mundo. No Rio Grande do Sul, 470 mil he de solos estão em avançado processo de desertificação. Semelhante ao mesmo processo em inúmeras outras áreas no Brasil e no exterior.

Os Estados Unidos produzem, só de lixo sólido, a cada ano, dez bilhões de toneladas. Milhares de focas, baleias e golfinhos morrem de diversos tipos de câncer, intoxicados pelo consumo de algas e de peixes menores que delas se alimentam.

Vinte por cento da população mundial consome oito em cada dez toneladas de todos os alimentos produzidos no mundo. E sete em cada dez quilowatts de toda a energia gerada no planeta. Essa minoria, que usufrui frugalmente da "política do morcego", lança na atmosfera mais da metade de todos os gases poluentes responsáveis pelo superaquecimento do planeta.

Em 1990 foram desmatados na Amazônia brasileira quatrocentos e quinze mil quilômetros quadrados: treze por cento de sua extensão total.

Ou o arquétipo compulsivo cro-magnon acabará com o planeta Terra, ou vice-versa. As cinzas do Segundo Milênio já estão caindo, por antecipação, sobre o continuum espaço tempo do Terceiro. As atuais lideranças vão despertar em tempo hábil para as advertências dos Contatos, incluso os Contatos telepáticos com ufonautas?

O UNIVERSO É UM CAMPO UNIFICADO ("O que a ciência tem feito é desmontar as bases das primeiras e eventuais suposições sobre a existência de outra inteligência." — (Isaac Asimov)

Doze de julho de 1992. Cesso de redigir este livro. Stela, após ler os originais, comentou parte da narração, a parte em que, no alto da Pedra da Gávea, fixei minha atenção nos movimentos do "palmtop", ao visualizar a área interna do nicho aberto da mochila da Mochileira.

Confirmei que, naquele momento de estranheza visual, pensei estar sob o efeito involuntário de um alucinógeno. Acreditei que Amô me havia dopado. Por telepatia, certamente ela identificou minhas vibrações mentais de ilegítima agressão.

Stela comentou, após a primeira leitura do trecho que expõe o estranho visual do "palmtop": "Na parte intermediária, um 12° retângulo de igual tamanho ilumina-se no momento mesmo em que o 11° começa a pisca-piscar. Ao substituí-lo, esse décimo segundo retângulo, primeiro na nova série de onze, muda toda a sequência de representação dos signos geométricos."

— As sequências se repetem por oito vezes seguidas, quando retornam ao segmento da série inicial.

"Tenho uma teoria, afirma Stela, mas é fantástica demais para ser verossímil. Onze repetições de onze retângulos vezes oito, resulta num número igual à quantidade de constelações da esfera celeste, estabelecido pela União Astronômica Internacional."

— Oitenta e oito constelações, sim, acho que sei aonde você quer chegar.

— Que em todos os lugares do universo, confirma ela, em todas as "Moradas da Mãe", as leis de evolução das raças habitantes nos planetas das miríades de sistemas solares, são semelhantes às da Terra.

— Isto não é fácil sustentar: Minha visão do "palmtop", as sensações consequentes, assim como este momento que estamos vivendo AGORA...

— Fazem parte de uma mesma programação de eventos que começaram quando você conheceu a Mochileira, sustenta Stela.

— Você acredita mesmo que haja um poder tão inacreditável, agindo sobre nossas vidas há duas décadas?

— Não sei, não sei mesmo.

OS DIREITOS DE QUEM VÃO PREVALECER? DAS LIDERANÇAS À CRO-MAGNON OU OS DOS SERES HUMANOS?

Há dois mil anos um extraterreno afirmou: "Conhecei a verdade e a verdade vos libertará". O desafio permanece atual no Templo Terra dos dias de hoje, tal como no Templo da antiguidade grega: "CONHECE-TE A TI MESMO".

Minha perplexidade com os desdobramentos de meu Contato de 4°. Grau com a Mochileira continua até os dias de hoje. Que poderá revelar de novo as sessões de hipnotismo regressivo programadas pelo parapsicólogo André Carneiro e pelo psicólogo Xico Gorgulho? A hipnose, segundo Freud, é apenas um método auxiliar de investigação psicológica.

Minha ancestral cro-magnon ignorava ser a base orgânica de uma mutação genética dirigida através do implante, em seu cérebro de primata, de "chips", ou módulos de programação e evolução genética.

Os "chips" criaram, presumo, um campo magnético interno, um canal de comunicação com uma quantidade enorme de seres, semelhantes a ela, habitantes de outras moradas da "Mãe Máquina", como diria Amô. E também com seres mais evoluídos do que ela, se é que a Mochileira, a raça a que ela pertence, não está no topo da cadeia evolutiva cósmica.

Seus descendentes, no limiar do Terceiro Milênio, ainda não aprenderam a amar a si mesmos. Depende agora, da coletividade de sua descendência, a inversão da polaridade da compulsão destrutiva do arquétipo selvagem. Compreender que todos os membros de uma mesma raça são associados de uma mesma empresa, da qual todos possuem ações preferenciais: a Terra.

Talvez a mutação programada mude a polaridade do selvagem, naturalmente, talvez não. Se a descendência cro-magnon prossegue ignorando como criar condições objetivas de "amar a si mesmos como Eu vos amei", como poderá amar seus semelhantes, ou seu "habitat"?

É evidente que o "rei dos animais" não pode ser considerado racional. Ainda falta muito para sê-lo. Racionalidade implica em saber valorizar a qualidade de vida de seu ecossistema habitacional, micro e macro.

Quer consiga ou não se objetivar espiritualmente, quer transforme ou não o planeta num depósito de lixo, numa anacrônica e inconsciente homenagem à Wotorangotango/Progresso, "ele", apesar da atual cegueira de sua descendência política patriarcal, teve seus méritos.

Foram sua fé, persistência e esperança, ainda que compulsivas, que fizeram dele o líder do "povo do outro lado do rio", seus descendentes atuais, Bill Gates e Paul Allen, criaram a Microsoft. Do outro lado do rio da vida dos dias de hoje. Suas necessidades, coletiva e individual, mudaram, se requintaram. Mas "ele" prossegue sendo compulsivo, destrutivo, selvagem. Não percebe bem por que, sua descendência ignora as novas possibilidades criadas por sua compulsão ancestral destrutiva. Possibilidades de racionalização dos métodos comportamentais de gerência dos recursos naturais e artificiais de sua espécie sapiens "sapiens", nos dias de hoje.

Existe agora um outro rio a atravessar. Sua antiga fé, persistência e esperança, seus métodos de evolução condicionados há milênios, agora, não servem para mais nada, exceto como referência do que não deve ser feito. Seu "know-how" antropoide, seu capitalismo selvagem, esgotou-se até a última gota dos limites de suas antigas conquistas: pessoal e coletiva.

"Ela", sua descendência, não precisa mais ser selvagem e ameaçadora. Nem passar pelos mesmos riscos. "Eles", hoje, necessitam mais de sondas direcionadas rumo ao espaço interno da dimensão do inconsciente, do que de sondas espaciais direcionadas ao espaço além aeropausa.

Chegará a compreender e a objetivar os significados todos dessa Nova Era? Do outro lado da margem desse Novo Rio, está a finalidade do implante do "chips" ancestral? Do "chips" que transformou sua mente de símio sapiens numa mente de símio "sapiens" conceitual.

“ELES” USAM BLACK-TIE

"Política é a arte de escolher entre o mau e o pior." (Rei Hassan II Dos Marrocos)

Aprendi com a Mochileira/Thundra que roubar o fogo dos Deuses e trazê-lo aos remanescentes "sapiens" da atualidade, e de outras atualidades que posteriormente virão, é uma tarefa interminável. Parte dos diversos estágios de uma perene evolução "sapiens". Presumo que esse é um dos objetivos dos contatos UFOs aleatórios nos dias de Hoje. Aqui. Agora.

A síntese da mensagem dos ufonautas, segundo a opinião do casal de cientistas e "experts" no estudo do fenômeno OVNI, do contato no pasto de Nova Aliança, sua aparente complexidade, é, na realidade, de simples interpretação. Falo do casal que esteve na casa de Márcia na noite da invasão terrorista. É deles este parágrafo:

"Tudo que diferencia seres humanos uns dos outros, são ilusões. Os líderes à cro-magnon atuais insistem em prestar devoção ao culto ancestral, ao ritual primitivo, totêmico, compulsivo, ao deus Wotorangotango/Progresso.”

Ou "eles" se conscientizam de seus posicionamentos político e econômico selvagens, ego maníacos, ignocratas, ou em breve os arquétipos da liderança que exercem terão destruído os recursos humanos e naturais do ecossistema Terra, de maneira irreversível. Generalizada.

ESTOU NO CAOS DO COSMO?

Agradeço à intervenção da "equipe" de cientistas do "Scripps Institute of Oceanography", aos físicos Robson Levine e a seu assessor Peter Widder. Principalmente à Stela, por seu irrequieto talento, sua determinação e habilidade em convencer Levine e Widder, após duas décadas, de que os eventos do pasto de Nova Aliança, aliados aos estranhamentos de minha convivência com a Mochileira, poderiam render dividendos científicos na investigação de pesquisa dos "buttons".

Não descarto a possibilidade do OVNI no pasto em Nova Aliança ter sido detectado por satélite e por ele fotografado. Nem de que a administração do SIO possa ter sido conivente com Stela, Levine e Widder, tolerando, e até incentivando as pesquisas laboratoriais do “button” coruja/Horus.

Agradeço emocionado o trabalho de Márcia e Xico, dedicados à revisão, digitação, e à busca de um editor para este livro. Gratidão que se estende ao casal de pesquisadores do "Centro de Investigação Sobre a Natureza dos Extraterrenos".

Seus conhecimentos especializados comprovaram, a parte, diga-se, "esotérica" dos significados dos signos gravados nos “bottons”. Suas interpretações foram amplamente confirmadas pelas fontes informatizadas às quais Stela teve acesso quando funcionária do SIO.

O diálogo com esse casal, transcrito em parte neste livro, confirma a intervenção de seres de outros planetas e sistemas solares, interessados na preservação racional dos recursos humanos e naturais da Terra.

O geneticista americano Norman Borland, em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel de 1970, afirmou que as melhorias genéticas obtidas por ele concediam às lideranças mundiais trinta anos, apenas, "para enfrentar o crescimento demográfico descontrolado".

Jacques Cousteau, um raro exemplo de objetiva humildade na EGO 92, disse, a propósito da afirmação de Borland: "Já se passaram vinte e dois anos e nada ainda foi feito. Não haverá outra revolução verde."

A revolução verde do geneticista Borland multiplicou por três a produtividade do trigo, milho e arroz. Enquanto alertava para os perigos da explosão populacional. Cousteau, em sua participação na EGO/92, advertiu aos ignocratas que dela participaram, e que acreditam no mito de que os oceanos podem alimentar a população crescente do planeta, quando maior parte das terras estiverem transformadas em desertos:

"Os oceanos são incapazes de sustentar grandes quantidades de vida. A psicultura produziu bons resultados apenas com ostras e camarões. Não se pode criar em cativeiro espécies marinhas mais adequadas à alimentação humana.”

"Para se produzir um quilo de atum são necessárias dez toneladas de plâncton, o microrganismo que serve de pastagem para os peixes. Os oceanos cobrem 71% do planeta, mas 92% de suas águas podem ser comparadas a desertos terrestres."

Considerando-se o que as lideranças políticas estão fazendo das pessoas e dos recursos naturais do planeta, meditando sobre todas as barbaridades que seus liderados, por ignorância, aceitam, calam e consentem, afirmo: A quem devo eu amar, senão o enigma? Ou sua ausência? E que ausência maior para mim pode haver do que a figura inesquecível da Mochileira? 

G L O S S Á R I O

"A ideia do homem como o pináculo da cadeia evolutiva é absurda. A inteligência é uma formidável ferramenta desenvolvida pela humanidade, mas não uma garantia de sobrevivência. O intelecto humano não tem compromisso absoluto com a sobrevivência da humanidade nem com a manutenção da vida no planeta. O progresso que a inteligência produziu pode ser um atalho para a extinção da espécie humana." (Stephen Jay Gould).

ABDUÇÃO — Sequestro de seres humanos por tripulantes de UFOs. Podem ser provisórios ou com finalidade permanente. Alguns abduzidos libertados: Betty e Barney Hill (New Hampshire, EUA). Antônio Villas Boas (Brasil). Caluin Parker (Pascagula, Mississipi, EUA). George Adamsky, Califórnia, Estados Unidos. Abduzidos não-libertados: Tenentes Felix Moncla e R. Wilson da Força Aérea dos EUA, comandante de um caça a jato F-89 e um observador de radar, respectivamente (Kinross, Michigan-EUA, 1953).

AEROPAUSA — Região superior da atmosfera, inacessível a voos de aeronaves comuns.

ALTAMIRA — Localidade espanhola célebre por sua gruta pré-histórica, com pinturas rupestres desenhadas sobre a parede de um rochedo. Datada do magdalenense. Pintados de ocre, vermelho e negro, os afrescos representam bisontes, cavalos, renas e javalis, com surpreendente realismo. Arte paleolítica: 12000 a 9000 a. C.

AMARRAR UM BODE — Ficar sério, irritado, deprimido sob efeito de droga. 2.- "Entrar na fossa".

ÂMBAR — Cor pouco brilhante entre amarelo e castanho.

AMÔ — A Mochileira.

ANDRÉ CARNEIRO — Autor de FC, poeta e parapsicólogo. Livros editados: "Piscina Livre" (1980), "Diário de uma nave perdida"(1988), AMORQUIA (1991). Ganhador do "Prêmio Nestlé de Poesia", (1988).

ANIMA — Arquétipo feminino posicionado na psique do macho.

ANIMUS — Na psicologia analítica de Jung, arquétipo masculino posicionado na psique da fêmea.

ANTROPOFÁGICO — Característico do antropófago. Que ou aquele que come carne humana, literalmente ou em sentido figurado. Usa-se para definir as lideranças políticas que canalizam as verbas da sociedade, para os projetos bélicos e as contas bancárias da "patota" dos ignocratas.

APATÉTICO — "Simbiose" da significação dos termos "apático" e "patético". Neologismo.

ARCANTROPÍDEOS (-800 a -350 mil anos) — Pitecantropo (Java), Sinantropo (China), Atlantropo (África), Homem de Mauer (Europa).

ARMAÇÃO — Jogar sujo visando levar vantagem (V. "Lei de Gérson").

ARQUÉTIPOS — Segundo Carl G. Jung, psicólogo e psicanalista suíço (1875/1961), são imagens PSI do inconsciente coletivo, patrimônio comum de toda a humanidade. São tão instintivos como a habilidade dos gansos para emigrar em formação. Ou a habilidade das formigas para se organizar em sociedade. Como a dança das abelhas que se comunicam entre si a exata localização do pólen. 2.- Plano, protótipo, modelo básico. 3.- Herança das disposições ancestrais que reagem a estímulos ambientais, e controlam os meios de percepção do mundo. 4.- Conexões que se situam entre as partes diencefálicas e o córtex cerebral: existem desde o nascimento. 5.- Formas de agir e pensar de intensa concentração afetiva e emocional.

ATMOSFERAS DE MENZEL — Variados tipos de ocorrências atmosféricas atribuídas oficialmente como sendo “ilusões de ótica”, à visualização popular de pessoas, ou de grupos de pessoas, do fenômeno OVNI.

AUSTRALANTROPÍDEOS (-1 milhão a -800 mil anos) — Australopiteco, pirantropo, zinjantropo: África e Java.

AVESTRUZ (Política do) — Liderança política que enxerga apenas a aparte da realidade que lhe é favorável. Submerge a cabeça no pó do anacronismo de conceitos obsoletos, mas nunca admite a existência do mundo enquanto "unicidade". Ou seja, a Terra enquanto "Aldeia Global” onde habitam seres da mesma espécie "cro-magnon sapiens", que têm os mesmos direitos. (V. "ignocrata").

A MIL — Muito rápido. Velocidade mental de imagens psi superior à habilidade do Ego em ordenar conscientemente os conteúdos da psique, quando sob influência de alucinógeno.

À REVELIA — Na ausência de uma das partes mencionadas ou interessadas.

BABILAQUES — RG, CIC, documentos.

BACULEJO — Ser revistado pela polícia quando em busca de "incentivos mentais" ou drogas.

BANDEIRA — 1. Passar a impressão de estar sob efeito de droga. 2. Agir sem respeitar os sentimentos alheios. 3. Ato falho.

BANHO — "Levar um banho": ser enganado. 2. Ter prejuízo (V. "dançar").

BARATOS ——-Percepções que divertem.

BASEADO — Cigarro de maconha, cannabis ou cânhamo.

BATER — Aparecer os efeitos psicofisiológicos após a ingestão de uma dose de droga alucinógena.

BEFAP — "Beings from Another Planet": Seres de Outros Planetas.

BODE — Mal humor, estar amuado. 2. Cansaço, sono.

BOM DIA BRASIL — Cigarro de maconha, fuma-se pela manhã, ao amanhecer.

BRAINSTORMING — Técnica de liberar a mente coletiva em reuniões de grupos de pessoas que mantenham objetivos semelhantes a alcançar. Visa produzir livre intercâmbio de ideias originais, e obter consenso sobre matéria de interesse comum.

BRANCO — Suspensão parcial da vigília mental. 2.- Período de amnésia.

BURACO NEGRO — Uma estrela de nêutrons (anã branca), p. ex., com 16 km de diâmetro e uma gravidade superficial 210.000.000.000 de vezes a da Terra. Nessas condições a gravidade pode suplantar a resistência da estrutura de nêutrons. Nesse caso a estrela entra em colapso, seu volume zero e sua gravidade superficial crescem em valor infinito. Nem mesmo a luz consegue escapar de seu campo gravitacional.

BURACO DE VERME (Quântico) — Túneis microscópicos que, segundo opinião dos físicos modernos, servem de ligação rápida com regiões anos-luz distantes entre si. Uma ou mais entradas desses túneis estão situadas nesta parte do universo. conduzem a outros pontos extremos desse mesmo universo. Ou a universos paralelos.

