A incansável busca do método

Essa semana eu estava conversando com a vovó Ana, minha querida, parte da minha ancestralidade, minha força... sobre as coisas da vida, nossos conflitos e o andar da humanidade. Tenho tantas perguntas...Como entender esse mundo? Eu estou no caminho certo? Como vou saber a verdade? Não quero mais ter dúvidas...como fica minha existência…? O que eu preciso saber? Acho que é importante questionar e analisar...Mas eu penso, isso eu sei!

E ela mandou eu parar de fazer perguntas e de pensar tanto...será que a gente pode ter certeza de alguma coisa? Mas eu insisti…

A gente precisa desconfiar das nossas percepções, podemos estar errados. Eu sou desconfiada...e é isso, lógica. Minha cabeça não para, principalmente quando vou dormir. Infinitos diálogos comigo mesmo, e assim eu vou buscando a verdade.

Verdade de quê? Ela me perguntou. Ué...da vida, do que estou fazendo aqui, mas também das pessoas, do que eu estudo, do que me ensinam. Mas não pode pensar de forma linear, ela disse...não precisa ter início, nem fim, nem distância, nem tempo…

Ela me lembrou de um texto que li¹, depois eu te digo qual é, e no inicio o personagem fala o mesmo que eu, quando criança. Quando eu ia pra escola e reclamava dos professores que queriam que a gente decorasse as datas. Era muito mais legal entender dos costumes, das culturas, como as sociedades funcionam, do que ficar repetindo nomes, pactos, datas...aí, eu pensei...pois é...assim que é...a gente vai vivendo, experienciando, compreendendo e construindo subjetividades…

Você sabe das coisas, ela me diz...vc conhece...

- Qual é a prioridade da tua alma? Do seu caminho de vida? Essas respostas estão aí dentro de você. É medo de escolher…de dizer não. De mudar. Você quer se encaixar no mundo do outro? Energia confusa cheia de opções. E sua autonomia? Ficou pelo caminho? Bloqueou, né?

Acho que sim…eu me bloqueei, ou deixei me bloquearem…Mas como fica o tempo? Eu não tenho tempo, tenho que organizar as coisas, elas precisam ser sistematizadas, se não pensarmos racionalmente como fica a vida? E lá se foi o foco...de novo…

Um planejamento facilita...escola, trabalho, um propósito e um fim...e por aí vai, algumas hipóteses. Mas ela diz que nem sempre as coisas acontecem como planejamos. É um caminho que criamos para nós mesmos, e há incertezas...o que vai fazer depois? Quais planos? Onde quer chegar? Tô certa, tô errada?

Você só pensa que está planejando...as experiências são únicas, mas não sei se determinam os caminhos, elas ensinam, e não há limites. Explicar a vida cientificamente? Eu não sei fazer isso e acho que não se explica a vida matematicamente tb. Eu não sei explicar a vida, só sei que nós somos únicos e vivemos uma contradição entre a liberdade e o assujeitamento à história, ao inconsciente. Nós nos significamos quando consideramos a diferença, a ideologia e as relações de forças.

Se pergunte aí, como a gente se significa?

O que nos é inato?

Como chegamos as conclusões? Não chegamos…

Dei um tempo na conversa, são questões muito complexas, não dá pra ser mais de 10 minutos por dia. Mas não demorou muito e voltei a questionar a vovó. Não me aguentei. Como é que a gente consegue viver em sociedade? Com tanta diferença!

Essa sociedade do capital, né? Ela me questionou. Que outra seria? As vezes eu acho que minha vó vive em outro mundo, eu disse isso a ela. E é tão confortante ouvir ela dizer que somos todos de outro mundo, mas que agora estamos aqui…

Ela me ensina a defender a liberdade, a igualdade, a tolerância, mas a propriedade privada junto, não, não combina. Apesar dela não ser materialista histórica, pela sua espiritualidade, ela defende Marx, mas eu acho que é possível ser os dois, acho que ela é os dois. Espero herdar isso dela. Tem coisas que não tem explicação…

É...porque se pensarmos que pra entender a essência, temos que ir além da aparência, da estrutura e da dinâmica... Pra entender uma realidade temos que pensar e interpretar essa realidade, e depois devolvê-la para seu lugar e ver como as peças se encaixam...Como fazer uma pesquisa…

Quem sabe...será que é possível usar uma metodologia de estudo pra nos entender? Perguntei a vó. Ela riu, vê só. O que eu vou fazer com tanto pressuposto teórico metodológico? Ela disse, que isso é coisa da academia, assim como o rigor e as categorias. Lá é assim, né...o objeto do estudo vai determinar o conteúdo do conhecimento. São muitos fundamentos, condicionantes e limitações. E apesar desse objeto estar em movimento e transformação, não podemos fugir de um método...

Aqui pra gente, isso em parte funciona, ela disse, o movimento é cheio de contradições, escolhas diárias, dilemas que só se resolvem com rompimentos. Pra nos compreender hoje, temos que saber do nosso passado e nossa história. Entendendo nossa história tudo se ilumina e a vida se expressa.

Só que perceber a beleza da vida nos deixa entorpecidos, dormentes...confortavelmente...o mundo muda muito rápido, as vezes não dá pra acompanhar. As instituições nos podam, nos direcionam, nos especializam. Todo tempo estamos buscando, além da verdade, nos encaixar em algum lugar ou em algum padrão, e as palavras e as coisas se vão como líquido pelo ralo...

No final das contas a herança do cartesianismo está entranhada na nossa carne, estamos sempre buscando algo, vivemos uma dualidade, tem regra pra tudo, precisamos de evidências para acreditar em alguma coisa, para ter clareza, as análises não têm fim, ordenar, reordenar, concluir finalmente?

Sem portantos, logos ou consequentementes, porque isso não é uma conclusão. Nem vou deixar considerações finais, eu acho que nada disso tem fim. Qual o método para viver, então? Não existe método para viver, é uma pintura livre! Tem que deixar a criança desenhar! Ainda tenho tanto pra fazer...vou gritar pro mundo minhas ideias. E você, você pode analisar meu discurso. Deixo-te esse desafio, é a sua análise. Só não me prenda!

Vou filosofar do jeito que eu quiser

do jeito que meu peito pedir

não tem nenhuma corda me amarrando

cansei de ouvir os barulhos antigos na minha cabeça

agora quero só o ruído do mundo

me chamando pra além dos mares!

Vou voar de novo

vou procurar meu chão

dedico meu tempo pro meu caminho

o que vai estar na minha vida daqui a 10 anos?

Não sei…

nem amanhã eu sei

sou uma tela em branco

não…

não sou em branco

tenho uma história

valiosa

e de liberdade!

¹A hora das crianças, Walter Benjamin (capítulo Doutor Fausto).

Gabriela Chaves Marra
Enviado por Gabriela Chaves Marra em 20/12/2020
Código do texto: T7140361
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