CAMPO DE FORÇA — Aquele em que a grandeza física é uma força, campo gravitacional. 2. Em FC, pode ser uma região de vácuo criado artificialmente que serve de barreira à partículas e radiações, como se fosse um super sólido de aço de dois metros de espessura, representando forças Inter atômicas, mas nenhum dos átomos que as originam ("campos de força" não associados à matéria.)

CANNABIS SATIVA — Maconha, cânhamo, diamba, riamba, erva, fumo.

CANTAREIRA — Nome popular da barca que faz o percurso da baía da Guanabara, entre o Rio de Janeiro e Niterói. E vice-versa.

CARETA — Pessoas que se drogam com cigarros Souza Cruz e quejandos, bebidas alcoólicas, programas de tv e vídeo. Videota.

C F C — Clorofluorcarbono (Sprays, detergentes, produtos de beleza).

CHEGAR — Em certos contextos quer dizer "sair fora".

CHEGAR JUNTO — Atingir objetivos semelhantes. 2. Ter as mesmas percepções de um evento.

CHIPS — Grandes quantidades microscópicas de informações ultra compactadas. Promove a interação entre complexos eletrônicos informatizados (computadores), à maneira das interações das células do cérebro cro-magnon "sapiens".

CIBERNÉDIPOS — Os Homo sapiens identificados com o "complexo de Édipo". Condicionados há milênios para produzirem a cultura atual da "Mãe Máquina", em nome da política das lideranças à Wotorangotango/Progresso.

COCÔ DE CABRA — Cannabis de boa qualidade.

COISINHA — Cannabis, maconha, marijuana.

COMPLEXO DE ÉDIPO — Atração de uma criança pelo pai (a menina), ou pela mãe (o menino). Na psicologia freudiana ocorre entre três e cinco anos. Período em que a criança se conscientiza de seu posicionamento ou identidade familiar. Sedimentam-se os mecanismos de defesa e a ansiedade produzida pela rejeição, punição ou superproteção de seus pais ou tutores.

COMPULSÃO CRO-MAGNON — Participação compulsiva nas contradições suicidas da política atual. A CC pode ser racional ou irracional, está sempre cega para o karma social, pessoal e coletivo, que gera. São exemplos de "compulsão cro-magnon": os assaltos ao patrimônio público praticados por criminosos do colarinho branco. 2. As fraudes contra o Inamps. 3. As ações de assalto ao patrimônio público geridas pela "gang da Dinda", chefiada pelo ex-presidente Collor e seu mico amestrado PC. 4. O uso irregular do patrimônio público por membros do Congresso. 5. O favorecimento de empreiteiras pelo ex-ministro da Fazenda Eliseu Resende. 6. A convivência pacífica com as maracutaias das empreiteiras pelo empresariado ("quem cala consente"). 7. Aumento abusivo das mensalidades em colégios e universidades particulares. 8. A criminalidade e sua repressão (massacre do Carandiru). 9. Ações policiais e/ou paramilitares: "massacre da Candelária", "chacina da favela de Vigário Geral" no Rio. 10. Corrupção promovida pela comissão de orçamento. Parlamentares do Congresso gerindo um superassalto aos cofres públicos, bancado, em parte, por oito empreiteiras.

CONDIÇÃO DE NAVEGAÇÃO — Tempo nublado ou solar, para se mudar de lugar, ou partir em direção a outro acampamento. 2. Tempo Psi ideal para uma "viagem".

COURAÇA DE CARÁTER (Wilhelm Reich) — Estrutura mental padrão característica dos ignocratas. (v. "ignocrata"). 2. Rigidez, obstinação, petulância. 3. Pessoa incapaz de autocrítica, ou de aceitar crítica pertinente de terceiros. 4. Armadura medieval do Ego temeroso de incorporar novos conceitos e ideias, por medo de perder a atual identidade.

DÁ UM TRATO — Saber zelar pelas condições de uso de um objeto ou de uma mulher.

DANÇAR — Ser pego em flagrante de consumo ou tráfico de droga.

"DA POLÍTICA" — Consumidor contumaz de drogas narcóticas.

DARWINISMO — Teoria que explica a "origem das espécies" através do princípio anacrônico da "seleção natural". Estudos científicos recentes afirmam a impossibilidade, a impostura dessa teoria. Cientistas atuais afirmam que o planeta Terra teria de ter uma idade muito maior, para que o processo de "seleção natural" fosse possível.

DESCHAVAR — Pressionar entre os dedos pedaços de maconha para fazer um baseado.

DEUS (Deuses) — Ser material portador de conhecimentos tecnológicos muito superiores ao atual estágio de desenvolvimento PSI do Homo sapiens.

DORMIR DE TOUCA — Hesitar, vacilar. 2. Não ter firmeza.

DR. FANTÁSTICO — Personagem central do filme dirigido por Stanley "Laranja Mecânica" Kubrick. Satiriza a mentalidade cro-magnon "sapiens" ultra paranoica dos civis e militares norte-americanos que exacerbavam o nacionalismo defensivo no período da "guerra-fria". Objetivo: fazer o Congresso liberar bilhões de dólares em projetos de destruição atômica que denominavam cinicamente "de Defesa". Henry Kissinger, na época o "dr. Fantástico", ganhava milhões de dólares como secretário de Defesa para advogar, dentro dos escalões governamentais, as fantásticas verbas destinadas a engordar as contas bancárias da "patota" de ignocratas do "complexo industrial-militar".

DURANGO KID — Duro, sem grana. 2. Disposição marginal para conseguir comida e dinheiro. Em junho de 1992, centenas de trabalhadores sem trabalho reivindicavam nas ruas, em passeatas, enquanto a "EGO/92" acontecia, o direito elementar de poder trabalhar para ter o que comer, e morar em favelas. Eles clamavam o slogan: "Queremos trabalhar ou vamos saquear".

ECO/92 (EGO/92) — Fórum global da ONU sobre ecologia e meio ambiente. Técnicos em várias especialidades do conhecimento burocrático poderem observar de perto os Egos governamentais em inútil desfile de vaidade.

"ELES" — Ignocratas de mentalidade cristalizada, portadores de uma "couraça de caráter" medieval. Os parlamentares envolvidos no escândalo do orçamento, o frio assassinato da Branca de Neve dos Sete Anões do Orçamento, os presidentes das oito principais empreiteiras envolvidos no mesmo escândalo, são exemplos do que se denomina, em linguagem hippie, por "eles".

ENCARAR — Cismar.

ENCARNAR — V. verbete anterior.

ENTOCAR — Esconder.

ENIGMA DE ANDRÔMEDA — Filme de Roberto Wise (1971), roteiro do romance de Michel Crichton. Microrganismo alienígena trazido à Terra por satélite americano cai numa pequena aldeia do Novo México matando sessenta e seis de seus sessenta e oito habitantes. O vírus alienígena coagula o sangue das vítimas. Um laboratório subterrâneo secreto é construído para pesquisar a sobrevivência de uma criança e de um idoso, únicos que saíram vivos da catástrofe. O laboratório está programado para destruir-se, se o vírus escapar ao controle da pesquisa.

EPICENTRO — Ponto da superfície terrestre mais próximo de um terremoto.

EPIFANIA — Aparição ou manifestação divina. 2. Festividade religiosa na qual celebra-se tal manifestação. 3. Dia de Reis.

ERA MESOZOICA — Nela, a fauna e os sáurios atingiram grandes dimensões. Inicia-se a transição entre mamíferos e pássaros. Em seu final surgem os primeiros mamíferos terrestres: os marsupiais. Duração: 150 milhões de anos.

EROS — Instinto de vida em oposição ao de morte.

ERVA — Fumo, pango, mato, coisinha, bengue, maconha.

FC — Ficção científica.

FEEDBACK CONTROL SIGNAL — Sinal de controle de realimentação. 2. Parte do sinal de saída que retorna à entrada com a finalidade de produzir determinado efeito. 3. Serve para programar a rapidez da resposta.

FIGURINHA (Trocar figurinha) — Pequenas transações. 2. Diálogos tatibitates.

FISSURA — Necessidade urgente. 2. Dependência iminente de droga.

FLAGRA — Flagrante.

FLAPS — Dispositivo da parte posterior e inferior das asas das aeronaves, entre a fuselagem e o "aileron". Destina-se a diminuir a velocidade nas aterragens.

FREUD — Neuro psiquiatra austríaco (1856/1939).

FREUDIANO — Conjunto de teorias e métodos psicanalíticos.

FULL-TIME — Todo tempo.

FUQUE-FUQUE — Onomatopeia: o som da palavra lembra aproximadamente o entrar e sair do pênis na vagina.

GANHAR ("Fazer ganhos") — Pequenos furtos.

GERAL — Revista policial ampla, total e irrestrita.

GRILO — Temor, medo, paranoia, cisma.

HABITAT — Lugar de vida de um organismo. 2. Características ecológicas de um lugar específico, habitado por uma espécie de organismo ou de população.

HEIDEGGER — Filósofo existencialista alemão.

HIPERESPAÇO — Universo paralelo onde inexiste a quarta dimensão: o Tempo. Presume-se contenha dez vezes mais massa do que o universo visível. Acreditam os físicos modernos na existência de "fendas" no "continuum espaço tempo". Através do conhecimento delas e da tecnologia adequada, ufonautas podem vencer distâncias interestelares em velocidades muito superiores à velocidade da luz (300 mil km p/s), por transferência instantânea (TIT) ou teletransporte.

HIPNOTISMO — Ramo da ciência que lida com hipnose. 2. Estado mental semelhante ao sono, provocado artificialmente, a pessoa hipnotizada obedece às sugestões do hipnotizador. 3 Seu induzimento e efeitos.

HIPPIE — Membro de grupo não-conformista. 2. Pessoas que vivem à margem da sociedade tradicional, tanto na aparência pessoal, como nos hábitos e ideias de paz, amor, respeito aos direitos humanos e de preservação ambiental.

HÔME ("Os zhôme") — Canas, samangos, policiais, a repressão.

IDEOPLASMA — Ideia não verbalizada, permanece dentro da mente enquanto criação e projeção subjetiva. 2 Os olhos da alma". 3 Através de "idioplasmas" é possível manter um diálogo telepático.

IGNOCRATA — Mercenário do colarinho branco, aparência à terno e gravata. Muitos deles com formação acadêmica e nível universitário. 2 Pessoas com mestrado, por vezes doutorado, em subserviência aos comandos das lideranças políticas ao estilo da herança genética do grande líder cro-magnon do "povo do outro lado do rio". (V. "compulsão cro-magnon").

IMPERATIVO CATEGÓRICO — Proposição filosófica que encerra uma ordem absoluta, a ser cumprida sem condições de negociação.

INCERTA — Geral inesperada.

INFLAMAÇÃO — Concentração excessiva de pessoas em determinado local. Muito movimento.

INSIGHT — Compreensão intuitiva, repentina, de comportamentos, atitudes. 2. Súbita solução de um problema.

INTENCIONALIDADE DA CONSCIÊNCIA — Caráter da consciência. 2. A cada atitude consciente corresponde um controle da essência da consciência em si mesma. 3. Consciência da consciência. 4. V. conceito heideggeriano de "intencionalidade".

IPSIS LITTERIS — Literalmente. 2 -Ao pé da letra.

JOULE — Unidade elétrica que leva o nome do físico inglês James Prescott Joule.

JUNG (Carl Gustav) — Psicólogo e psicanalista suíço (1875/1961). Autor da "teoria dos arquétipos".

KNOW-HOW — Conhecimento do processo ou maneira de fazer algo. 2. Habilidade, destreza. 3. Experiência pertinente. 4. Discernimento técnico.

LARICA — Apetite incomum e súbito devido ao consumo de cannabis.

LASCAUX — Caverna natural nessa localidade, com desenhos de arte paleolítica datados de 25 mil anos, gravados na parede e no teto da gruta. O colorido e o estado de perfeita conservação das pinturas causaram grande perplexidade aos antropólogos e a outros historiadores, quando descobertos. A gruta foi fechada à visitação pública em 1963, visando preservar essa obra de arte insubstituível. O grande afluxo de turistas e a luz de projetores para filmagens contribuiu para o crescimento de algas verdes, microscópicas, que começaram a corroer a rocha.

LAZEIRA — Males, desgraça, mediocridade, miséria. 2. Grande apetite para consumir e participar de "novidades".

LEI DE GÉRSON — "Leve a maior vantagem possível, foda-se o resto do mundo". 2. Lei vigente nos meios ignocratas.

LEO SPRINKLE — Professor de Psicologia da Universidade de Wyoming - EUA.

LEROS — Diálogos, papos, trocas de ideias.

LOQUE — "Xarope", chato, tedioso, enfadonho. 2 Sujeito que ganha dinheiro para sugar e lamber órgão sexual feminino.

LUNA BAR — Um dos recantos da boemia da zona sul carioca. Ex ponto alternativo do bairro do Baixo Leblon.

MANGA-ROSA — Maconha com alto índice de Tetraidrocanabinol (THC).

MARCAR — Pisar na bola, falhar.

MARESIA — Odor de cânhamo.

METEORITO — Massa de pedra ou metal proveniente do espaço exterior. Penetra na atmosfera terrena atraído pela força de gravidade. Através da força de atrito atmosférico incendeia-se, originando intensa luminosidade, transformando-se desta forma em meteoro.

MIGO — Amigo.

MILONGA — Intriga, manha, dengue.

MINA — Garota. 2. Mulher nova.

MINGOTE — Baseado.

M I T — Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Nele funciona o mais avançado laboratório de pesquisa de "inteligência artificial" dos EUA.

MODUS-VIVENDI — Modo de viver. 2. Acordo pelo qual duas partes em litígio se podem tolerar mutuamente.

NASA — Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço. Responsável pelo programa espacial dos Estados Unidos. A NASA admite a realidade do fenômeno UFO, mas não possui explicação oficial para ele. Liberou para a imprensa fotos de OVNIs próximos à sondas e a outras engenhos espaciais terrenos. A exemplo das fotografias do astronauta McDivitt, em 4 de junho de 1965, no período de voo da Gemini IV. Em setembro de 1993, pesquisadores e cientistas da NASA acusaram a administração da agência espacial americana de boicotar as comunicações com a "Mars Observer", visando interromper as pesquisas sobre extraterrenos em Marte. A mesma agência, ao custo de 100 milhões de dólares, investiu em dois super radiotelescópios para auscultar sinais de rádio provenientes de pontos distantes da Via Láctea. De 9 de maio de 1990 a 10 de outubro de 1986, sondaram-se "bips", em vários locais do planeta Terra provindos das constelações de Ofiúco, Cassiopéia, Virgem, Peixes e Sagitário. Astronautas americanos que relataram contatos com OVNI: Ed White e McDivitt (Gemini IV), Frank Borman e James Lovell (Gemini VII), Young e Collins (Gemini X), P. Conrad, D. Gordon e E. Bean (Apollo XII).

NEANDERTAL (-350 mil a -40 mil anos) — Paleantropídeos: homem de Neandertal, homem de La Chapelle-aux-Saints, homem de La Ferrassie.

NEANTROPÍDEOS (-40 mil a -10 mil anos) — Homo sapiens "sapiens". Tipos de homem moderno: Cromagnon, homem de Grimaldi, homem de Chancelade.

NOÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE — Manifestações diferentes de um mesmo fenômeno, que só podem ser medidas ou observadas separadamente, nunca simultaneamente.

ODISSEIA — Poema épico grego de Homero. Narra as aventuras de Ulisses ao voltar à pátria, Ítaca, após a conquista da cidade de Tróia.

OPUS DEI ("Obra de Deus") — Kenneth Woodward, jornalista americano, denunciou em livro recente, que a Opus Dei, com oitenta mil membros em todas as nações do mundo, dirige a hierarquia da igreja católica. Representa este número, a quantidade de militantes recrutados no topo da "pirâmide social". Pressionado por ela, o papa João Paulo II beatificou o padre espanhol Josemaria Escrivá de Belaguer e Albás (1902/1975). Ex-colaboradores da Opus Dei denunciaram as relações de Escrivá com a ditadura do gal. Franco. Padres dessa irmandade lutaram nas tropas da espanha franquista ao lado do nazismo alemão.

OUTSIDER — Pessoa socialmente marginalizada.

OVNI — Objeto Voador Não-Identificado.

PALMTOP — Micro computador de muitos recursos de memória aritmética, lógica e digitação que, apesar deles, cabe na "palma da mão".

PASSAR BATIDO — Não estar em condições de atuar com presteza numa determinada situação. 2.- Ignorar uma oportunidade de "levar vantagem".

PAULEIRA — Intensidade.

PAULISTA ("Paulistinha") — Baseado de grupo que é aspirado apenas uma vez antes de passar para a mão de outro consumidor.

PEDRA — Comprimido de ácido lisérgico.

PEIXE — Tudo que cai na rede. 2. Pessoa vítima de armação.

PENTE-FINO — Operação policial repressiva e minuciosa.

PERSONA — Personalidade provisória. 2. No Teatro Grego a máscara que os atores usavam para personificar personagens humanos e deuses. 3. Modelo simbólico de representação.

PIANÍSSMO — Perfeito, sem arestas.

"PIGEONS" — Nome para alcaguete nos EUA. 2 Cachorrinho dos hôme" na gíria carioca.

PIQUE — Disposição vital. 2. Alto padrão de atividade.

PISAR NA BOLA — Errar na avaliação parcial ou total de uma transação.

PORRALOUCA — Chulo, inconsequente.

PRANA — Energia vitalizante aspirada do ar através de técnicas hindus de respiração.

PREMONIÇÃO — Sensação antecipada de situações que estão por acontecer. 2. Presságio, pressentimento.

PRESENÇA — Pequena quantidade de cânhamo que se passa a outrem sem que haja remuneração, troca ou lucro. 2.- Gesto de amizade.

PRINCÍPIO DE INCERTEZA (de Heisenberg) — Possibilidade de existência não significa necessariamente existência. Para se conhecer algo, é preciso interagir com o objeto do conhecimento. A interação introduz perturbação na propriedade que se deseja determinar, interfere no objeto em estudo que não se dá a conhecer de maneira exata.

PROBABILIDADES DOMINANTES — Termo usado por Wolfgang Pauli. Define as relações reais e virtuais entre psicologia e microfísica. (V. "noção de complementaridade").

P S I — Processo mental envolvido na manifestação de fenômenos parapsicológicos (telepatia, telecnésia, tele, pre-cognição, premonição, ectoplasma etc.). Inexiste explicação científica, exceto experimental, para tais fenômenos.

QUÂNTICO (Mecânica Quântica) — Ocorrência de fenômenos discretamente percebidos ou quantificados. 2.- Parte da física que investiga os fenômenos com partículas, átomos e moléculas. 3.- At.: A teoria clássica dos processos de pesquisa subatômicos, após sua vigência, tornou-se obsoleta.

QUEIMAR O FILME — Erro inesperado numa avaliação de transação de droga, em que alguém é detido pela repressão, por venda ou consumo.

QUENTE — Confiável.

RANGO — Alimento, comida.

RAPÉ — Pó fino de haxixe.

RAUS HIER — Em alemão significa "não enche o saco" ou “dá o fora".

REI DOS ANIMAIS — Afirmam ser o leão, é o Homo sapiens e sua descendência, quando sujeitos a surtos, pessoais e coletivos, de qualquer das formas de Compulsão Cro-magnon.

ROLAR UM FINO — Fumar um cigarrinho de cannabis.

RUBENS TEIXEIRA SCAVONE — Autor de livros de FC: "Diálogo dos Mundos", "Degrau para as Estrelas", "Passagem para Júpiter" (livro de contos), "O Homem que viu o Disco Voador".

SAMPA — São Paulo.

SAUCERIANO — Nome genérico de seres que pilotam UFOs. Poupam-se, por motivos manifestos, de contatos prolongados e oficiais com lideranças "sapiens".

"SEM DESTINO" — Filme de grande sucesso de bilheteria, enfoca situações vividas por personagens da contracultura nos Estados Unidos.

SESSÃO CORUJA — Baseado noturno.

SE TOCAR — Perceber com nitidez.

SINGULARIDADE ISOLADA — Ponto singular com pelo menos uma vizinhança que o envolve, e com a qual inexistem outros pontos singulares.

SOCIABILIDADE — Característica de pessoas que buscam viver em companhia de outras com semelhantes afinidades sociais.

SOMBRA — Arquétipo dos instintos animais destrutivos. 2. Herança dos ancestrais "sapiens" muito presente nos políticos "sapiens" da chamada "modernidade". 3 Tendência selvagem da psique ignocrata na Psicologia Analítica de Jung.

STARNAUTA — Tripulante de nave estelar.

SUPERESTRUTURA — Complexo de ideologias religiosas, filosóficas, jurídicas e políticas de uma classe social dominante, remanescente da metodologia do arquétipo de liderança cro-magnon do "povo do outro lado do rio".

TABU — Proibição imperativa das sociedades primitivas e atuais. Relaciona-se com pessoas, objetos e lugares supostamente sagrados. A transgressão do Tabu cria complexos sentimentos de culpa no transgressor. Quando acontece, tais sentimentos provocam autopunição, ou conduzem-no subliminarmente à busca de punição pelos representantes das tradições e costumes. Costumes e tradições maiores parte das vezes, obsoletos.

TÁ LIMPO — Nada contra.

TANATOS — Conjunto de impulsos instintivos de agressão e morte em oposição a Eros.

TATIBITATE — Chulo, comum, banal, previsível.

TERAPÊUTICA — Parte da medicina que estuda a exercita os meios mais adequados para atenuar sintomas e curar doenças.

THOMAS MORUS — Escritor inglês (1480/1535). Criou a ideia, o conceito, a lei que não se faz prevalecer ainda nos dias de hoje, de que a função política das verbas dos eleitores, gerenciadas pelos governos, é proporcionar excelentes condições de vida aos povos sob a tutela de suas respectivas lideranças.

TIRA-BOTA — Relação sexual de pouca duração.

TIRAR UMA CASQUINHA — Flertar com mulheres namoradas de terceiros.

TOILETTE DAS ESTRELAS — Banheiro ao ar livre.

TRANSAÇÃO — Barganha, negócio, trampo.

TVVISÃO — Transmite ao tvespectador padrões de ação, emoção e reação que nivelam por baixo a percepção, pessoal e coletiva, que as pessoas mantêm de si mesmas e da sociedade. Cria subliminarmente comportamentos "normais" e antissociais que infantilizam o tvespectador, transformando-o em mero objeto do consumo de comerciais e entretenimentos.

TX — Táxi.

UFO (Unknown Flying Object) — Objeto Voador Desconhecido.

VACILAR — V. "dormir de touca".

VAPOR — Traficante de maconha.

VERDINHA — Cânhamo, marijuana.

"VIAJAR" — Estar fora provisoriamente do padrão de percepção ambiental considerado "normal".

WINWEN — Ernst Wilhelm “Wim” Wenders: cineasta, dramaturgo, produtor e fotógrafo. Importante figura do Novo Cinema Alemão. Desde 1996 preside a Academia de Cinema Europeu em Berlim.

WOLFGANG PAULI — Físico Prêmio Nobel (1945), austríaco. Descobriu o "princípio de exclusão quântico". Afirmou que o inconsciente espande-se para além da terapêutica, como se fosse um "universo em expansão". Acreditava que o inconsciente é um complexo sistema cibernético, ao modo de uma “eletrônica cósmica a nível quântico".

WURM (Glaciações I, II, III e IV) — Tempo: -60 mil a -12 mil anos. Divisão Geológica: Plistocênico recente. Clima: muito frio, frio seco, temperado e úmido. Fauna: rena, bisonte, mamute, rinoceronte, cavalo, marsupiais. Divisão Arqueológica: paleolítico superior. Estratos: aurinhacense, solutrense, magdalenense. Indústria: Ponta de ossos com base fendida, raspadeiras carenadas, buril com bico de papagaio, arpões de esgalho de rena, olaria. Modo de vida e civilização: caça, gravura e escultura em osso e pedra. Estatuetas femininas, estrutura organizada de habitação, arte figurativa e animalística (grutas de Lascaux e Altamira). Caracteres: 1,65 m, fronte elevada, arcadas supraciliares salientes, face achatada, queixo sem prognatismo. Tipos de hominídeos: paleantropídeos e neantropídeos.

XANINHA — Órgão sexual de garota adolescente.

XIITA — Membro dos xiitas, fanáticos muçulmanos partidários de Ali, primo e genro de Maomé. 2. Em oposição os sunitas sustentam só serem autênticas as tradições do Profeta transmitidas através de membros de sua família.

YIN-YANG — Força dupla e complementar que abrange todos os aspectos e fenômenos da vida.

ZICA — Falta de sorte.

ZONA — Lugar de influência restrita submetida a um regime especial de ascendência, predomínio ou poder. 2. Ação PSI não autorizada que uma pessoa exerce sobre outra.

P O S F Á C I O

HEURÍSTICA & LITERATURA NO LIMIAR DA 2ª DÉCADA DO III MILÊNIO

Schenberg, Planck, Pauli, Heisenberg, Lattes e Einstein resolviam problemas de invenção e Física trabalhando neles e esquecendo-os deliberadamente, quando já haviam tentado, sem êxito, todas as possíveis soluções. Passavam então a ignorar o problema anterior e a dedicarem-se a novas tarefas. Esqueciam-se dele, e não mais que de repente, surgia a solução, parcial ou total, através de um “insight”.

Esta é uma dica de como funcionam os mecanismos de criação e solução de problemas. Realizar um ato de criação nem sempre é possível, por mais adequadas que sejam as técnicas e os conhecimentos disponíveis do pensamento criador, desde Arquimedes.

As operações de aprendizagem e desenvolvimento da atividade mental têm solucionado problemas específicos em todas as áreas, dos domésticos de culinária e jurisprudência, aos de ciências exatas. Os heurísticos possuem uma especificidade especial.

Poincaré escreveu “Memórias sobre as Funções de Fuchs”, após intermináveis meses tentando resolver um sem número de séries de combinações. Ideias disputavam, na mente do matemático, predominância. Certa noite ingeriu, contra seus hábitos, pequena porção de café. Não conseguiu dormir, mas pela manhã parte do problema estava solucionado.

Selecionou duas ideias que resultaram numa combinação aceitável. “As conclusões ficaram prontas em meia dúzia de horas de trabalho”. O problema estava longe de ser completamente resolvido, mas o alicerce, no dizer do matemático, da fundação da teoria exposta no livro “A Criação Matemática”, estava construído. Muita água passaria por baixo da ponte até a conclusão dela.

Para fugir da saturação e do estresse, Poincaré partiu de Cannes, onde residia, para uma excursão pela Escola de Minas. Viajou de ônibus até Contes, depois seguiu para Mont-Valérian onde prestou serviço militar. Após o serviço militar voltou aos estudos de problemas matemáticos que, aparentemente nada tinham com estudos anteriores.

Toda vez que voltava a estes, as tentativas de solução conduziam à verificação do grande grau de complexidade deles. Certa vez ao caminhar por uma avenida da cidade natal, surgiu (“insight”) a solução para mais uma etapa do problema. Em outra ocasião, ao sair de um ônibus e pisar na calçada, uma nova ideia permitiu que solucionasse outras questões que permaneciam pendentes na solução parcial.

Aos poucos, gradativamente, em ocasiões distantes da concentração na mesa de trabalho, conseguiu apoderar-se de todos os elementos e ordená-los na redação do “Memórias”.

No estudo da Heurística interessa saber quais as constantes desse processo criativo. Leibnitz, Descartes e Spinosa, filósofos racionalistas do século XVII, revelaram em suas obras que a intuição específica da percepção criativa, não tem base lógica no raciocínio, mas numa peculiar e súbita (“insight”) visão intelectual.

Para Descartes, ciência é verdade intuída, visão direta da inteligência sem intermediação dedutiva da razão ou da reflexão pautada em regras. Em “Regras para a Orientação do Espírito”, lemos que a intuição difere das provas, definições e silogismos do conhecimento lógico.

Descartes convida a uma entrega total à intuição, desde que todas as teses traduzidas de forma direta ou de outra qualquer forma, reduzem-se à intuição. Os filósofos racionalistas consideravam a concepção intuitiva do real, uma forma superior de criação. Nela, a mente raciocina e, simultaneamente, medita nas três dimensões conhecidas do conhecimento: profundidade, abrangência e atualidade.

O processo heurístico, é sensorial e intelectual ao mesmo tempo. Para Einstein os processos intuitivos são os criadores da pesquisa na Física teórica. Ele afirmava que o raciocínio acontece, em princípio, através de símbolos (alfabéticos e matemáticos), se desdobra e soluciona no inconsciente, instância intuitiva limite, que não deve ser interpretada como fenômeno de natureza lógica.

São suas as frases: “O supremo dever do cientista é a pesquisa das leis elementares. Por simples dedução pode-se obter um quadro geral do mundo. Não é o caminho lógico que nos conduz a essas leis, mas tão-só uma intuição disfarçada na compreensão do conteúdo da experiência.”

No raciocínio analítico (dedutivo/indutivo), há a reflexão do geral para o particular e vice-versa. Na intuição não existem etapas intermediárias pré-determinadas, mas percepção (“insight”) global. Intuição é salto qualitativo, mutação sem esquemas lógicos pré-concebidos.

A pergunta agora é: Como processos heurísticos e raciocínio intuitivo motivam-se? A vontade consciente de fazer uso da heurística no processo criativo, por cientistas e escritores, inibe o processo intuitivo de raciocínio analítico. O estudo da ação através da qual são ou não solucionados, é muito mais complexo.

A Heurística estuda métodos que conduzem às descobertas e às invenções. É um segmento à parte entre os conceitos das teorias do conhecimento. Campo de pesquisa indefinido, ora situa-se no estudo da Lógica, da Filosofia, da Cibernética, da Bioquímica, Biofísica, Eletrônica, Psicologia, ora no da Parapsicologia.

No livro “Como Resolver Problemas”, D. Poia, matemático americano, descreve a atividade Heurística na ciência e na prática pedagógicas. Nele menciona um outro precursor da Heurística, o matemático grego Pappus que no século III escreveu “O Tesouro da Análise” (“A Arte de Resolver Problemas”).

Para ele a experiência pessoal e a observação do modo como outras pessoas solucionam problemas, é a base do método para a solução. Poia apresenta regras de trabalho que podem conduzir à descobertas, mas não analisa a atividade mental, em relação à qual, tais regras devem ser observadas.

Suas dicas têm caráter genérico. A primeira delas: “É preciso que a competência seja aliada da sorte”. A segunda: “Manter-se ativo, não desistir, até que surja uma ideia ideal”.

No processo literário de criação que é, presumo, o que mais interessa aos membros do Clube de Leitores de Ficção Científica, os que estão empenhados em escrever ficção, tudo bem com a dica número 1. A 2 em Literatura também funciona. Por quê?

Rimbaud, poeta simbolista francês, inovou a poesia com “Uma Estação no Inferno” e “Iluminações”, proclamou a República da Rosa dos Ventos da cultura literária da época, sugeriu que o criador literário precisa tornar-se vidente. Tornar-se vidente através de um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos.

“MANTER-SE ATIVO, NÃO DESISTIR, ATÉ QUE SURJA UMA IDEIA IDEAL”

Rimbaud, presumo, estava certo. Não adianta o criador literário se tornar uma espécie de burocrata da criatividade. Seria um paradoxo, um contrassenso, uma pessoa aspirante ao texto literário, achar que se programar para escrever duas ou três horas por dia, fará dela um bom escritor. Nessas condições de passividade, a ideia ideal pode até surgir, mas não terá experiência emocional pertinente para desenvolver-se a contento.

Os textos literários que valem este nome não foram escritos por funcionários públicos das Musas da literatura. As Musas, creio, não cobram do criador literário cartão de ponto no treino dessa atividade. A regra número 2 de Poia não é, também, uma atitude pertinente ao exercício heurístico literário.

Soa bonito, mas poderá não funcionar. Uma ideia pode ser perfeitamente lógica e estar errada. Se membros de um grupo aspirante ao favorecimento das Musas, reunirem-se num bar ou em um evento festivo e começarem a beber e trocar ideias, elas surgirão às centenas, claras, raras, magníficas.

Passados os momentos da etílica excitação, o aspirante literário posicionado à mesa em frente ao papel em branco, à máquina de escrever ou ao monitor do micro, o que vai redigir, 99% das vezes, será plágio, texto inconsistente ou manifestações de tendências neuróticas sublimadas. Literatura não é clausura, e longe está de ser carnaval.

“Condenados pelo vício” (Barfly), do romancista norte-americano Bukovsky, conta a história de um escritor que busca contato mais íntimo com as Musas da inspiração em caráter em tempo integral, na perene boêmia. Para ele era sempre noite, a regra única da convivência estava na ausência de convenções. Esse sortilégio literário à Rimbaud, é uma fórmula um tanto quanto mais autodestrutiva que outras, mas em termos heurísticos funcionou para o escritor em pauta.

Os agentes literários solicitavam mais textos. Uma mulher rica e bonita dispunha-se a financiar o autor noctívago, seu sistema de gerar tensões heurísticas, ofereceu-lhe uma senhora infra de mordomias, mas ele saiu dela alegando que a generosidade da oferta, a proteção dourada de uma gaiola cinco estrelas, tiraria dele o ímpeto criativo.

O escritor do filme e do livro de Bukowsky é o antípoda do que as empresas querem de seus burocratas. Seu marketing pessoal está longe de identificar-se com a aparência solícita, elogiosa e beija-mãos de pessoas que se travestem de autores, ao buscar acontecer no mercado editorial, exercitando atitudes de burocratas da criação literária.

É um contrassenso, um paradoxo. Inexistem e inexistirão executivos de empresa da criação literária. Em outras ciências e artes sim, não na Literatura. É possível que, no mundo editorial, esteja mais próximo de acontecer um autor modelo bukovskiano do que um tipo beija-mãos fantasiado de escritor. Literatura não é carnaval.

No final do livro “Como Resolver Problemas” (matemáticos), o autor receita a seguinte série de procedimentos para que se tenha êxito numa tarefa na área de exatas: 1) Compreensão conceitual do problema. 2) Elaboração do plano de solução. 3) Execução do plano. 4) Estudo da solução obtida.

Em Heurística a experiência anterior é vital ao procedimento criativo, mas não pode nem deve ser considerada única na estrutura de criação do raciocínio. Problemas no estudo de ciências exatas são diferentes dos que envolvem atividade criativa no campo experimental da literatura. A base pensante, psicológica, da Heurística: o raciocínio criador seletivo.

Ashby, estudioso inglês de Cibernética, define máquina inteligente por sistema que usa e transforma uma informação de modo a lograr alto grau de seleção adequada. Segundo ele, inteligência é escolha de uma forma de ação em meio a um conjunto de atuação pertencente a determinado sistema.

Como selecionar os meios de ação para se proceder a escolha? O sistema Psi do indivíduo deve poder estar apto a fazer a escolha. É esse mecanismo íntimo, interior, que caracteriza a ação heurística.

A seletividade ideal do raciocínio estrutura o método de formulação de um novo sistema perceptivo de adaptação, convivência e atuação.

Esse novo sistema perceptivo e de relacionamento interpessoal, não apenas aproveita-se das facilidades e da seleção dos esquemas previamente em uso, vai mais longe, cria um esquema. Busca exercitar uma interação nova. O que é muito difícil, desde que, num mundo de percepção burocratizada, qualquer modelo não-burocrático é considerado inconveniente.

No campo da literatura, uma pessoa que deseja sobressair-se usando os meios conhecidos e aceitos de paparicarem e reverência a escritores consagrados por premiações e, por extensão, a editores, visando obter apoio institucional para suas obras, está simplesmente usando a inteligência institucionalizada dos esquemas anteriormente selecionados. Não está criando nada. Se a obra de tal suposto escritor fosse, de alguma forma, uma inovação literária, não precisaria usar de artifícios burocráticos.

O suposto autor que esteja exercitando desta forma um projeto pessoal de escrever, compreenderá, mais cedo ou mais tarde, que está faltando um certo grau subjetivo de seletividade pertinente. A partir de tal grau, estaria apto à criação de uma obra literária que fosse produto de uma nova afirmação, sem precisar recorrer à metodologia anterior.

Na pesquisa cibernética, a ideia de seleção se fundamenta na estatística da interpretação do raciocínio. Raciocínio = escolha seletiva da ação nova, fora dos padrões conhecidos e divulgados pelas soluções anteriores.

Qual o mecanismo que poderá ajudar o homem e a máquina a encontrar soluções inusitadas? No homem, um grau mais alto de intimidade com a estrutura ainda desconhecida do cérebro, que tantas vezes, por mais que a pessoa seja reverenciada dentro de grupelhos do aplauso e da premiação fácil e mútua, pouca utilidade a mais possui do que a de separar as orelhas.

De que estímulo e reações precisa o escritor para criar pensamentos novos, que solucionem problemas complexos de criação literária? Como fazer surgir novos processo de solução, desde que o conhecimento dos já existentes, prova, inclusive do ponto de vista da gerência política e econômica da sociedade, que os processos vigentes não funcionam a contento?

COMO SURGIU O INTERESSE PELA HEURÍSTICA

A central única de processamento do intelecto na máquina, trabalha à imagem e semelhança da mente do homem, ou vice-versa? No livro “O Caminho para o Raciocínio Artificial”, Minski salienta que questões insolúveis referentes ao intelecto cibernético “pensante” da máquina, capaz de solucionar complexos problemas científicos, são consequência da falta de uma teoria geral do intelecto humano: enigmas da criatividade, do pensamento.

Existem regras exatas de jogo e cálculo no jogo de xadrez. Os movimentos podem ser selecionados e comparados entre si em todas as variantes de solução, ficando, lance a lance, sem sentido empregá-las na totalidade. Consequência desse problema surge a Heurística, método seletivo de solução de problemas, sem que se precise rever todas as variantes de solução.

No livro “Planos e Estruturas do Comportamento”, Müller, Galante e Pribran lidam com duas variantes: as sistemáticas e as heurísticas. As heurísticas são mais utilizadas para a solução de problemas atípicos, processos cognitivos de decisões não racionais, estratégias criativas que ignoram parte da informação visando conseguir uma solução rápida para problemas de cria atividade. Criatividade em associações aleatórias entre fenômenos psíquicos e objetos que fazem uma ponte entre esses e a intuição.

Os meios heurísticos podem ser descritos através da linguagem matemática, mas a atividade heurística, na atual fase de desenvolvimento científico, não possui expressão matemática. Entre meio e atividade, segundo opinião de Puchkin, autor do livro “Heurística: A Ciência do Pensamento Criador”, há uma relação semelhante à que existia, no tempo de Descartes e Spinoza, entre silogismo e intuição.

Os atuais e avançados métodos matemáticos estão longe de descrever e analisar as mais complexas formas da atividade mental sapiens. Ainda não se nomeou a definição de muitas categorias e noções do problema do componente inconsciente do raciocínio criador. A Heurística, desta forma, está situada enquanto ciência do futuro.

Setores da Biofísica e da Bioquímica que pesquisam o funcionamento das células cerebrais em nível molecular, podem vir a criar métodos de estudo do enigma do raciocínio criador, usando os meios de pesquisa da Psicologia experimental e da Parapsicologia.

Ebbinhaus, psicólogo alemão, definiu a atividade intelectual na solução de problemas, enquanto tendência intermediária entre uma ideia fixa e uma mutação de ideias. Ambos estes componentes constituem estados patológicos conhecidos em Psiquiatria.

Em toda mente sapiens há uma ideia central que exerce influência sobre as demais. É uma potencialidade voluntária do raciocínio, determina e comanda os fluxos associativos, impedindo que tal ideia central seja diluída. Ainda não se descobriu por que uma ideia comanda as demais. Acredita-se que isto só acontece com uma ideia objetiva, que dirige a atividade Psi de uma pessoa.

O “labirinto de Torndike” fornece uma pista. Após posicionado dentro de uma jaula, um felino doméstico sente-se inquieto, busca a todo custo sair. O comportamento desordenado de tentativa e erro substituiu por uma série de movimento seletivos que conduziam à saída. Depois de descobertos um cordão e um nó, com uma pata o animalzinho pressionou o nó e com a boca puxou o cordão, a porta se abriu e ele alimentou-se. Após algumas tentativas, a seleção conduziu ao êxito.

A solução pode ser simples em Literatura? Os amadores platônicos das Musas que estão enjaulados no labirinto da observação do processo criativo de outros autores, trabalhando seus textos com o objetivo de vê-los, um dia, publicados. . . Convenhamos: para um deles esse dia chegou. O livro está nas livrarias.

Para surpresa do autor, um ano depois a editora informa que o livro que ele imaginava ser uma joia rara de ficção, encontrou uma “meia dúzia” de quinhentos leitores. Ele que pensava sair do labirinto autoral e editorial, agora fica sabendo que o buraco da urna de leitores é mais embaixo.

O QUE FAZ ELE, AUTOR?

Vamos considerar uma resposta simples, seletiva: No Brasil não há, nas editoras, formação de leitores avaliadores da qualidade literária de um livro. Os editores avaliam um texto literário para publicação pelo fato do autor ter ou não participado de um programa de televisão tipo Big-Brother.

O jogo literário heurístico é uma espécie de xadrez. O autor pode chegar a manter-se numa situação mental, interior e externa, na qual não encontra motivações para criar e divulgar textos. Nada refresca. A conjuntura de dificuldades fortalece a paranoia. Com raras exceções, todos parecem estar interessados apenas em futilidades, ou em autopromoção. Nas patotas que escrevem sobre FC, um romance de um autor que não tem carteirinha da igrejinha deles, vale pouco, por mais méritos literários que tenha.

Pessoalmente, conheço um “autor” de FC em São Paulo, que escreveu uma rápida resenha elogiosa sobre um livro de minha autoria (A Mochileira) e algum tempo depois, escreveu um livro sobre autores de ficção científica, ignorando completamente meu romance, simplesmente porque eu havia criticado comportamentos pouco éticos do mesmo (e de sua patota) em um evento de ficção científica. A falta de ética dele, “autor de FC de patota” se confirmou quando “esqueceu” de mencionar meu livro simplesmente porque não sou chegado a panelinhas e camarilhas de patotinhas.

Felizmente nelas, patotas, de quando em vez, para temperar a mediocridade ambiente, há alguém que mostra sinais de vida e reage aos mecanismos paralisantes, autofágicos e pouco éticos. A patota faz questão de permanecer imune ao reconhecimento do talento literário de quem não estiver fazendo parte da corrente pra frente do tititi tatibitate que promove. Entre seus membros.

Todas estas variantes de informações fazem parte da dinâmica do jogo. O jogo literário, da mesma forma que o de xadrez, possui muitas variantes de lances. Ambos são jogados, ao mesmo tempo, num tabuleiro objetivo e subjetivo. Falemos do tabuleiro de 64 casas, 32 peças, com certo número de combinações possíveis: 10 elevado à 120ª potência. Este jogo, considerado pedra de toque da modelação do raciocínio, foi estudado por Binet, psicólogo francês autor do livro “Psicologia dos Grandes Calculadores e Jogadores de Xadrez”. O parágrafo a seguir é dele:

“Se possível fosse observar o interior do cérebro de um jogador de xadrez, estaríamos a observar um completo universo de sensações, imagens, ideias, emoções e paixões. Bem como o infinito turbilhonar de estados de consciência, em comparação com os quais, nossas mais pormenorizadas descrições não passam de grosseiros esquemas.”

Substitua-se os termos “jogador de xadrez” por “autor de romances” e teremos uma boa definição do que pode estar acontecendo no interior do cérebro de um escritor, com a dinâmica mental das personagens, com o enredo e as paisagens, naturais e emocionais, turbilhonando, com estados de consciências sendo alterados de acordo com a dinâmica da narrativa, a flutuação de ânimo dos e das personagens.

Não estou sugerindo que pessoas ligadas ao fazer literário sejam também bons jogadores de xadrez, mas a tese de Binet, de que é possível elucidar-se correlações entre memória e raciocínio lógico na atividade perceptiva desconexa (heurística), é aceita ainda hoje por cientistas de todas as áreas. O livro mencionado é de 1894.

Em ambos os jogos, no da literatura e no do xadrez, há a formulação do que se costuma chamar de “ideias práticas”. Elas vêm auxiliar o jogador ou o escritor, quando as disposições das peças, as variantes, num determinado momento do jogo, modificam-se de certa maneira, não de outra. Todo enxadrista conta com uma quantidade mínima dessas ideias. Elas são formuladas a partir de formações subjetivas da experiência, em que estão simultaneamente presentes a lógica e a intuição.

Antes de movimentar a peça no próximo lance, ele pratica uma série subjetiva de contra lances, prevendo as melhores e mais seletivas respostas do adversário. Tais operações intuitivas e lógicas efetuadas mentalmente, preveem os processamentos posteriores, antecipando, por vezes, 10 a 15 possíveis lances do opositor, para o qual também é indispensável o cálculo das variantes.

Por vezes é preciso abandonar-se uma ideia (não a “visão”), substituindo-a por uma nova sequência, em pleno desenvolvimento do jogo. As alternativas, não raras vezes, são complexas. A ideia fixa, que coordena as demais ideias nos estados limites, psicopatológicos, onde, por vezes, aflora a criatividade, é denominada “visão”.

O que em literatura costuma-se denominar de Musa ou inspiração, é a percepção (“insight”), a visão, a intuição de um romance, drama, conto ou poema. É possível que, para acontecer no papel ou no monitor, ela tenha de vir carregada de emoção, de vida, da força do estilo, da vontade, do ímpeto narrativo. Para Pound “bons escritores são os que sabem manter a linguagem eficiente”. Mantê-la eficiente também do ponto de vista dos leitores.

Cada autor que tenha tais qualidades presentes no texto (as de manter a linguagem eficiente) as páginas vão revelar beleza e verdade. O momento maior da atividade literária, é o romance, quando lido ou visto (através de outra linguagem, cinema ou teatro) por leitores e/ou espectadores espiritualmente gratificados pela ficção: para eles se escreve, presumo.

Escrever um romance não é, definitivamente, uma atividade de banheiro. Os descascadores de banana (bajuladores de patota, intelectuais de coquetel, organizadores de “portfolios”, colaboradores contumazes de fanzines) mais cedo ou mais tarde, vão tirar o cavalo da chuva quando, finalmente, descobrirem isto.

Em xadrez e em literatura, posições idênticas, na memória heurística do jogador, podem ou não conduzir à vitória, ou à redação de um bom romance. Isto não quer dizer que a visão inicial, a percepção das variantes não estava correta, mas que, em certa sequência de lances, não pôde ser idealmente desenvolvida. O êxito é a meta que nem sempre pode ser alcançada no xadrez e na literatura.

Em ambos existem segmentos variacionais. Não é um jogo fácil a obra literária ideal, mesmo com relação a padrões pouco exigentes, de autores fixados em determinado modelo fechado de personagem e ação narrativa. O estudo da ação heurística permite o conhecimento de algumas constantes da atividade intelectual sapiens. E da criativa.

A Cibernética nasceu e cresceu a partir dos estudos da teoria dos processos heurísticos, base dos processos informativos de solução dos problemas de programação. A mente sapiens e a CPU do computador usam a mesma estrutura simbólica na resolução de problemas.

A teoria da atividade mental sapiens é, simultaneamente, a teoria de funcionamento dos computadores. É uma teoria do comportamento. Na mente sapiens há a possibilidade de criação, de transformação heurística interna da informação (criatividade).

Em “2001, Uma Odisseia no Espaço”, o computador de bordo, Hall, “sente”, pensa, conversa, é paranoico, e quase chora ao ser desligado, ocasião em que implora ao astronauta que não o desligue. Alega que andou realmente meio trôpego, mas que agora está tudo bem, voltou ao normal. À proporção que vai sendo desativado, regride, como qualquer ser humano pode regredir, à fases mais anteriores do “psiquismo”, chegando a cantar uma canção infantil que havia “aprendido” do programador.

VÁ À LUTA: A BELEZA E A VERDADE DO TALENTO NÃO VIRÃO APENAS PELAS VIAS INDIRETAS DO CONHECIMENTO

Em literatura, a memória emocional do autor, parece ter grande influência no processo de criação. A diferença entre autor criativo e autor de plágios literários, está em que o primeiro escreve a partir do exercício da experiência social e emocional, enquanto o segundo escreve apenas a partir de uma fonte indireta de sensações, provenientes das obras de terceiros. Talvez tenha sido sobre isto que Da Vince quis referir-se quando afirmou: “Quem pode ir à Fonte não vai à água”. Ou Parker quando disse que “o escritor tem de estar consciente da vida à sua volta”.

Um autor original, presumo, constrói uma sequência de situações, de modo a fazer com que suas personagens percorram a travessia do labirinto das histórias a partir da iniciativa de uma vivência pessoal fora dos padrões “frios” (indiretos) de obter informações.

Padrões “frios” são leitura e visualização de livros e filmes. Em outras palavras: gozar com a banana dos outros.

Talvez seja isto que queira dizer o personagem Mulder da série Arquivo X, quando fala a Scully a frase que serve de slogan da série: “A verdade está lá fora”. A verdade e a beleza da experiência, sem a proteção das estruturas culturais (tipo patota) que fazem da maioria das pessoas, burocratas dos currículos, familiar e escolar, padronizados. Tais pessoas, até quando viajam, obedecem a um roteiro turístico com horários estabelecidos à cartão de ponto.

De onde poderão surgir histórias inéditas e novas estratégias de narração? De uma (falta de) imaginação viciada nas sensações indiretas, através da leitura de terceiros e da contemplação visual de imagens cinematográficas e tv visivas? Nietzsche advertia que a leitura é essencial à formação, mas que chega um certo momento em que ela se torna prejudicial à imaginação do leitor, enquanto mero receptáculo, incapaz de ser ou ter, uma ideia que seja, sua, original.

Céline dizia ter uma certa superioridade sobre as pessoas com quem convivia que eram, no final das contas, após caído o véu da aparência, podres, já que estavam sempre fazendo, domesticada mente, as coisas que qualquer animal de estimação faz: beber, comer, arrotar, fazer amor, ir ao banheiro, apenas um monte de coisas que deixam um cara vazio e tolerante. Um pai de família. Um batedor de cartão de ponto.

O cérebro sapiens é um substrato material do processo heurístico, criador. Precisa de experiência ampla, direta (“A verdade está lá fora”), não-convencional. Não fosse desta forma, todo projeto de autor que tivesse tempo disponível para ficar lendo, espairecendo, escrevendo e reproduzindo os estilos narrativos de terceiros, poderia chegar a criar obra inédita a partir do nada emocional, ou a partir de “emoções” domésticas, esse arquivo vazio da inexperiência e do narcisismo.

Ora, se a matéria prima do escritor é a vida emocional profunda, ampla, atual, de suas e de seus personagens, ele deve se habilitar a pagar um preço por ela. O preço de sair debaixo da saia do esquema protetor, qualquer que seja, que lhe paga as contas, para arriscar-se fora do contato do cobertor quentinho e convidativo, mas inapropriado ao criador. Ele deve ter, presumo, a coragem de escolher entre ser um criador ou um burocrata existencial que escreve estórias “déjà-vu”.

Inexiste nas universidades, inclusive nas do 1º Mundo, Faculdade de Heurística, um Curriculum que habilite um aluno à tarefa de escrever boa ficção. Há a de Letras, mas essa, segundo opinião de algumas pessoas de meu conhecimento, esmaga os possíveis talentos literários, submergindo-os no estudo burocratizado da narrativa ficcional.

O componente inconsciente da ficção, do raciocínio criador, não surge, acredito, do vazio emocional, das estruturas de aprendizado fechadas (“Obra Aberta” Umberto Eco). Pode alguém ser um escritor, ainda que menor, se não possui nenhuma vida própria fora do esquema curricular da família, da escola, da igrejinha da patota?

Sem trabalho emocional pertinente, presumo que seja impossível que surjam, nuas, belas, dadivosas, voluptuosas, pornôs, recatadas ou viçosas, as Musas da inspiração. Como a parte do trabalho heurístico, criativo, inconsciente, pode acontecer, se o projeto de vida do escritor não confirmar sua veracidade?

Podem, beleza e verdade ficcionais, surgir de um leitor compulsivo de obras de terceiros, sem a presença da paixão pelas pessoas e personagens enquanto experiência da realidade? Antônio Cândido, em “A Personagem do Romance”, citando Forster, estabelece que a personagem fictícia deve lembrar um ser vivo, manter certas relações com a realidade do mundo, participar da ação e da sensibilidade da vida. Deve expor os motivos da ação dos seres, estabelecer e ilustrar o jogo das causas, descendo às profundidades reveladoras do espírito.

Conheço projetos de autores identificados com a quantidade, não criam, copiam, de debaixo da guarita aquecida e confortável de seus cobertores, personagens verossímeis, dentro de uma estrutura organizada e coerente, mas plasmada no plágio de um gênero literário fechado, com personagens caricatos, aproveitando-se da realidade ficcional de autores terceiros. E querem ser tidos e havidos por originais.

“MÔNADAS”, “MUSAS” E OUTRAS “MENINGES”

Pode haver emoção sem vida emocional? Pode uma árvore nascer e crescer no jardim de sua mente, casualmente, sem que você se tenha dedicado ao seu plantio e desenvolvimento? A emoção de ter vida e luz próprias, e poder doá-las a personagens da obra ficcional, deve e pode ser, presumo, o princípio interno de realidade que motiva a criação e o interesse de um amplo segmento de leitores. Este mistério ficcional, vida e luz próprias, beleza e verdade, é a essência de que é feita a arte e a ciência da ficção. Não apenas da ficção realista. Da científica também.

Kant denominava “obscuras” as ideias inconscientes, ao resumir em sua “Antropologia” a interpretação de Locke (não o Locke, personagem de “Lost”) da atividade inconsciente. As ideias conscientes ele as denominava “claras”. Fechner, ao estudar a Filosofia de Leibnitz, interpretava as ideias inconscientes enquanto produto das “mônadas”, microscópicas entidades espirituais, responsáveis pela atividade inconsciente da alma do homem e do mundo. Evidente que elas, mônadas, saíram logo de moda. E argumentação. Não tinham base científica.

As opiniões e pesquisas de Pierre Janet são consideradas ultrapassadas. Ele explicava a atividade inconsciente da mente sapiens pelo metabolismo de emanações fosfóricas entre determinados centros do córtex e das meninges cerebrais.

No livro “Automatismo Psíquico” publicou os resultados de uma pesquisa com pacientes hipnotizados que, simultaneamente, faziam um relato verbal de suas vidas, enquanto multiplicavam com as mãos, números de três por dois dígitos, sem olhar para o papel e sem concentração aparente.

Ao confirmarem os resultados dessa experiência, cientistas definiram a mente enquanto atividade psíquica informatizada e informativa, mais do que apenas centro de atividade fisiológica consciente. A atitude heurística inconsciente é uma qualidade superior da mente, ao contrário do que sugere o subtítulo do livro de Janet: “Formas Inferiores da Atividade Psíquica do Homem”.

“Tio” Freud explicava o surgimento dessa atividade inconsciente através da repressão dos instintos, devido à necessidade do Homo sapiens, na aurora da civilização, ter de viver em grupo visando a mútua proteção contra o ataque de animais ferozes e/ou de outros grupos de seus semelhantes.

As manifestações agressivas de natureza instintiva, sexual, tornariam impossível uma convivência gregária. Civilizada. Sentimentos, pensamentos, emoções características do comportamento criativo sapiens, ainda agora, no limiar do 3º Milênio, seriam produtos dessa força reprimida. Agressiva.

A teoria da História afirma que o homem se originou de mutações do animal gregário de rebanho, o macaco, sendo, desde a aurora da espécie, um ser social que vivia em grupos para satisfazer necessidades de alimentação, habitação, reprodução e vestuário. A mim parece claro que ambas as teorias não se excluem. O animal de rebanho convive com instintos reprimidos, mas raros membros do grupo os transformam em arte.

A afirmação de “tio” Sigmund de que qualquer atividade de criação, científica ou artística, é resultado da sublimação do impulso sexual da libido, não revela a mecânica da ação heurística inconsciente, mas refresca as tentativas de se compreender a força que motiva a capacidade do cérebro a criar modelos interpretativos, ficcionais, até então inexistentes na realidade.

“POR MAIS QUE TUDO MUDE TUDO CONTINUA IGUAL”

Digamos que no limiar do novo milênio a atividade heurística literária estará ligada a uma nova modelação mental, à condições seletivas neo elaboradas à partir da necessidade de incluir no processo reflexivo, neo informatizado (globalizado) da mente, um modelo de criação heurístico que, em literatura, possa ajudar às novas gerações, a se adaptar aos novos padrões perceptivos que mal são compreendidos e ordenados por seus genitores.

Os novos autores (por favor, não estou reportando-me à idade cronológica), devem e podem inovar a narrativa formal, ou a invenção dos textos literários, a partir de um componente essencial: a experiência de vida não burocrática, informal.

Quando uma criança frequenta o pré-primário, ela está abrindo nichos propícios, no espaço neural da mente, que são as chaves para a entrada de conhecimentos posteriores: primário, secundário, a níveis acadêmico e autodidático, superiores.

Como pode um autor criar nichos mentais/emocionais/intelectuais

propícios à eletividade da criação literária, se esta exige mais, muito mais, para ser exercitada, do que é capaz de ensinar a academia do ensino burocratizado?

A vida das e dos personagens sugere conhecimento autoral enquanto motivação de suas existências. Em não sendo desta forma, o autor, apenas reproduzirá modelos humanos, de paisagens emocionais e narrativas, anteriormente presentes na literatura.

Um autor, no limiar da segunda década do 3º Milênio, precisa, presumo, sentir do fundo do coração, a necessidade de ter uma experiência de vida informal, fora do pré-primário existencial das academias, dos assentos das carteiras das faculdades, dos discursos semiológicos a-patéticos. O romance Holocausto Nunca Mais (PsiCity), sugere um caminho para se sair deste impasse acadêmico e exercitar-se no aprendizado da emoção da experiência do conhecimento: da Fonte e da água, simultaneamente.

O autor precisa aprender a redigir páginas ainda não redigidas. O que não falta atualmente, inclusive no mundo literário da ficção científica, são autores prolíficos em redundância literária, a reivindicarem uma estética narrativa com personagens de segunda e terceira mãos.

VINTE DÉCADAS EM NOVE

Algum ouvinte ou leitor mais atento poderá pensar, de maneira pertinente, indagando de si para consigo, se estou defendendo uma utopia. Conseguir um distanciamento da realidade apto a gerar obras literárias inéditas, com personagens que orientem um posicionamento mental mais adequado às leis subjetivas mal percebidas pelo nível consciente da realidade mental atual das pessoas, é uma tarefa messiânica? Precisariam tais autores, de uma vida de cento e cinquenta a duzentas primaveras, quando se sabe que uma vida sapiens/demens ativa, longa, dura 90 anos, se tanto.

Que modelo de realidade pode agenciar um autor para obter a credencial impossível de, para escrever literatura pertinente, numa existência de 90 anos, gerenciar heuristicamente conhecimentos adquiríveis apenas em um século e meio a dois séculos? Uma primeira resposta para esta pergunta:

Viver uma existência sapiens/demens adquirindo conhecimentos, simultaneamente, nos universos paralelos da formal e da informalidade (da Fonte e da Água). No campus de Pindorama: lendo livros. Desenvolvendo as conexões sinápticas aptas e pertinentes a um aprendizado de campo que o habilite a criar modelos alternativos de pensamento, interpretação da realidade fora dos fanatismos de fãs que fazem de seus ídolos marionetes sem defesa da própria individualidade. Projetada. Coletivamente: a ditadura da sexualidade indefinida. Ou definida conforme a provisão emocional, instintiva, sentimental, da demanda do dia.

O modelo-padrão do casal neo-pós-moderno: A sociedade das mídias cria, através delas, mídias, uma superestrutura PSI de motivação e ao mesmo tempo de policiamento, da percepção pessoal e coletiva dos membros de uma sociedade escravizada pela ingenuidade de suas motivações de ordem afetiva, física (e perceptiva). O primitivo casal neomoderno, Barnes e Wilma, vestido segundo as melhores indicações de grifes europeias, desfila seus modelitos nos restaurantes dos Jardins, neo domesticado, pós-infantilizado, pelas demandas da sobrevivência pequeno-burguesa. Divulgadas nas mídias. A TV. Principalmente.

Não sei se é preciso coragem para vivenciar esse paradoxo: viver a liberdade perceptiva, ou submergi-la na argila que é moldada segundo os interesses das tendências comportamentais do mercado. Qual o artigo do dia? Você deve seguir a tendência fundamentalista da moda. Qual o olhar mais soda? Limonada?

Se há sobreviventes da inteligência, ainda é possível questionar os conhecimentos formais fornecidos nos estabelecimentos de ensino. Ninguém questiona os modos de sobrevivência das democracias capitalistas? Os sobreviventes da inteligência são raros. Os instintos do boi, O sentimentalismo da vaca, o voo de inteligência da Águia é o menos valorizado.

Os pensamentos da Águia não são parte de uma experiência de aprendizado acadêmico. Todo mundo saindo em busca do mago Don Juan após a leitura dos livros de Carlos Castanheda é mais apropriado às percepções da Águia, do que o conhecimento estilizado pelo tédio nas faculdades de Humanas. A exemplo.

Os modelos burocráticos do aprendizado acadêmico. Os modelos acadêmicos dos aprendizados burocráticos. Você é capaz de viver ao mesmo tempo sua vidinha cheia de horários e regrinhas, e a vida paralela, virtual, que há em você? Você acha fácil ser você, ao mesmo tempo em que partilha consigo mesmo, e com outras pessoas, as existências virtuais que normalmente não são sequer subjetivadas, e muito menos existencializadas? É fácil saber? Você?

Um projeto de autor pode até compreender a diversidade de personagens que existem em seu universo mental, mas isto não basta. Ele terá de ter a coragem de enfrentar a situação problemática de ter de migrar para fora dos limites das cobertas quentinhas da caminha dentro do quartinho, de sair do mundinho multimídia, do convívio zinho domesticado com a mulherzinha, o filhinho, o multicanal, o vídeo e a tv visão. Ou seja: saltar fora das mordomias da sala de jantar...

Mas as pessoas da sala de jantar/São as pessoas da sala de jantar/Mas as pessoas... vão nela ficar? Agora nem tem mais sala de jantar. Ela agora passou a ser em todo e qualquer lugar. Cibernética. Globalizada.

A inteligência, presumo, deve saber transmitir emoções autênticas: alegria, tristeza, dor, beleza, regozijo, inteligência, apatia, burrice, sagacidade, cretinice, caráter (e outras demandas que não se compram com reais). Por isso, a grande maioria das pessoas, as que não exercitaram certa liberdade de aprender a usar os neurônios, vive e sobrevive de sentimentos de segunda e terceira mãos.

Autor: a vida de suas e de seus personagens deve poder sugerir modelos verdadeiros, de gente de carne, osso, sangue, mergulhando fundo não na teoria apenas, mas também e principalmente, na prática da sensibilidade, dos sentidos, dos problemas, das soluções possíveis.

A fórmula de Faulkner para uma pessoa interessada em literatura vir a se tornar romancista é simples de enunciar, mas não tão simples de praticar: 99% de talento, 99% de disciplina e 99% de trabalho. Para ele, a única responsabilidade do escritor é escrever. “O resto, vai de água abaixo: honra, orgulho, decência, segurança, felicidade, tudo, para que o livro seja escrito.”

São suas as frases: “Se um escritor tiver de roubar a mãe, não hesitará. Ode a uma urna grega, de Keats, vale mais do que qualquer punhado de velhas. A arte do romance não tem nada a ver com paz e alegria.”

Um Autor deve ser, presumo, um pouco messiânico, correr o risco de ser visto e havido por louco, pirado, bêbado, talvez drogado, trabalhador e vagabundo, certinho e fora dos padrões, ignorante, formal e informal, vivenciar suas próprias personagens de ficção, sua própria criação emocional, os desdobramentos, caricaturais ou não, de sua vida. Buscar a ousadia, real e a suposta, de Bruna Surfistinha, é um caminho muito mais adequado à motivação do pensamento, do que cursar uma disciplina numa faculdade com um corpo docente dedicado à infantilização fundamentalista e burocrática dos alunos. A discente sentada na cadeira da mesa do bar da esquina que é a carteira da sala de aula de uma faculdade. Com mestres acadêmicos dedicados a fazer o discente perder quatro anos em busca posterior de passar num concurso público.

Se ousar ou não ser Surfistinha, verá que o distanciamento da bitola que outras pessoas representavam, com maneiras de ser, por vezes, acadêmicas e burocráticas, à cartão de ponto, são apenas alternativas de vida, cômodas, mas inapropriadas para um autor de autênticos textos literários. Tanto para a Bruna, como para a Surfistinha, tudo que elas têm vem do sal. O mercado consumidor gosta da zona sul do corpo, parte posterior da espinha dorsal. Você quem sabe se a comercialização de partes de seu corpo é ou não é uma atitude de conceder-se à sujeição de terceiros.

Um autor que queira escrever para novas gerações, não deve temer os questionamentos e as críticas dos que precisam se sentir sempre iguais. Se temer ser diferente, como poderá ter uma visão, senão padronizada, de si mesmo, do sapiens/demens rebanho? Um autor que vale este nome não será mais uma cabeça domesticada da horda, fiel ao pastor ou ao bispo da igrejinha. Da patota. Com carteirinha do clube da esquina e tudo. E a tudo o mais a que não tem ou terá direito.

A coragem de ser estigmatizado e alvo de críticas, fará com que fique sabendo o que significa manter-se firme no propósito alquímico de realizar a grande obra: espiritualizar-se em níveis adequados de percepção é, talvez, uma exigência do talento. Nem só de loas vive o homem, nem da proteção quentinha do cobertor listrado. Sobre o sofá aquecido da sala de jantar. Ou da caminha. Caminha, Caminha! Que fazes ainda aí?

A meta do escritor atual de criar um romance nos dias de agora, onde as pessoas são transformadas em meras extensões de interesses consumistas, é um desafio, uma quase impossibilidade, um Santo Gral de difícil conquista. Vejo a literatura como obra heurística, subjetiva, objetiva e mágica, que supera os efeitos paralisantes de uma vida média sapiens/demens. E de suas rotinas.

Conseguir a virtual e quase impossível experiência mental de dois séculos, no período mediano de vida, manterá o escritor tão jovem quanto os que, cronologicamente, atingiram a puberdade. A coragem de navegar pelos mundos da subjetividade inconsciente e neles não se perder, selecionar o que interessa enquanto material criativo, é um privilégio considerável. Você, projeto de autor, vai correr os riscos? Então saia da saia justa dos esquemas adaptativos, ou terminará, talvez, cantando “A Canoa Virou”, com a "Patotinha".

A tarefa de entrosar conflitos, interesses e necessidades, reais e virtuais, de pessoas ou grupos, em conjunturas narrativas as mais diversas, não pode ser realizada por autor que se contenta em vivenciar apenas indiretamente tais realidades. A liberdade é uma conquista. Não pode ser doada de presente. De aniversário ou de Natal. Você não pode conhecer as engrenagens do mundo, saber influenciar os outros no sentido de obtê-la, se não a proporcionou a si mesmo.

Seja seu próprio personagem. Conquiste sua liberdade.

Transforme-se, de uma pessoa de ficção numa pessoa real.

O truque de Forster para transformar uma pessoa real numa personagem de ficção é lembrar-se dela enquanto descreve por completo suas características. “Fico então com 2/3 de um ser humano e me ponho a trabalhar”.

Simenon acreditava que o artista não poderia jamais ser feliz. “Se um escritor tem um ímpeto de se tornar autor, é porque necessita encontrar a si mesmo através de seus escritos. Qualquer pessoa que pode fazer outra coisa deve fazer outra coisa. Escrever não é uma profissão, é uma vocação de infelicidade". Esta afirmação é um tanto quanto radical. Mas possui um quê inquestionável de verdade. Ou, pelo menos, de advertência. Criar não é uma tarefa para expoentes de patotas. Em busca de reconhecimento e aplauso.

Não apenas olhar para dentro de si mesmo, mas também para dentro dos outros com a experiência que tem de si mesmo. O romancista tem de mostrar o homem como ele é, e não o homem da propaganda. Não me refiro apenas à propaganda política.

Refiro-me ao homem estudado (acadêmico) da sala de jantar, um homem que não tem nada a ver com que o homem realmente é. O homem máquina, fabricado pela propaganda das mídias, está longe de ser um Ser humano.

Repete-se a dica de Rimbaud: “O Poeta Torna-se Vidente Através De Um Longo, Imenso E Racional Desregramento De Todos Os Sentidos”. Os sentidos do intelectual de debaixo do cobertor, com vidinha regrada, revista e medida, é insuficiente para despertar a existência dinâmica dos “órgãos fisiológicos” do sistema nervoso central, responsáveis pelo processo criativo de descoberta heurística, multidisciplinar, multi interativa, da mente.

Se você deseja conseguir ser mais do que um bibelô da sala de jantar, trate de abrir caminho para sua própria "Estação no Inferno". Quem sabe você também alcance como conseguiu Rimbaud, suas "Iluminações".

ELETRÔNICA CÓSMICA A NÍVEL QUÂNTICO

Os fisiologistas Lieontiev e Urhtomsky chamaram a atenção para a existência de peculiares “órgãos fisiológicos do sistema nervoso”. Eles são um fator central dominante que possui a propriedade de catalisar todos os estímulos que atuam nos órgãos sensórios. Através deles a mente sapiens/demens vive e convive com todos os acontecimentos e fenômenos perceptivos. Quem deseja aprender com, e sobre, os processos criativos, precisa se adaptar à vidência desses processos criativos fora do jargão estritamente “científico” e aceito pelas teorias acadêmicas.

Esses “órgãos fisiológicos” são centros nervosos de alto estímulo, que só podem ser usados em condições especiais de sobrevivência. Eles estão localizados em todas as áreas cerebrais, ligados entre si, disponíveis para a solução de problemas científicos e/ou literários. Esses centros nervosos formam uma convergência de interesses, dinâmica, diferente dos demais estáticos órgãos anatômicos. A nova ciência fisiológica denomina órgão, não apenas a algo morfológico, com propriedades estáticas, mas a um conjunto de forças que conduz a idênticos resultados.

No livro “Problemas do Desenvolvimento da Psique”, Lieontiev mostra que o centro nervoso do cérebro sapiens/demens e de outros animais, é um ímã que atrai para si, e seleciona, estímulos não diretamente ligados a determinado problema de criação (heurístico). Este modo aleatório de seleção no mundo científico é conhecido pelo nome de “maçã de Newton”.

É algo semelhante ao que acontece na mente de cães farejadores que preveem a localização futura do animal acossado, e correm para ela (localização) numa direção e velocidade tais, que permite encontrá-lo e interceptá-lo em sua trajetória. O faro é apenas um dos elementos dessa propriedade explicada pela noção fisiológica do reflexo condicionado. Sabe-se que, para a formação deste, é indispensável certa quantidade mínima de reflexos incondicionados.

Quando o animal atormentado pela matilha conta com propriedades mentais instintivas superiores aos perseguidores, ele cria o que, em pesquisa científica denomina-se “ilusão de orientação”. Os perseguidores dirigem-se a locais onde o animal deveria certamente estar, mas nada encontram. A patota que persegue desorienta-se. O modelo dinâmico, heurístico, informativo, do animal supostamente vítima do instinto persecutório de seus perseguidores, prevê toda a rancorosa, covarde e gratuita sanha da matilha (da patota). E ela fica sem nada.

Como diria Mário Quintana em poeminha: "Todos os que aí estão/Atravancando o meu caminho/Eles passarão.../Eu passarinho!". A patota, enquanto busca um cão, não vê a Águia. Que não é, exatamente, um passarinho.

Por vezes os fenômenos heurísticos acontecem para além das possibilidades e limites da consciência, simplesmente porque não correspondem aos fatos conhecidos pela Psicologia e pela Neuropatologia. Há uma complexa atividade mental que não se relaciona com a fala.

Há um murmurar Psi do qual a mente sapiens/demens desconhece a Fonte. A locução por hipnose e os fenômenos da escrita automática são exemplos. A exemplos de personagens do livro mencionado Holocausto Nunca Mais (PsiCity).

Os anatomistas afirmam que cada sentido está ligado aos respectivos campos. Perturbações e ausência de funções, devido a lesões, atestam isso. A atual pesquisa demonstra que é igualmente verdadeiro que esses campos não são delimitados, que a modelação cerebral não difere do esquema cibernético, funciona como um processo intracortical de regulação.

A atividade consciente é consequência da ação recíproca do regulador do córtex e dos modelos informativos do cérebro. Esse modelo regulador, estruturado para a solução de problemas domésticos, conscientes, burocráticos, científicos, literários, pode funcionar de forma autônoma, fora do controle do regulador consciente (o sofá, a escola de má qualidade, a faculdade, a família desestruturada, o emprego sem salário: fatores que conduzem ao estresses. À consciência de viver sem autoestima. Sem valores). Quando isto acontece, está a atuar a atividade heurística inconsciente. E o processo de criação literário precisa usar o subconsciente de modo a afirmar a consciência.

A consciência enquanto fator de mediação entre percepção da existência e criação alternativa dela. Existência.

Se as instituições sociais estão corrompidas a ponto de não mais distinguir valores éticos, então cabe à sociedade buscar uma fonte de alimentação desses valores que as instituições políticas não mais fornecem. Ou então serão apenas um bando de sobreviventes mortos-vivos em mãos de sádicos grupos fascistas que os explorarão até o último estertor.

Inexistem dados experimentais que expliquem completamente como funciona a estrutura desta linguagem especial, incomum, heurística, inconsciente, infra e, possivelmente, paranormal. Extra cortical.

Não existem métodos para treinamento da capacidade de apreensão das mais essenciais correlações que constituem, no jogo de xadrez, e na criação de um romance, a característica dos grandes mestres da técnica do jogo. E do jogo da técnica e da arte de escrever. Escrever para o mercado de um mundo novo, daqueles que não desejam ser vitimados pelas mídias. As de conteúdo direcionado. Fascista.

Todas as riquezas em todos os lugares devem, constitucionalmente, servir aos interesses da sociedade e nunca apenas ao interesse concentrador de grupos que saqueiam os recursos públicos para seus paraísos fiscais. Para encher as burras, pessoais, financeiras e econômicas, com a riqueza gerada por toda a sociedade. Concentrando essa riqueza de forma criminosa.

O mundo inusitado, criativo, daqueles que depois de mortos pela pressão dos paradigmas passados, ousam voltar à vida, pode ser disseminado socialmente em direção à percepção do conceito de liberdade pessoal. Há muito perdido pela coletividade.

Individualmente o homem pode salvar-se. Se ele não se salvar primeiro, como poderá ajudar na salvação de terceiros? Do planeta? Não há nada de anormal, patológico ou messiânico nisso. É o ideal pessoal mínimo. Sem o qual o homem que deseja superar essa condição de escravo (da família, das instituições caducas), jamais poderá saber o que é liberdade. Individual e coletiva.

Sair das tumbas das famílias. Sair do buraco (da caverna moderna) onde cresce a influência visual do condicionamento de seu entretenimento sem nenhum caráter. O mundo precisa de entretenimento. De qualidade. De educação. De qualidade. E não venham dizer que não sabem o que é isso. É a inusitada demanda literária, docente, pela qualidade de vida. Essa demanda sem a qual o país se afundará num mar de demagogia, mentiras rituais, corrupção institucional a partir do pântano neomoderno da Praça dos Três Poderes. Em Brasília. DF.

As ditaduras africanas que caminham em direção a meio século de dominação atroz e sádica de seus habitantes, maioria dos quais jamais saberá o que significa cidadania, começar a balançar e cair. O déspota do Egito, Rosni Mubarak, consta possuir um patrimônio familiar de nada menos de U$ 70 bilhões. Os governos de autoridade excessiva, despotismo e tirania não devem ser tidos e havidos por democráticos. Tal como a democracia presidencialista brasileira.

O déspota presidente da Casa Grande Senado, José Romão Sarney, continua montado na cela sobre a poltrona do trono fascista de “Rei do Senado”, numa mostra de que um grupo político de orientação fascista impõe ao país sua presença indesejada, funesta, autoritária, fundamentalista. Não podem ser considerados democráticos os processos institucionais, através dos quais os parlamentares fascistas mantiveram essa múmia na presidência da Casa Grande. Senado.

Denunciar essas patotas que não representam a democracia, não costuma ser coisa nossa. Coisa nossa é “deixa pra lá para depois vê como é que fica”. Coisa nossa é ir se omitindo da responsabilidade de fazer com que os interesses sociais sejam respeitados. Os interesses constitucionais. E não os interesses fascistas, localizados, das patotas. Políticas. Nem a Reforma Política estão dispostos a fazer. Imagine o leitor, se vão fazer a Agrária. Ou a da Educação.

E a Reforma da Mente? Da Saúde? Dos valores sem os quais a civilização perdeu simplesmente seu tempo, seus recursos, sua meta, seus objetivos? Sua história! O cérebro é um órgão de autorregularão, segundo a opinião do cientista Nobel em Física, Pauli. Ele descobriu que o “princípio quântico de exclusão”, os três tipos de partículas que formam a matéria (elétrons, prótons e neutros) têm de satisfazê-lo. Ele é a razão fundamental para muitas das propriedades características da matéria: desde a estabilidade de seus componentes, até à existência da regularidade expressa pela tabela periódica dos elementos.

O inconsciente expande-se para além da terapêutica, como se fosse um “universo em expansão”: um complexo sistema cibernético ao modo de uma “eletrônica cósmica a nível quântico”. A que níveis de excelência poderia atingir uma mente, pessoal e coletiva, que não estivesse motivada a ser exclusivamente dedicada ao pessoal torcedores de jogos de futebol? E tocadores de vuvuzelas?

Segundo as mais atuais teorias físicas, algum princípio universal desconhecido das pesquisas sobre o cérebro, motiva a mente inconsciente a buscar e encontrar num algures indeterminado, soluções para complexos problemas científicos e literários. O romance A MOCHILEIRA (Thundra) detém-se no uso quotidiano de algumas destas teorias, mostrando como funcionam, na prática, em ocasiões de reuniões (livres) de grupos.

As pesquisas mais atuais indicam a inexistência de força específica que, de fora da mente, contribui para o raciocínio heurístico. Tais pesquisas confirmam a auto regulação da atividade do córtex que indica ser o raciocínio uma fusão da intenção do regulador da reflexão, ou modelação, com as condições de solução do problema: no tabuleiro do xadrez, no papel ou no monitor em branco da literatura.

O dirigido e o dirigente são inseparáveis. O processo heurístico de raciocínio e criação não teria solução através da contribuição de um hipotético agente externo, mas num modelo mental, de nível intelectual elevado, que gerencia a atividade heurística na direção lógica certa. O enigma do componente inconsciente neste processo prossegue sem solução “burocrática”, de pesquisa laboratorial.

Dê uma oportunidade à sua estrutura PSI de trabalhar em seu favor. Lute e ganhe a luta pela melhoria das condições insalubres nas escolas e academias que hoje são escolas e academias do aprendizado da revolta e da anarquia. Preparação para o ingresso dos alunos na prostituição e no narcotráfico. Ou em mais outra quadrilha que mata, assalta, rouba, sequestra, trafica, em nome das oportunidades didáticas que lhes foram negadas na infância e na juventude. Pelo sistema dito democrático e seus parlamentares tiriricas. Com um ensino fundamental, médio e superior orientados para a venda aleatória de serviços sociais e os afazeres do faz-de-conta.

Não vejo muita diferença entre esses sistemas políticos africanos governados há três ou quatro décadas pelo mesmo sátrapa (a Líbia, p. ex.). A Itália de hoje parece estar sendo influenciada politicamente pela antiga cidade grega de Síbaris. A alfândega de Síbaris liberava toda mercadoria que fosse supérflua, e suas polícias começavam a trabalhar apenas após o meio-dia.

O bestialógico discursivo do Sátrapa, que hoje corresponde à figura política do Primeiro Ministro italiano, era tolerado. E incentivado. Igualzinho ao comportamento de palanque do ex-presidente Analfabeto. As democracias, principalmente as latino-americanas, possuem a orientação sistêmica das tiranias, algumas, ainda, em franca vigência num mundo que se quer civilizado: Mubarak (Egito), Ahmadinejad (Irã), Gabão (Omar Bongo), Sudão (Omar Al-Bashir), Líbia (Gadafi), Ceausescu (Romênia), Zimbabwe (Mugabe), Angola (dos Santos), Guiné Equatorial (Mbasogo), Tunísia (Bem Ali), Burkina Faso (Campaoré), Jong II (Coréia do Norte), Otunbayeva (Quirguistão), Lukashenko (Biolorussia), . E outras. Muitas.

Característica de todas elas: concentração de poder, de renda, e sucateamento do coração e da mente (pela demência da programação midiática da tv) da maior parte de suas populações.

Quem sempre defende as tiranias, enquanto último recurso para manter no poder político, econômico, jurídico, institucional e emocional da sociedade a oligarquia Sarney presidente da Casa Grande? Personagem político caricato nacional, onde houver uma vantagem, uma prelazia, um conchavo para manter alguém da família no poder, uma vice-presidência oportunista, uma presidência necrófila, um complô de sinistra memória que o manteve no cargo público motivado por interesses de patota... Aonde houver uma mostra de controle político do Judiciário, estará também presente a intervenção oligárquica do principal déspota da família de José Romão Sarney.

Aonde houver uma maracutaia conforme princípios do ilícito e da ilegalidade, a oligarquia Sarney estará presente. Demonstrando à sociedade brasileira que sua vontade e afirmação de poder político é mais forte, e que prevalece juridicamente, mais do que a Constituição. As oligarquias do comando, controle e comunicação da sociedade, abusam da passividade e da aceitação social de seus desmandos. Porque a “A Praça É Nossa Dos Três Poderes” trabalha pela institucionalização de seu processo histórico comprovadamente corrupto. Fálico. Falido. Pessoal e coletiva mente.

Domingo, dia 27 de fevereiro de 2011: 576 dias de censura jurídica ao ESTADO. A mordaça judicial prevalece desde 31/07/2009. A vontade pessoal de imposição paleolítica da política do presidente da Casa Grande Senado, patriarca da oligarquia José Romão Sarney, prevalece mais que as Lei Magna, a Constituição. Onde está a cidadania dos brasileiros brasileiros???

A resposta à pergunta “quem sempre defende as tiranias, enquanto último recurso para manter no controle da sociedade seus tiranos políticos? — Os militares. Eles sempre pegam em armas sem que defendam os grupos de interesse majoritário da sociedade que lhes paga o soldo das mordomias aquarteladas. Eles estão estruturalmente em favor dos déspotas. Os tiranos são seus aliados desde as mais caducas dinastias. Orientais.

Como sair fora, de dentro desses interesses políticos e econômicos de dominação própria das comunidades bárbaras? Anteriores à disseminação do microcomputador pessoal? São diferentes as atividades mentais do ser humano e as atividades de uma CPU de computador.

O homem pode ver-se diante de situações nas quais não possui nenhuma experiência anterior. Quando isso acontece só resta tatear, mais ou menos às cegas, em busca de experiências que conduzam à solução. Como encontrar as rotinas dessa experiência que liberta, se você, sua descendência, permanecer numa escola onde se ensina o obsoleto, ou sentado no sofá da sala de estar vendo os parlamentares tiriricas, todos muito fascistas, manterem uma múmia política presidindo a Casa Grande Senado segundo interesses ditados pela corrupção datada de intenção política e econômica? Jurídica! Oligarca!

O homem é um ser indivisível (inclusive de seus mistérios). Não pode ser compreendido a partir de uma análise compartimentada de suas diversas partes. Mas de seu processo. Holístico. Histórico. A integração globalizada (povos, culturas, métodos) exige a aplicação da teoria sistêmica, sem a qual se torna impossível ordenar a sociedade. Desenvolver a dominação sistêmica dela. Cada vez mais indomável e caótica. Por isso o controle demasiado dos que estão por detrás dos bastidores. Nas salas cheias de monitores de múltiplo espectro, mas que, em realidade, mostram apenas uma pequena parte do espectro visível, do campo eletromagnético captado pela vista humana.

O desenvolvimento social estruturou mecanismos de modelação e de reflexão do mundo. Não pode o homem surpreender-se numa situação em que não possa planejar, mais ou menos corretamente, sua atividade. É como se pudesse contar com “algoritmos gerais de solução” de problemas. Cada homem faz parte do todo indivisível da sociedade. Quem faz valer o controle sistêmico dessa sociedade para manter as coisas como estão? E torná-las cada vez mais deterioradas? — Os políticos e os militares. São Thomás de Aquino costumava dizer: “O bem e a salvação da sociedade organizada estão em que se conserve a unidade de sua mais sensível expressão: a paz. Se a paz é prescrita, perece a utilidade da vida social.”

Essa afirmação pressupõe que um dia houve paz social. Supõe uma utopia jurídica, filosófica E política: a paz. A guerra é o fundamento de todas as dinastias, oligarquias, parlamentos, religiões, pederastias, universidades, igrejas e escaramuças pelo poder. “O que é o roubo de um banco comparado à fundação de um banco"?

A pergunta brechtiana ironiza os fundamentos financeiros e econômicos da sociedade. Ironiza o papel político do “Reich Dos Mil Banqueiros” na formação da não-identidade nacional. A guerra move interesses pessoais, familiares, oligarcas, políticos, econômicos da sociedade.

Seus grandes e maiores monumentos são o Vaticano, as mesquitas e as sinagogas de hambúrgueres.

Não acredito que homens possam se divertir vestindo-se de Carmem Miranda. E quejandas. Difícil então acreditar que homens existam. Nessa colônia militar da América do Sul Cabocla.

BUTIQUE DOS SONHOS E DO TEMPO

Um dos objetivos deste ensaio é saber como se desenvolve a atividade mental na ausência de algoritmos: o enxadrista estrutura a solução do problema durante o conhecimento das peculiaridades dos elementos de certa situação. O romancista, assim como o enxadrista, para ter êxito precisa conseguir estabelecer as principais ligações pertinentes a cada posicionamento enxadrístico/literário, dentro de um conjunto discreto de eventos.

Os elementos do evento criativo, associados de determinado modo, não mais constituem um conjunto discreto, mas um conjunto de operações que conduz à variante da solução. Quer obtenha sucesso ou insucesso, a variante escolhida é agora um conjunto de elementos para estudo. É elementar dizer que o modelo operacional-informativo, na atividade heurística que se compõe do conjunto discreto de elementos, precede o aparecimento de cada variante de solução.

O conteúdo da atividade heurística é a elaboração sucessiva de modelos operacionais informativos. A solução do problema se encontra num certo conjunto de circunstâncias que pode ou não chegar a um resultado ideal.

Quanto ao enxadrista, ganhar o jogo. Quanto ao escritor, o reconhecimento de que objetivos literários, criativos, foram atingidos. Na fase de elaboração do modelo, geram-se outros, a partir dos indícios úteis das noções abstratas. Nesta fase a mente sapiens e a CPU são semelhantes.

As dificuldades são elaboradas a partir de reconhecimentos interativos que conduzem à descoberta de soluções. E da Solução. Alguém que resolve um complexo problema, num indefinido campo de busca, reconhece, por acaso, o princípio de solução. Em ciência este princípio é denominado, tal como afirmado anteriormente, “maçã de Newton”: a queda da maçã se constitui num modelo da lei da gravidade universal. Molde de intuição: “insight”.

Em literatura há um evento semelhante, denomina-se, segundo Pound, “Parêntese Jamesiano”: A luta que se trava quando se encontra outro autor com muita experiência, para conseguir o ponto onde as duas experiências convirjam sem conflito, de modo que ambos realmente saibam do que estão falando. A obscuridade não é da linguagem, mas do fato de que a outra pessoa pode não ser capaz de compreender por que se está afirmando alguma coisa. Esta é a “maçã da Newton” da literatura. A descoberta da pólvora, da gravidade universal, da solução afirmativa do “porquê” alguém está afirmando alguma coisa. Encontrando uma solução criativa (heurística) para um problema de criação literária. Ou de manutenção das instituições políticas. Com um mínimo de ética. Em tempos ditos de paz.

Na atividade heurística das Letras, o reconhecimento não pode ser desassociado da experiência da memória emocional do escritor. A memória não é um simples banco de dados de imagens, um nicho isolado dos demais na atividade Psi. Uma prova disso: bastam um ou dois segundos para que reconheçamos a face de alguém num rosto conhecido. A imagem e reflexão fixam-se instantaneamente no nicho propício exato da memória.

O sistema nervoso sapiens/demens funciona muitíssimo mais lentamente do que a CPU de computadores que realizam, num segundo, milhões de operações. O mecanismo de ressonância pode revelar por quê e como acontece este reconhecimento instantâneo que permite a orientação do Homo sapiens/demens no mundo exterior (e no interior).

No cérebro sapiens/demens existem milhares de modelos pertinentes do mundo exterior. No córtex deve existir um nicho que anuncia a entrada de um novo, a todos os outros modelos anteriormente armazenados. Desta forma o modelo de reconhecimento adequado ressoa. Esta instância intermediária são os “tubérculos visuais” denominados “depósitos da sensibilidade”: sinapses, dendritos, axônios, neurônios, mitocôndrios, filamentos contendo enzimas, ácido cítrico, sistemas de transporte de elétrons, neurotransmissores garantem certos efeitos no processo metabólico. Seus centros estão em diversas partes do córtex, mas todos os componentes perceptivos alojam-se numa única unidade.

O homem é um autômato finito com uma memória finita, reage a um número finito de estímulos limitados ao volume da memória fixa e flutuante, exata e emocional. Em cibernética é considerada autômato toda instalação destinada a transformar informações entre componentes de entrada e saída de dados.

O autor é um sistema deste tipo, com o poder de criar novas formas de comportamento. Consequência da autoaprendizagem, situações problemáticas são inventadas. As entradas do computador, autor, são as constantes da percepção. A CPU do autor inclui raciocínio criativo e operacional. Um princípio desconhecido, componente do raciocínio criador, presente entre as reações químicas que o constituem, permanece sem explicação lógica.

Tentar solucionar este mistério é uma tarefa científica semelhante à romântica busca do Santo Graal. Mesmo sabendo que esse Santo Graal são os restos mortais de Maria Madalena. A identidade histórica, mitocondrial, de seu DNA. Na tradução e tradição da mecânica experimental das pesquisas, estas não são consideradas como tendo um caráter realmente científico.

Ciberneticamente este problema não pode ser solucionado. A base dos atuais métodos cibernéticos pode modelar um processo de solução apenas se seu campo de busca estiver definido.

Que programa de computador vai descobrir por que Schiller punha maçãs podres na gaveta de sua mesa de trabalho para com isso favorecer a criação poética? Helmholtz subia montanhas ao entardecer. Fisher ouvia sinfonias. Proust escrevia em silêncio num quarto forrado de cortiça. Shelley brincava com barquinhos de papel na banheira; Dante sonhava, elaborou, talvez, nos sonhos, a motivação subliminar da estrutura do poema Divina Comédia; Kant deitava-se na cama sobre lençóis que ele mesmo arrumava, de um jeito especial, e ficava horas olhando a torre de Königsberg. Brahms engraxava as botas; Alex Osborn, fazia a barba para manter as ideias fluindo por mais tempo, usava uma navalha velha. Meia cega.

Stevenson dizia que as “Brownies” trabalhavam para ele enquanto dormia; Barrie confiava muito em “McConnachie” — (“A vida é uma peça em três atos. Mas o segundo está faltando") — dizia ser “sua metade desgovernada que escreve”. Milton apelidava de “secos” os períodos de incubação. Por vezes de madrugada despertava as filhas para ditar poesias, era cego; Henry James valorizava o “poço profundo da celebração inconsciente; Emerson meditava diante de riachos; Shakespeare denominava a incubação "magia da imaginação que ordena as coisas desconhecidas”.

Donizetti encharcava-se de café; Baudelaire fumava haxixe; Coleridge ingeria láudano; De Quincey fumava ópio; Freud injetava (e/ou cheirava?) coca; Alfred Jarry bebia éter. Sherlock Holmes parava tudo e levava Watson para um concerto, ou se dedicava a horas de violino. Einstein tocava violino ou lia Dostoievsky; Gandi tecia; Beethoven caminhava muito, com paradinhas para anotações de “insights”. Huxley, Ginsberg, Kerouack, faziam viagens lisérgicas.

Becket e Becker acreditavam ser impossível uma obra de arte vir de motivações oníricas. Para eles escrever é um ato reflexivo consciente. Deliberado. Göethe no primeiro Fausto, autor consciente, deliberado, no segundo, visionário, atemporal. O Hugo de “Os Miseráveis” flutua entre estes extremos. As antecipações de Júlio Verne, como querem alguns críticos, são produtos freudianos da sublimação de suposta homossexualidade.

A estrutura narrativa do poema sumeriano Epopeia de Gilgamés é claramente onírica, inconsciente. A mãe interpreta os sonhos dele e os do amigo Enkidu. A personagem interpreta seus sonhos e os de outra personagem. Nos poemas épicos de Homero (provavelmente fins do séc. VIII a.C.) há já a presença do ceticismo tão característico em autores do século XX. Na Ilíada, as possibilidades destrutivas do inconsciente se manifestam através dos sonhos. Motivado por Zeus Agamenon, irmão de Menelau (através dos Oneiros, filhos de Mix, a Noite) é incitado a atacar Troia sem os mirmidões.

Historiadores não afirmam categoricamente que a Guerra de Troia aconteceu realmente. Há registro de que sim, foi um fato histórico ocorrido em 1.200 a. C. no período micênico. Os aqueus (gregos) invadiram Troia (supostamente) objetivando vingar o rapto da bela Helena esposa de Menelau.

Atena, deusa-serpente creto-minóica, epíteto Glaukopis: “Olhos de Coruja”, personifica-se nos sonhos de Nausicaa e Penélope. Em Sófocles, Ésquilo e Eurípedes, os sonhos são os signos, presságios da vida heroica e trágica, das personagens. Na dramaturgia de Shakespeare, a epopeia e a tragédia estão presentes, através da ambiguidade do mundo real, das flutuações de ânimo entre os estados de espírito das personagens. A epopeia e a tragédia são a marca registrada da dramaturgia shakespeariana. Não apenas em Homero:

O barco de Odisseu chegou a Ítaca. Poseidon, em diálogo com Zeus, afirma como vai castigar os feáceos que transportaram estranhos, tipo Odisseu. Zeus ao aprovar o castigo afirma: “Quando o barco estiver singrando à vista de toda a cidade, convertê-lo num ilhéu junto da terra firme. Ilhéu em forma de barco, que cause maravilha a toda gente. E rodear sua cidade com altas montanhas que a dissimulem.” Terrível isso. Essa intencionalidade. Dos deuses. Desde o Mahabharata.

Os sonhos, espectros e vaticínios, marcam a presença do inconsciente: Em Henrique VI, a morte do duque de Gloucester é precedida por uma visão onírica do cardeal de Winchester. Baltazar, em Romeu e Julieta sonha com a morte de seu amo após embate com outro nobre. Romeu sonha-se morto, quando os beijos da amada fazem-no voltar à vida.

Em Ricardo III o personagem título tem sonhos que revelam a tenebrosa sequência de intentos funestos. Calpúrnia berra, por três vezes, num pesadelo: “Socorro, estão matando César”. Em Sonhos de Uma Noite de Verão, a intervenção de personagens mágicas, faz a mediação entre sonho e realidade. Em Hamlet, Macbeth e Lear, os vaticínios, as profecias, os agouros, os espectros, as visões terríficas e apavorantes, convivem com a rotina das personagens.

Novamente o inconsciente, elemento programável nos engenhos cibernéticos dos computadores, marca presença no engenho cibernético sapiens/demens: a mente. O componente heurístico, a 3ª margem do rio da criatividade, ronda, misteriosa e invisível onipresença, esse processo de criação dos autores. Literários. E outros.

“PERGUNTE AO PÓ”, AGAIN

Se é preciso uma experiência de vida equivalente a dois séculos para que um escritor possa estabelecer o distanciamento necessário para pensar seu tempo e suas personagens, criá-las através do convívio e das teorias acadêmicas, então estamos frente a um paradoxo: o tempo necessário e o tempo cronológico disponível para escrever textos pertinentes, visionários, e não plágios.

Nietzsche dizia que a realidade é uma ficção. No século XIX os pensadores costumavam ser otimistas. Ele era a exceção niilista. Para Baudrillard, um dos expoentes do pensamento contemporâneo, o real inexiste, a história e o tempo são um simulacro.

Os leitores de ficção científica por certo não se surpreendem com tais opiniões. Alguns estão inaptos a viver, simultaneamente, em dois segmentos da realidade que seriam, normalmente, antagônicos. Estes, nunca conseguirão atingir o objetivo de, no período de uma vida sapiens/demens atual, exercer uma experiência subjetiva de dois séculos.

As ideologias revolucionárias faliram, o capitalismo cibernético está em expansão, por que os mecanismos da subjetividade sapiens/demens não estariam a um passo de um salto qualitativo no limitar desta segunda década do Terceiro Milênio? Por que não acreditar que as novas gerações têm uma formação neuro emocional em simbiose com os circuitos elétricos e eletrônicos da tv, da internet, da multimídia? Por isso mesmo estão afogadas em toneladas de uma multiplicidade incontrolável de neuroses e patologias que não as apenas suas.

O mundo atual talvez precise, urgente, pensar-se em profundidade, abrangência e atualidade (nas três dimensões do conhecimento). Necessita, presumo, de novos pensadores, novos escritores, novos cientistas que sejam capazes de diminuir a distância estelar existente entre os novos meios tecnológicos de informação e comunicação, e a carência de caráter da humanidade sapiens, de suas lideranças demens atuais. Pessoal e coletiva.

A civilização sapiens/demens está em crise e alguém precisa fazer alguma coisa. Este alguém é toda pessoa que ainda não está completamente demens e envaidecida das conquistas de uma civilização que impõe uma cultura cro-magnon. Da mediocridade. Da frugalidade. Da demência lúdica. Pessoal e coletiva.

Você, leitor, crê que a humanidade sobreviva a este caos político, econômico, social, científico, emocional, ético, global, social? Quem vai ter por herança esse mundo de debilidades? Mentais. Os que herdarão essa terra são as pessoas das novas gerações que estarão no mercado de trabalho no amanhã do Terceiro Milênio. Respirando o ar do 3° Milênio, criando, se possível, um mundo emocionalmente habitável no Terceiro Milênio. Mas essas gerações nem de longe são educadas neste sentido. Ao contrário: são educadas para ser escravas do consumismo. Do senhor Mercado. O senhor mercado e o consumismo não são uma espécie de estalinismo político compulsivo?

Os filmes da série Matrix revelam uma sociedade padronizada e altamente repressiva. Que persegue violenta e (violenta) sadicamente os que não se condicionaram a seus padrões de obediência, subserviência e submissão. Incondicional. Seus patrões são os Parlamentos tiriricas por mais dinheiro. A erva daninha da política que permite toda uma geração embarcar na viagem pela demência emocional por seus ídolos, tipo o casalzinho demencial da saga Crepúsculo. Isso chamam entretenimento. Tudo bem. Se estão ganhando fábulas de verdinhas ao cantar “não vá pra NY amor não vá”!?

O único fator a considerar nesse capitalismo político e midiático estalinista é o econômico. Não importa se a mecânica capitalista/estalinista de produção de idiotas da sala de jantar, esteja fabricando bilhões de clones fisiológicos com uma mentalidade modelo “normalidade” tipo os cidadãos padrões que desconhecem estar sendo deliberadamente escravizados (idiotizados) pelo fator econômico, baliza sem limite dessa megalópole globalizada pela slogan “I Love You New York”.

Se faz dinheiro é bom. Se questiona, é incômodo. E ninguém questiona essa incomodidade. Os políticos parecem querer dar um recado social monocórdico, que soa à imprensa independente como uma ameaça:

“Estamos fazendo o melhor e não precisamos de questionamento. Somos democratas apenas enquanto essa coisa política chamada democracia for um sistema que pluga os interesses ideológicos (sociais) das multidões, atrelando-os à dependência mais intensa a nossos próprios e exclusivos interesses. Emocionais. Políticos. Econômicos. De dominação. Familiar. Social.” —— Somos os patriarcas bíblicos de Matrix. Edição BBB-Bozo Cromagnon.

Essa é também a ideologia de dominação de políticos africanos tipo aqueles responsáveis pela instalação e manutenção, em trajes civis, das motivações alegadas pelos militares da Guerra-Fria quando debochadamente punham culpa em todas as mazelas sociais (inclusive as motivadas pela corrupção) nos comunistas.

O governo totalitário comunista não poderia ser instalado num país que canta “tô nem aí, tô nem aí, não me conte seus problemas que não quero ouvir”. O governo civil que mantém uma atitude com relação à Educação e à Reforma Agrária a mais demagógica possível.

Um governo que continuará fazendo de conta que tudo o que pode ser feito pela educação no país é preparar a grande maioria de seus filhos e filhas para ser personagens de terceira categoria de uma geração mais perdida do que aquelas amigas do Ronaldinho, que ele diz ter-se arrependido de futricar.

A africanização dos argumentos oficiais do Governo do país, sua atitude com relação à educação, equivalem à sede de violência social vista apenas nos países africanos atuais, tipo Líbia , Irã, Tunísia, Argélia, Angola, Egito, Iêmen, Jordânia, Barhrein. Tantos outros.

Em realidade são os políticos da morte. Mortos-vivos representantes atuais (pós-Hitler) do “Reich Dos Mil Anos”. Eles exercem poder político através das instituições bancárias pertencentes ao “Reich Dos Mil Banqueiros”. Apossam-se da alma coletiva de seis e meio bilhões de pessoas através dos enlatados, das novelas, da programação midiática da TV tipo BBB Cro-magnon.

— “A Praça É Nossa Dos Três Poderes É Nossa. Como O Céu É Do Avião!!!” Dizem eles. E estão certos. A submissão política, jurídica, patriarcal dessa Matrix cabocla, mais conhecida como “Miranda, a República onde todos vivem cantando na corda bamba o Samba do Bozo Doido”. Todos os dias. Estão tão condicionados socialmente, que ignoram estar fazendo o papel social de damas de honra dos Gabi Gols. Dos ídolos do futebol divulgados e idolatrados pelas mídias.

Todos pagam ingresso para vê-los monitorar as emoções do polvo brasileiro, reduzindo suas ilusões à educação e à cidadania, a pó. O “pó”.

Um país com um ex-presidente com vezo totalitário, com sua alfândega de boas-vindas ao ditador Trumpqueiro, a diplomacia do Itamaraty tornada de fantoches da família Bozo.

Não mais haverá revoltas coletivas numa humanidade sob a dominação satanizada de Matrix. As multidões cansadas de ser controladas sadicamente por ditadores políticos que simplesmente se apossaram de suas vidas, de sua força física de trabalho, de sua força intelectual. De trabalho. Mas a tecnologia os submerge em todos os tipos e modelos de catarse. Pessoal. Social. De modo a que não tenham nunca ânimo para questionar nada. Tornar controversa essa realidade de suas vidas vazias de sentido, pessoal e coletivo, menos ainda.

Existem uns poucos parlamentares na “Praça É Nossa dos Três Poderes” que contestam a ideologia vigente no Parlamento nacional. Esses, minoria absoluta, presumo, queiram dizer: — “Nós, os políticos tiriricas com essa democracia estalinista, queremos fazer a Reforma Política, a Reforma Agrária (todos esqueceram que ela ainda está por fazer), a Reforma Tributária sem a qual a Educação, a Saúde, a Segurança, o Saneamento Básico, o sistema Estatal, os aeroportos, as escolas públicas fisicamente sucateadas, A Reforma dos Estatutos Das Empresas de Produção de Entretenimento Social, tipo Rádio & TV, (sem as quais) decretamos a falência total das instituições republicanas brasileiras.”

— “Sem as quais decretamos o sucateamento sumário e irreversível da Educação, das gerações de crianças e jovens dela dependentes.” A falência do Estado democrático que convive disfarçadamente, como se ignorasse que O ESTADO DE SÃO PAULO, hoje, dia 25 de fevereiro de 2011, faz 574 dias que o jornal homônimo permanece sob censura. Nenhum desses parlamentares tiriricas leu, sequer de relance, a Constituição?

Se a contemporaneidade faz-de-conta que não está sendo vítima dessa política do entretenimento para Bozo Onagro, O Louco não botar defeito, amanhã teremos uma geração ainda mais intensamente vidrada (hipnotizada) por personagens tipo o casal claramente demencial de Crepúsculo, e seus amigos escoteiros. As personagens do entretenimento básico que mantém as mentalidades dessa Matrix cabocla, globalizadas na infantilização.

Algumas garotas levam tão a sério ser projeções das personagens “crepusculares”, que, elas também, dizem a seus namorados (contaminadas pela empatia), como se fossem reencarnações globalizadas de Cinderelas pós-modernas, que “antes do sol nascer eu preciso voltar para casa para não virar cinzas”.

Muitas delas sonham em fazer uma hemodiálise, inoculando nas veias o sangue das personagens desse cinema tipo “c” na produção de avaliação intelectual mínima. Elas, querendo ou não inovaram esse processo regressivo de empatizar personagens que, supostamente, as faz sentirem-se diferentes uma das outras. Tão diferentes. Tão iguais.

Personagens de carteirinha do fundamentalismo midiático imposto por Matrix. A Matrix globalizada. Que horizontaliza a mentalidade mundial, em troca do dinheiro do ingresso na bilheteria do cinema. De que modo não apenas saber, Não apenas a mente ler, mas fazer alguma coisa no sentido de mudar a viagem dessa compulsão cro-magnon? Movimentar-se no sentido de não ser vitimado ou vitimada pela propaganda midiática da Central Park Matrix, mas também da Matrix Cabocla S/A?

— Ora, direis, viver dois séculos em 70 ou 90 anos... Desejando atingir aquele distanciamento vital entre seus contemporâneos e seus filhos e os filhos destes, há que ousar viver dois segmentos que até hoje pareciam ser antagônicos e inconciliáveis: a obtenção de conhecimento acadêmico, através de livros, e a vivência emocional, de liberdade, na paisagem aberta da cultura solar dos sítios históricos e das praias. Ou seja: ao mesmo tempo que se diverte, adquire cultura literária sem as limitações das contingências acadêmicas. E as do sofá.

O livro A Mochileira (Thundra) defende esta possibilidade de fazer sair do casulo supostamente protetor das estruturas burocráticas, acadêmicas, uma geração que precisa ter um espaço de liberdade para repensar a si mesma e às culturas das gerações que as precederam. Que precisa ser tutora do mundo do próprio destino. Tutora do próprio umbigo. Tutelar, defender, amparar, afirmar sua vida própria, sem a qual jamais conseguirá compreender o que significa liberdade. De Pensar, De Agir.

Abrir caminhos, sair da dependência de um status pseudo respeitável, no qual a criminalidade, a compulsão cro-magnon, ameaçam crianças e jovens que dormem debaixo da suposta proteção policiada dos cobertores familiar, acadêmico, profissional. Precisam sair, urgentes, do “status” deletério de tv espectadores da sala do sofá. Robotizados pelos logaritmos do Google.

O saber acadêmico da filosofia das ciências sociais, precisa de novos referenciais. O mundo mudou, “a verdade está lá fora”. A verdade é que você não faz, mínima mente, por onde superar esses mecanismos dantescos de substituição, transferência, e catarse psicológica e parapsicológica. Pessoal e coletiva.

As teorias das academias estão defasadas. Os descompassos e as discrepâncias entre gerações são apenas muxoxos de adolescentes que se acham ladinas, mas que não têm respostas para suas perplexidades e indagações. Indaga Ações. O planeta precisa ser gerido por outros e novos paradigmas. As escolas e academias por outros e novos professores. Pagos para ensinar, e não para se aproveitar da situação de falência de valores, para também dar sua contribuição à economia do entretenimento e da demência vulgarizada pela mídia TV dessa Matrix Cabocla S/A.

Não se deve, presumo, gerenciar uma sociedade totalmente motivada por inusitadas sugestões de comunicação e informação cibernéticas, como se essa sociedade ainda fosse motivada por uma cultura econômica da Idade da Pedra. Com professores da Idade da Pedra, ganhando salários da Idade da Pedra para fazer de conta que estão a educar crianças e jovens que realmente mostram ser da Idade da Pedra.

A MATRIX CABOCLA

Essas crianças e jovens vão aprender autoestima com quem? Respeito próprio e mútuo com quem? Não com esses professores que não têm direitos, nem hora, nem cidadania, porque não ganham, exceto para passar as vidas lutando inutilmente por uma migalha de salário e de cidadania.

Seus alunos e discentes vão aprender cidadania e direitos com quem? Com mestres que ganham menos de dez por cento dos salários parlamentares? Menos de dez por cento do salário dos parlamentares tiriricas. Que não têm mínimo compromisso com a educação. Com mudança de paradigma político, econômico, social. Simplesmente porque não sabem o que é essa coisa de paradigma. Inusitado.

— “Será alguma gracinha do Tiririca?” Perguntará alguma "inteligente" excelência.

Desses parlamentares que não têm mínima responsabilidade para com uma mudança de Paradigma na educação. Nem no presente, muito menos no futuro inexistente de milhões de crianças e jovens. Sempre dispostos a jogar a bola da educação em direção a um futuro sempre adiável. Sempre sem presente. Sempre amanhã.

O planeta no 3º Milênio poderá não vir a ser uma espécie de multinacional multi interativa da incerteza, do arbítrio, da criminalidade, da poluição. O mundo poderá pertencer à certeza de que as novas gerações que o habitarão neste 3º Milênio, precisam de novas estruturas direcionadas às suas novas necessidades de educação (comunicação), de autoaprendizado. E precisam exercitá-las, ontem, hoje, aqui, agora. Fora do sofá onde consomem todos os tipos de drogas. As mais perigosas, gerenciadas pelo controle remoto e o olhar.

Não levar quatro décadas para sair às ruas por Mudanças Já!!!

Quarenta anos (40 anos, quatro décadas) é uma Temporada No Deserto. Terão crescido, com os salários registrados em carteira, e se habilitado à uma aposentadoria de funcionários da burocracia degenerada da Matrix Globalizada S/A. A Matrix da Praça É Nossa Como O Céu É Do Avião Dos Três Poderes.

Similar ao regime político de Kadafhi, na Líbia. Um, entre dezenas de exemplos. Ou Ahmadinejad, o amigo do peito do ex-presidente Analfabeto e sua “troupe” de embaixadores que frequentam o trottoir diplomático iraniano.

O novo Milênio poderá ser início de uma nova política, uma outra ciência, uma outra arte, agenciará, talvez, uma outra história, uma outra cultura. E ninguém poderá fazer isso pelas novas gerações: educá-las para compreendê-lo e administrá-lo. Os pais devem ter o desprendimento de incentivar os filhos a sair de debaixo do cobertor aconchegante da sala do sofá, em direção à busca de soluções para um mundo novo, com novos habitantes, descendentes da raça sapiens/demens atual.

Os aprendizados, acadêmico e emocional, acredito, precisam ser dinamizados num mesmo campus, aonde a dinâmica das iniciativas de livre aprendizado não esteja real e subliminarmente policiada. Os esbirros de Matrix estão em todos os lugares. Onde quer que existam corpos, docente e discente, hierarquizados, politicamente, por uma administração institucional tipo a política de animação republicana mostrada nos desenhos das personagens da sociedade paleolítica (paleopolítica) de Ana Barbera.

Em Matrix a didática burocrática dos mestres é educada para fazer mais e mais vítimas: (“Teme os mestres/Que coabitam conosco/Os mestres estão entre nós/Feitos de covardia e preguiça/O homem novo/Candidato a soldado/Escolheu seu pobre destino”).

O filme, “Sociedade dos Poetas Mortos”, é também sobre os poderosos mentores dessa didática de cabresto, já denunciada por Raul Pompéia no romance sincretista “O Ateneu”. Estudantes não são gado, não precisam de vaqueiros, alguns cheios de empáfia e de conhecimento defasado. Estudantes não são soldados, não precisam estar sendo vigiados por um curriculum de burocratas de caserna, por uma “educação” para a insegurança cercada de seguranças por todos os lados.

DEEM UMA CHANCE À GERAÇÃO EMERGENTE DE IR À FONTE E NÃO APENAS À ÁGUA

O que um escritor pode fazer neste início de milênio para que Mudança Já Aconteçam? Cada um encontre seu caminho. Ao escrever o romance A MOCHILEIRA (Thundra), fiz minha parte. Mostrando que o aprendizado lúdico, no campus livre e solar nos acampamentos das praias, onde as pessoas não têm obrigação de preservar máscaras nem prestar homenagens a hierarquias do cartão de ponto, é um lugar onde todos podem aprender com todos todo tempo (com as personagens de livros, também). Enquanto vivenciam a emoção das paisagens, e ao mesmo tempo podem viver instintivamente.

Depois desse aprendizado, pessoal, coletivo, nessa universidade a céu aberto, livre, Alguns raros elementos de uma geração terão, talvez, condições morais de escolher um caminho que não seja ditado pelas necessidades do interesse social dirigido por governos a serviço dos conglomerados da propaganda e serviços de cama e mesa, com as receitas culinárias contumazes tipo a da mulher do papagaio.

A ideologia da “liberdade” criou o slogan: cada um por si e o inconsciente contra todos. O 3º Milênio talvez possa mudar de slogan: cada um por si e o inconsciente em favor de todos. Uma luta sem quartel está se travando pela posse da alma humana das novas gerações. Uma luta ideológica. Uma luta política. Uma luta econômica. Uma luta tipo Mein Kampf (“Minha Luta”). O "Reich Dos Mil Banqueiros" é uma criação de Adolf Hitler. O possesso.

Ora, se esses ditadores e seus amigos não reconhecem a historicidade incontestável do Holocausto, como vão reconhecer que estão administrando um campo social de concentração de traficantes, prostitutas, e todo tipo de homo antropoides que se querem prevalecer das necessidades emocionais dos banqueiros de Matrix, ampliando-as. Como se a sociedade tivesse a obrigação social de aceitar até a não-identificação com seu DNA bissexual, como se todos tivessem nascido com tecidos simultaneamente testicular e ovariano.

O fim das ideologias maniqueístas, políticas, jurídicas e econômicas, não é o fim da história. Mas poderá ser o começo de uma nova História.

Que direitos individuais podem ser preservados na cultura pós-moderna, se as novas gerações não forem chamadas a brigar pela busca e conquista de seus próprios valores, de sua própria alma? Se as pessoas não têm mecanismos reais e eficientes de protesto contra esse modelo de pós-possessividade, em breve podem perder todas as suas liberdades (se é que já não as perderam. Irreversível mente). Se é que poderão recuperar um dia a noção moral de sobrevivência. Se é que já não a perderam. Definitiva mente. Estar possesso é o estado considerado normal pela ordem sistêmica vigente. Possesso por consumir.

É preciso, suponho, que o indivíduo seja orientado pela educação escolar e acadêmica, no sentido de conseguir obter uma verdade. A verdade do conhecimento. A verdade de sua condição. Que deveria estar sendo ensinada nas escolas e academias. Que não a academia e a escola da sala do sofá. Os professores são os participantes do BBB Cro-magnon. BBB a céu aberto de Onze de Setembro. 2001. Lembram? Lembrar é aprender e não permitir que se repita. Os dois falus falhos gêmeos, lado a lado. Caíram. Neo-Pós-Moderna mente. A dominação da Matrix ocidental enfrentada pelo terrorismo islâmico. Ambos ávidos de poder. De dominação. Global.

Como esses grandes irmãos e irmãzinhas podem optar por denunciar os horrores presenciados se são parte integrantes, segmento e extensão desses horrores? Se ele, indivíduo, os admite, convive passivamente com eles na realidade da “modernidade” da telinha na sala de jantar? Como são globalizadas as pessoas da sala de jantar. Mas as pessoas da sala do sofá...

MODERNO, MODERNISMO, MODERNIDADE, PÓS-MODERNIDADE

A palavra moderno vem do século XVIII, a origem latina e o significado estão associados à imitação do antigo. Habermas, crítico do pós-modernismo, escreveu que “o fascínio exercido pelos clássicos do mundo antigo sobre o espírito dos tempos posteriores, dissolveu-se, pela primeira vez, com o ideal do iluminismo francês. Para ser preciso, a ideia de que ser moderno implica voltar aos antigos, mudou com a crença no infinito progresso do conhecimento, no avanço em direção ao aperfeiçoamento social e moral.”

Deem uma chance desse aperfeiçoamento acontecer. Não é encarcerada no conforto da caverna moderna, que a nova geração vai descobrir que possui uma alma individual que deve e pode ser preservada. Permitam que possa criar seu próprio aperfeiçoamento, sua própria moral, se for capaz. A descoberta do inconsciente, no qual tempo e espaço inexistem, o tempo se estabelece enquanto referencial cronológico e espacial em um mesmo momento. Isto significa segurança, apoio, sólida estrutura psicológica para o indivíduo. Que pai mais protetor pode zelar por sua integridade?

Lacan afirma que as temporalidades de nossa experiência individual (passado, presente, futuro) estabelecemos através da linguagem. Que campus existe mais livre para exercitá-la do que as praias desse Pindorama continental?

Exercitar todas as linguagens pertinentes, todas as estruturas latentes, todas as vidas reais e virtuais de uma geração que necessita sair do esqueminha de terreiro, de patota, de igrejinha, de turma da esquina, de torcedores de times de futebol, e ampliar os horizontes reais e virtuais de uma nova cultura universal. Sem que sejam parte de uma quadrilha. Não encarcerem o futuro do planeta num quartinho multimídia, numa sala de jantar pseudo interativa. Sem desenvolvimento emocional, intelectual, pertinente ao progresso moral do indivíduo e da sociedade.

Não transformem em esquizofrenia o potencial mental de uma geração, de uma nação, de um planeta. Por não saber promover a continuidade temporal da vida, o esquizofrênico está condenado a sobreviver num eterno presente. A linguagem multi tempo, multi interativa, a troca de informações de mente a mente, de micro em micro experiência, de jovem a jovem, pessoa a pessoa, sob o luar de um acampamento numa praia de Pindorama. . . Os riscos de acontecer algo de ruim a um membro da confraria das mochilas, é menor do que os perigos a que está exposto um jovem habitante da cidade, urbanizado, sujeito à violência subliminar e real numa metrópole fritzlangueana.

As aquisições da mente presente são parâmetros para se navegar subjetivamente entre o passado e o futuro. Dizer que o tempo é irreversível equivale afirmar que a terra é plana e centro do universo. Wells, Clarke, Llosa, Rosa, Joyce, Goodnews, Proust, Woolf, Eliot, a Física experimental, fornecem dicas instigantes de que somos todos viageiros do tempo (“Eterno viajor de eterna senda”, escreveu o poeta). A máquina do tempo não é apenas um projeto irrealizado da Física, é o imaginário em ação. Não o imaginário da garota que deseja voltar logo para casa (antes do sol nascer) porque senão vai virar cinzas. A pele vai queimar, na sala de estar do cinema “Crepuscular”.

O romance A MOCHILEIRA começa com um jovem estudante de história da USP que se concede a chance de viajar interna e exteriormente, reagindo desta forma à inegável perda da liberdade, à exacerbação da eficiência dos fatores históricos tiranizam-te, agindo dentro da universidade. Travava-se uma guerra interna que, como todas as guerras, era feita para criar fantásticos débitos institucionais. Débitos baseados no princípio de capitalização de “elites”, políticas e econômicas, com a finalidade de exercer comando, comunicação e controle a partir de uma tirania social de dominação comportamental da sociedade globalizada pela ignorância, pela mediocridade, pelo entretenimento de chutadores de “bola”.

O personagem central do romance A MOCHILEIRA trancou matrícula na faculdade, e “Pé na Estrada”, desde que não se adaptava à ideia de obediência e subserviência a uma tirania política e econômica. Uma tirania que lançou este país numa espiral de corrupção que vai terminar apenas quando o Saci cruzar as pernas: nunca.

Acredito que a literatura deve encontrar uma forma de desmascarar a obscuridade da intenção dos que desejam ver esquecidos os períodos de tirania política que deram origem à cultura midiática atual: do horror e da luxúria.

Do tipo de aprendizado escolar e acadêmico que origina comportamentos sociais, cada vez mais intensos, de uma patologia social incontrolável: são todos alunos saídos de uma escolarização socialmente paga para disseminar a baixa racionalidade do tráfico, da repressão e da criminalidade. Os tolos (todos sempre muito espertos) se adaptam à condição de analfabetos anímicos.

Esses espertos saídos das escolas e academias de ensino atuais, ainda não descobriram que a luta entre ideologias foi apenas uma máscara para encobrir os processos de como se estabelece o controle econômico do consumo dos indivíduos numa sociedade. Usando para isso a atual estrutura familiar. Um funcionário de empresa estatal ou privada, ser denominado competente executivo, em nada vai mudar o comportamento burocratizado que dele se espera.

As “quadrilhas Nova” (Bourrougs) se compunham para motivar as ações dos habitantes de uma e de outra área de influência, no sentido de armarem-nos para lutarem entre si, enquanto faturavam bilhões de dólares e rublos, se capitalizavam, para fazer novos investimentos e abrir novas áreas de influência e atuação. Tirânicas. Semelhantes às atuais ditaduras africanas. E democracias quejandas. Sim, tudo bem (?) você vai sempre ter uma situação ruim sentado no sofá da sala de jantar sob o comando, comunicação e controle das mídias a serviço da "Quadrilha Nova". É isso que você quer?

A tirania do consumo pelo consumo, da vida pela vida, da arte pela arte gera uma gratuidade amoral de sobrevivência baseada na virulência dos esquemas de subserviência que gerem, atual (e perigosamente), as relações da sociedade. Da dita “alta sociedade” globalizada, principalmente. Sociedade globalizada pelo nazismo autoritário exercido pela pirâmide sistêmica do poder pelo poder. Quem mais possui ativos financeiros tem todo o direito de corromper e degenerar quem não possui tanto poder quanto. Os submissos do capital. Pessoas tipo “topa tudo por dinheiro”. Pessoas robotizadas na sala de jantar.

Miller, por sua vez, afirmava admirar escritores que tinham uma misteriosa qualidade metafísica, oculta, que ultrapassava as fronteiras da literatura. “As pessoas leem para se entreter, para parar o tempo e se instruir. Eu nunca leio para parar o tempo ou me instruir. Leio para sair de mim mesmo, ficar absorto. Estou sempre buscando um livro que me ajude a sair de mim mesmo.”

Para Hemingway, um escritor sem senso de justiça e injustiça ganharia mais editando anuários de uma escola para crianças excepcionais. Dizia que o dom mais importante de um escritor é um detector interno de baboseiras à prova de choque. “Este é o radar do escritor e todos os que mereceram este nome tiveram um”. Têm.

Cocteau se dizia habitado por uma força ou ser do qual pouco conhecia. Disse ter escrito “Les enfants terribles” a partir da observação de uma família isolada da vida em sociedade. “O ser em mim não queria escrever sobre isto, bloqueio total. Havia na história real alguma ligação com os Estados Unidos. Um mês inteiro só olhando o papel feito bobo, incapaz de escrever o que quer que fosse. Então, um dia, ele começou à sua própria maneira. Comecei a escrever 17 páginas por dia. Fluía bem, eu estava gostando. A arte é o casamento do consciente com o inconsciente.”

Picasso dizia ser preciso muita coragem para ser original. “A primeira vez que uma coisa aparece desconcerta todo mundo. O mau, é lógico, precisa ser canonizado, porque o bom é o familiar. O novo é uma falta. É sacrificando as faltas que criamos.”

Garcia Marquez achava engraçado que os maiores elogios para seu trabalho fossem dirigidos à imaginação. “Na verdade, não há uma única linha sobre meu trabalho que não tenha sua base na realidade. O problema é que a realidade do Caribe parece ser a imaginação mais desvairada.”

Vonnegut Jr. acredita que “o trabalho do escritor é apresentar confrontos, para que os personagens digam coisas surpreendentes, façam revelações, eduquem e divirtam seus leitores. Se o escritor não sabe ou não quer fazer isso, deve retirar-se do negócio.”

A opinião de Burgess: “Somente através da exploração da linguagem pode a personalidade ser induzida a admitir alguns de seus segredos, pela extensão do vocabulário, pela cuidadosa distorção da sintaxe, pela exploração de vários mecanismos prosódicos tradicionalmente monopolizados pela poesia, determinadas áreas indefinitas ou complexas da mente, podem ser apresentadas com mais competência do que no estilo de, digamos, Irving Stone ou Wallace.” — O conhecimento nos torna responsáveis por nós mesmos.

Segundo Wallace: “A liberdade verdadeira envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e capacidade de, efetivamente, nos importarmos com os outros no cotidiano, de forma trivial, talvez medíocre e certamente pouco excitante. Essa é a liberdade real. A alternativa é a torturante sensação de ter tido e perdido alguma coisa infinita... A Verdade com V maiúsculo diz respeito à consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor.

No que devemos lembrar repetindo sempre: isto é água. Isto é água. É extremamente difícil lembrar disso e permanecer consciente e vivo um dia após outro."

Todos somos, fomos ou seremos jovens um dia. Todos os que um dia foram jovens sabem que a juventude é conformista, que, com frequência, como diria Burguess, eleva a ignorância à condição de virtude. É pouco preocupada com valores dissidentes. Tão orgulhosa de ser, tão segura de que somente ela sabe das coisas.

A realidade é que a juventude se desperdiça ao assumir facilmente as solicitações de uma cultura comprometida com a tirania estalinista do senhor Mercado. E ainda existe quem acredite que vivemos sob as influências de um regime democrático. É muita ingenuidade globalizada.

Para que a juventude possa aprender a aprender, é preciso que lhe seja fornecida a oportunidade de sair dos esquemas de aprendizado burocráticos. Isto não quer dizer ignorá-los, mas usufruir a oportunidade de vê-los com um certo e providencial distanciamento crítico.

O campus continental de Pindorama os espera de sol, mar e luar abertos.

Você Decide: Estamos No Mundo Para Nos Salvar, Crescer Ou Ser Escravos?

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 21/12/2020
Reeditado em 26/12/2020
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